Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Casamansa - Uma nação desprezada pela história colonial

É essencial, hoje mais do que nunca, compreender que a questão da Casamansa não pode ser reduzida a um simples assunto regional ou económico. Casamansa é uma nação cuja história remonta muito antes da sua integração forçada no Senegal pelas autoridades coloniais francesas, uma realidade muitas vezes negligenciada pelo discurso político e mediático dominante. Este conflito, muitas vezes apresentado como uma simples rebelião interna, está na realidade enraizado em questões históricas e políticas muito mais profundas.


Sob a colonização francesa, a Casamansa não era uma " região " do Senegal, mas sim uma nação por direito próprio, com as suas fronteiras que se estendiam desde o Oceano Atlântico até ao rio Falémé, perto da actual fronteira com o Mali. Longe de ser uma simples extensão do Senegal, Casamansa possuía uma identidade política e cultural distinta, forjada por séculos de resistência e autodeterminação. Foi apenas através de uma série de decisões administrativas impostas pelos colonos franceses, sem consulta ou acordo do povo de Casamansa, que esta nação foi anexada ao Senegal, transformando um povo orgulhoso e independente numa “região” marginalizada.

A administração colonial, procurando a simplificação territorial e o controlo centralizado, traçou fronteiras arbitrárias que ignoraram as realidades sociais e históricas dos povos que governava. Ao integrar a Casamansa no Senegal, os franceses violaram os direitos políticos do povo de Casamansa, criando uma divisão que continuou a aumentar desde a independência do Senegal em 1960. Esta anexação forçada, vivida como uma traição pelas populações locais, está na raiz da questão da Casamansa. A luta pela independência da Casamansa não é, portanto, um simples grito de raiva contra as desigualdades económicas, mas uma luta pelo reconhecimento do seu direito histórico à autodeterminação.

Casamansa é mais do que uma região geográfica; é uma entidade política e cultural distinta, com tradições próprias, história própria e projecto social próprio. O que muitos não compreendem é que o povo da Casamansa não luta apenas por melhores condições económicas ou por maior autonomia local, mas pela sua dignidade como povo, um povo a quem foi negado o direito de decidir o seu próprio destino. As autoridades senegalesas, herdeiras da divisão colonial, continuam a tratar a Casamansa como uma simples região “rebelde” em vez de reconhecerem a profundidade da sua história e a legitimidade das suas reivindicações.

É, portanto, essencial esclarecer as coisas: a questão da Casamansa é, antes de mais, uma questão de justiça histórica e política. Esta nação, anexada sem consulta, aspira recuperar o seu estatuto antes da colonização, um estatuto que lhe foi arrancado pela violência do colonialismo. Para o povo da Casamansa, a reconciliação com o Senegal passa necessariamente pelo reconhecimento desta verdade histórica. O conflito que dura há décadas não pode ser resolvido através de soluções económicas ou de promessas de desenvolvimento; requer uma resposta política proporcional à gravidade desta injustiça histórica.

A marginalização de Casamansa não é um simples legado económico, mas a consequência de uma decisão colonial arbitrária, tomada sem o consentimento daqueles que ainda sofrem as suas consequências. Reconhecer isto é reconhecer que a solução para o conflito da Casamansa não se encontra apenas nas infraestruturas ou nos subsídios, mas num diálogo político sincero, que admite a falha original: a anexação forçada de um povo independente.

O Senegal deve compreender que a Casamansa não pode ser pacificada pela repressão militar ou pela simples promessa de uma melhor integração económica. Trata-se de reconhecer os direitos históricos e políticos de um povo que, durante séculos, lutou para preservar a sua autonomia e cultura face às potências estrangeiras. Se o Senegal aspira a uma paz verdadeira e duradoura, deve parar de tratar a Casamansa como uma região dissidente e começar a considerá-la como uma nação com a sua própria história e legitimidade política.

É neste reconhecimento da história colonial, e na compreensão de que a Casamansa foi anexada contra a sua vontade, que reside a chave para uma resolução duradoura do conflito. O futuro do Senegal, e mais amplamente da África Ocidental, não pode ser construído com base no esquecimento ou na negação destas verdades históricas. Casamansa, como nação, tem direito a um lugar pleno no concerto das nações, e o seu povo merece finalmente ser ouvido e compreendido pelo que é: um povo soberano, cuja voz nunca deixou de exigir justiça.

Só o reconhecimento desta história pode abrir caminho para uma paz duradoura. Abdou Diallo – Casamansa in “Journal du Pays”


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