Há
quedas diversas de Lula no momento: a derrota da maioria dos candidatos do PT
nas principais capitais do país, a incapacidade de peitar o poder econômico dos
agropecuaristas e impor o fim de todo o tipo de desmatamento ou a dificuldade
de impedir uma lenta mas já sensível desvalorização do real frente ao dólar.
Todas essas manifestações de queda são negativas e bem inoportunas, pois
poderão impedir a reeleição de Lula dentro de dois anos.
Porém,
a mais recente queda de Lula, embora tenha causado dor, mobilizado médicos,
necessitado pontos de sutura atrás da cabeça, se poderia qualificar, sem se
usar de nenhuma ironia, de bastante oportuna. Ainda bem que o presidente Lula
conserva alguns de seus hábitos proletários como esse de cortar ele mesmo as
unhas dos pés e não uma pedicure. Sabe-se lá que gesto inusitado fez o
presidente com os pés ou com a tesoura para perder o equilíbrio, virar pra trás
e bater a cabeça no piso ou no batente do banheiro.
Por
que essa queda foi oportuna? Porque evitou ao presidente Lula ser obrigado, por
pressões diversas, a assumir posições capazes de comprometerem sua imagem junto
à União Europeia e junto aos Estados Unidos. Cansado depois de 17 horas de
viagem e pela diferença de fuso horário, Lula aceitaria fazer fotos junto com
Putin e Xi Jinping capazes de irritarem os líderes ocidentais e de deixar Joe Biden
de pulga atrás da orelha.
Pior
ainda, um aperto de mão com o atual presidente do Irão, Masoud Pezeshkian,
dirigente da teocracia islâmica financiadora de movimentos terroristas, como o
Hamas, poderia desvalorizar todas as declarações e discursos relacionados com
Gaza e seus ataques dirigidos a Israel.
Embora a esquerda brasileira pareça desconhecer, o movimento Sul Global em nome
do pós-colonialismo reúne diversos tipos de ditaduras, como a do Irão, que não
são compatíveis com os conceitos de democracia e de direitos humanos do Brasil.
Também
queda oportuna porque Vladimir Putin queria aproveitar de sua posição de atual
presidente do Brics para propor a entrada da Venezuela. Um ditador a menos ou a
mais não faria diferença, mas o Brasil reza por outra cartilha, a de uma
democracia nos moldes ocidentais, e não pode aceitar, pois isso implicaria na
aceitação da eleição fraudulenta de Maduro. O mesmo se aplica com relação a uma
proposta de paz do Brics entre Rússia e Ucrânia. Logo no início do seu mandato,
Lula sentiu o risco de perder o apoio dos países da União Europeia, como a
França, ao ter feito uma declaração ambígua sobre a guerra Rússia-Ucrânia.
Desta
vez, o presidente Lula escapou de assumir
compromissos ou adotar posições que lhe pudessem causar problemas ao regressar,
mas, no próximo ano, será Lula quem assumirá a presidência do Brics, essa
tentativa de desocidentalização econômica contra os EUA e a Europa por um grupo
diversificado de países.
A
hipótese, apoiada pelo Brasil, de o Brics abandonar o dólar nas suas transações
por uma outra moeda ou plataforma numérica, proposta por Putin, é rechaçada por
Donald Trump, que, se eleito, promete punir severamente os países envolvidos. E
nas condições atuais, o Brics ainda não tem estrutura para enfrentar os EUA,
assim como não dispõe de apoio suficiente para lançar um plano de reformulação
da ONU.
A
abertura do Brics com o objetivo de reunir mais países não parece ser muito
seletiva em matéria de direitos humanos, tanto que o Afeganistão, da ditadura
dos talibãs, está também interessado em se reunir com o Irão no Brics. A
influência dos países islâmicos numa espécie de contraponto ao ocidente cristão
não deve ser minimizada. Esses são alguns dos problemas que Lula terá de
enfrentar ao receber de Putin, no próximo ano, a presidência do Brics. Rui
Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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