O
segundo turno da eleição para prefeito da cidade de São Paulo foi um importante
teste para se avaliar as forças políticas que voltarão a se enfrentar dentro de
dois anos. O resultado desse teste não é nada animador para o PT e por tabela
para o presidente Lula.
Os
petistas perderam em quase todas as principais cidades brasileiras e ganharam
apenas em Fortaleza, revelando uma perda de fôlego na corrida aos postos
executivos municipais. Essa situação provocou mesmo uma crise dentro da direção
do partido com duras críticas à sua presidenta, Gleisi Hoffmann, acompanhadas
de uma reflexão negativa quanto à possibilidade de Lula se reeleger.
Gleise
se defendeu atacando Padilha, uma espécie de porta-voz do governo, mas
dificilmente escapará de um remanejamento na estrutura do PT, para evitar o
pior em 2026 com perda de governo e retorno dos bolsonaristas à direção do
país. Onde tem errado a estratégia do PT? Ou é o governo de compromissos de
Lula com o centrão o principal culpado?
Talvez
ambos. Os velhos militantes do PT não perceberam as mudanças sociais, relações
de trabalho e outras formas de exploração aplicadas pelos detentores do
capital, mais uma série de inovações tecnológicas que vêm revolucionando o modo
de vida das populações às quais o PT não se adaptou, nem em termos simples de
dominar o conhecimento e o uso das redes sociais.
Face
à linguagem populista da extrema-direita e à utilização das fake news,
que já haviam elegido Bolsonaro em 2018, o PT não inovou e não encontrou nem um
antídoto, preferindo repetir chavões sem ressonância. Faltam figuras criativas
como a de Carlito Maia no passado, um misto de publicitário político, criador
de slogans até hoje ainda utilizados, porém sem o mesmo efeito de quarenta anos
atrás.
Na
campanha eleitoral para a mais importante prefeitura brasileira, a de São
Paulo, houve uma espécie de choque entre as ultra-modernas técnicas populistas
dominadoras das redes sociais com o esquema clássico já ultrapassado de
publicidade política, tipo discursos, entrevistas, depoimentos na televisão.
Mal comparando, são as calmas missas tradicionais católicas frente aos cultos
evangélicos barulhentos entremeados de cânticos, tanta é a participação direta
dos fiéis aos brados e comandos dos pastores. Não basta ter um 247, no estilo
clássico, é preciso uma equipe de jovens inovadores e dominadores das redes
sociais.
As
lições colhidas em São Paulo, onde a esquerda tinha o hábito de ganhar, são
preocupantes para o PT, que se vê diante de uma mudança de comportamento do
eleitorado. Teria sido a presença inusitada de um candidato de extrema-direita
até então desconhecido, sem um programa definido mas com uma linguagem nova e
provocadora?
Sem
dúvida! A chegada de Pablo Marçal à campanha eleitoral com seu estilo neofascista
de contato com o eleitorado utilizando mentiras, ofensas, agressões verbais
para desmoralizar os adversários, conjugado com a maestria no uso das redes
sociais, fazendo circular seus verbetes e slogans na proporção de 600 milhões
de visualizações para apenas 80 milhões de seus adversários reunidos, como
contou o especialista Renato Dolci, numa entrevista à CNN.
Uma
visão rápida dos resultados do segundo turno em São Paulo revela algo um tanto
inédito - o atual prefeito Ricardo Nunes foi reeleito com cerca de 31% dos
votos do total dos eleitores paulistanos, porém, somando-se o número dos votos
brancos, nulos com as abstenções, obtém-se 36%.
Ou
seja, Nunes, embora reeleito, foi indiretamente rejeitado pela maioria do
eleitorado. O grande número de abstenções teria sido também decorrente da
decisão de Pablo Marçal, eliminado no primeiro turno, de não pedir aos seus
eleitores para votarem em Nunes. Essa fragmentação da extrema-direita torna
ainda mais dramática a derrota de Guilherme Boulos, colocado num distante
terceiro lugar, depois dos brancos, nulos, abstenções e Ricardo Nunes, sem
chegar aos 30% dos eleitores habituais do PT na capital paulista.
Enfim,
outro fator, praticamente ignorado pela direção do PT em suas autocríticas é o
peso dos votos dos evangélicos nas eleições. Assim como ocorre nos EUA, onde o
voto fundamentalista e conservador dos evangélicos permanece estável, o voto
evangélico no Brasil corresponde ao de um partido em expansão. E porquê?
Porque
a maioria das igrejas e congregações evangélicas funcionam como se fossem,
embora oficialmente não sejam, diretórios dos partidos bolsonaristas,
alimentados doutrinariamente semanalmente. A fusão religião-política
fundamentalista obtida nos EUA, e que poderá significar a vitória de Trump, é
também uma nova realidade brasileira, que nenhum partido de esquerda, como o
PT, poderá ignorar. Embora Lula durante seus governos passados tivesse
favorecido os evangélicos, na esperança de receber um retorno, a situação atual
é a de representarem uma forte e bem organizada oposição. E os recentes
pronunciamentos de Lula contra Israel só reforçaram essa oposição religiosa, já
que os evangélicos se identificam e apoiam a política de extrema-direita de
Israel. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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