Talvez
em nenhum outro lugar as redes sociais tenham sido utilizadas de uma maneira
tão intensa e com resultados tão evidentes como na campanha eleitoral para a
eleição do prefeito de São Paulo. Porém, ao mesmo tempo, ficou evidente que,
apesar dos resultados surpreendentes, o controle da maioria do fluxo de redes
sociais não é garantia de se impor o produto, no caso, o candidato.
Isso
tem um significado bastante positivo em termos de não existir ainda uma maneira
de se propor para impor à maioria da população um produto ou um tipo de
comportamento voluntário tendo como base apenas um certo tipo de indução. Ou
seja, o pesadelo de um mundo unificado, tipo 1984, sem o emprego paralelo da
persuasão coercitiva e da punição ainda não é um risco fatal e definitivo. O
teste a seguir será o do emprego da inteligência artificial, mas isso ainda vai
levar algum tempo.
A
campanha eleitoral paulistana online, nas redes sociais, nos canais
youtube acabou se transformando num grande teste real ou ao vivo, em termos de
sociologia, comportamento humano, controle coletivo, testes de indução, do qual
vão também se beneficiar as empresas de publicidade nas campanhas de lançamento
de novos produtos. Campanhas de produtos com condições de aplicar milhões na
invasão das redes sociais com os chamados cortes, que podem ser frases,
ilustrações, fotos, vídeos ou filmes.
Países
com vocações ditatoriais também poderão se inspirar dos resultados obtidos por
Pablo Marçal com suas redes sociais, sabendo que poderão conquistar o apoio do
equivalente a um terço de uma população. É claro, as redes sociais são
importantes mas não passam de um meio de utilização fácil para atingir milhões
de pessoas. Elas só funcionam para quem tiver a mensagem, no caso a mensagem
populista conservadora, inspiradora de segurança.
Mas
só isso não basta é preciso o carisma, a sedução, o magnetismo, o fascínio
possuído por certos líderes políticos ou religiosos, que atraem seguidores. foi
o caso de Hitler, que arrastou os alemães para a guerra; do lider islâmico
Khomeini, que derrubou o Xá Reza Pahlevi; do fenômeno social também surgido em
São Paulo, Jânio Quadros, todos eles sem contarem com redes sociais.
E
chegamos, então, ao novo líder surgido em São Paulo, Pablo Marçal, eliminado
das eleições para prefeito, mas que se declara pronto para se lançar candidato
à presidência ou à sucessão de Tarcísio de Freitas no governo de São Paulo.
A
CNN convidou um especialista, Renato Dolci,
especialista em ciência de dados e transformação digital para explicar o método
aplicado por Marçal nas redes sociais, considerado como algo de novo. Esse
método fez com que Marçal tivesse 600 milhões de visualizações, enquanto todos
seus concorrentes juntos não passavam de 80 milhões.
O
método inovador permitiu também a Marçal testar discursos para saber qual o
formato a ser utilizado diante do público. Foi assim que percebeu serem seus
discursos agressivos bem recebidos pelo eleitorado mais idoso e seus discursos
centrados na prosperidade serem melhor recebidos pelos mais jovens, principalmente
na periferia.
Mas
nem tudo foi um sucesso nesse formato criado por Marçal na propaganda digital
porque o sentimento negativo com relação ao candidato era maior que o positivo.
Restou também a impressão de que a novidade Pablo Marçal surgida do nada, de
repente, no começo da campanha, entrou numa fase de desgaste no decorrer da
campanha. Assim, alçado à primeira posição nas primeiras prévias, dando mesmo a
impressão de se eleger no primeiro turno, foi perdendo força até cair para o
terceiro lugar nas votações e ser eliminado.
Mas
sua derrota, que recolocou a campanha eleitoral entre Boulos e Nunes nos moldes
tradicionais, não significa seu desaparecimento. Mais inteligente, mais
preparado e mais ágil de linguagem que Bolsonaro, Marçal quebrou o monolitismo
da extrema-direita e também limitou a presença evangélica nos seus discursos,
provocando a ira do líder pastor Silas Malafaia. Se Marçal se mantiver e
crescer como líder desse setor da direita e extrema-direita, isso irá se
repercutir numa perda da presença e influência política dos pastores
evangélicos. O populismo evangélico bolsonarista, que dominou as redes sociais
durante anos, não tem a mesma velocidade digital do populismo de Marçal. Rui
Martins – Suíça
______________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Sem comentários:
Enviar um comentário