O 1.º Congresso de Arbitragem Lusófona, entre 12 a 14 de outubro, reuniu em Macau mais de uma centena de juristas da Lusofonia, Macau e Grande Baía. Num contexto de crescimento das relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa, o evento focou-se nas vantagens de Macau como local de eleição para as disputas entre os países
O
comércio entre os Países de Língua Portuguesa e a China tem vindo a aumentar de
ano para ano. Em 2023, atingiu 220,9 mil milhões de dólares americanos, quase o
dobro do registado em 2019, segundo os Serviços de Alfândega da China. Quanto
mais comércio, e maiores os investimentos, também “maior é a probabilidade de litígios”,
aponta Liu Xiaochun, presidente do Centro de Arbitragem Internacional do
Tribunal de Shenzhen, que marcou presença no 1.º Congresso de Arbitragem
Lusófona.
Para
resolver disputas comerciais entre a China e a Lusofonia, “a arbitragem e
mediação” é uma das soluções, explicando que é “um método de resolução
pacífico, equitativo, profissional, eficiente e exequível”. E é aqui que Macau
se torna um local de eleição para dirimir os conflitos; na região
administrativa especial chinesa fala-se português e chinês, e a legislação tem
influência dos dois mundos. “Queremos fazer bom uso de uma jurisdição tão
especial como Macau, porque sob o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ (…)
podemos construir uma marca para fazer a ponte económica e comercial”, diz
Xiaochun, acrescentando que o evento tem “um significado histórico”.
Pedro
Couto, outro dos participantes no Congresso, veio de Moçambique, numa viagem
que demorou praticamente um dia inteiro. “Quando começámos a falar deste
projeto, há coisa de nove meses, confesso que fiquei reticente. Olhei para a
distância das viagens… senti que ia chegar aqui, íamos falar um bocado e
pronto; terminávamos por aí”, diz ao nosso jornal. Terminada a reunião, o
advogado especializado em energia, recursos naturais e infraestruturas, diz ter
sido “surpreendido pela positiva”. O responsável explica que quando se procura
um centro de arbitragem, uma das prioridades é encontrar um local “neutro”.
“Podemos argumentar que Macau não o é, por ter influência chinesa. Mas no
fundo, estamos a falar de um sítio que tem influência da legislação portuguesa,
como Moçambique também tem, e todos os outros países da Lusofonia, de uma forma
ou de outra. Além disso, conhece os dois mundos. Portanto, seria efetivamente
um local muito interessante para arbitrar os casos que envolvem estas partes.”
Falta
de músculo
De
momento, Macau tem dois centros de arbitragem: o do Centro de Comércio Mundial
e o outro da Associação dos Advogados de Macau. Ao nosso jornal, participantes
confessam não ter visto qualquer representante destas instituições no
Congresso. Pedro Couto explica que “Macau ainda não está preparada para a
dimensão daquilo que será uma arbitragem internacional ou que envolva
investimento de fora. Está a criar essas condições.”
Essa
estrutura já existe, por exemplo, em Hong Kong, “há muitos anos preparada e com
essa reputação”, mas também em Shenzhen, como indica Xiaofun: “Os Países de
Língua Portuguesa, incluindo Portugal e o Brasil, têm também personalidades de
renome que desempenham um papel muito importante no nosso centro”, ressalvando
que apesar da arbitragem em Macau “não ser tão precoce como no interior da
China”, há “vantagens jurídicas únicas” em torná-la no “centro do processo
desta cooperação”.
Pedro
Couto explica que o primeiro passo é reunir consensos. “Nós [advogados]
escolhemos os locais que têm as condições, como Macau tem, de alojamento,
estadia, tecnologia e por aí fora, mas também muito na questão reputacional. Se
olharmos para o centro de Singapura, por exemplo, que é outro centro de
arbitragem muito usado aqui na Ásia, nos primeiros 15 anos teve cerca de 90
casos por ano. Não é muito. Isto é um processo que tem de começar com as partes
interessadas reconhecerem que há condições.” Passo que acredita ter sido
concretizado com o Congresso, “que permitiu mostrar que efetivamente existe
esta ligação, estas condições e esta vontade da Lusofonia e da China de
considerar Macau como uma alternativa”.
Em
segundo, “tem que existir um centro que seja efetivamente dedicado ou
concentrado a esse âmbito da arbitragem transfronteiriça”. Para o advogado de
Moçambique, “é uma questão de motivar todos os lados. Tem de haver vontade
política, principalmente da parte do Governo de Macau, e se calhar até do
Governo Central. Tem de apoiar e convencer as próprias empresas”. Sobre casos
que tenham passado por Macau, diz que conhece alguns que “teria feito sentido
passar por aqui, mas não passaram”. A distância entre Macau e a Lusofonia não
preocupa Couto: “É praticamente a mesma distância que os outros grandes centros
da Ásia”.
O
1.º Congresso de Arbitragem Lusófona foi coorganizado pela Associação Lusófona
de Arbitragem e Mediação (ALAM), o Centro de Arbitragem Internacional do
Tribunal de Shenzhen, e o Centro Internacional de Arbitragem do Sul da China
(Hong Kong).
Esta
foi também “a maior delegação da Lusofonia a visitar o centro de arbitragem de
Shenzhen, um dos principais centros de arbitragem a nivel mundial”, aponta
Bruno Nunes, presidente da direção da ALAM. No futuro, espera que as disputas
entre a China e a Lusofonia sejam resolvidas em Macau, sobretudo quando se
tratarem de contratos que envolvam o Fórum de Macau ou o Fundo de Cooperação e
Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa. “É o que faz sentido. Mas se
for feita uma arbitragem institucional, tem de haver um painel de árbitros
experientes e especializados, com cultura internacional”, avisa. Guilherme
Rego – Macau in “Plataforma”
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