A música tem sido um bastião da liberdade de expressão na Guiné Equatorial, país onde “é preciso ser um pouco mais inteligente” para criticar o regime, disse à Lusa o ‘rapper’ daquele país Negro Bey.
Tal
como outras formas de arte, o rap “tem sido um elemento para quem quer
liberdade de expressão” na Guiné Equatorial, disse o músico, recordando as
reivindicações feitas por artistas como Maelé (1958-2017). Apesar de ter sido
alvo de um atentado supostamente orquestrado pelo Governo, em 1991, Maelé
acabou por se unir ao partido no poder, o Partido Democrático da Guiné
Equatorial (PDGE) e enveredar pela política.
Como
não tem qualquer interesse em seguir o mesmo caminho, garantiu Negro Bey em
entrevista à Lusa, não é visto como “um perigo” pelas autoridades. “Não sou
político, não quero ser ministro, não quero ser presidente (…) e a ser honesto
a política ajuda-me a obter mais inspiração, nada mais”, afirmou o músico de 40
anos.
Ainda
assim, Negro Bey admitiu que “é muito difícil” fazer canções contestatárias na
Guiné Equatorial, um país onde “as represálias não costumam ser boas”. “Há
gente que me odeia, gente que me quer ver na prisão (…) mas mesmo assim sigo em
frente, a tentar garantir que não me prendam porque não sou um criminoso”,
disse o artista.
Negro
Bey sublinhou que não é “nenhum herói” e não quer ser “nenhum mártir”, mas
prometeu que não vai desistir de “ir pouco a pouco denunciando certas coisas”.
“Haverá um dia em que, sem saber, iremos abrir a porta e sair lá para fora, é
nisso que acredito”, disse o músico.
Desde
a sua independência de Espanha, em 1968, a Guiné Equatorial tem sido
considerada pelas organizações de defesa dos direitos humanos como um dos
países mais repressivos do mundo, devido a acusações de detenções e tortura de
dissidentes.
Negro
Bey disse que as detenções são uma tentativa do regime, liderado por Teodoro
Obiang desde 1979, de impedir os membros da oposição de concorrer às eleições e
garantir que mantém o poder. Obiang, de 82 anos, governa o país com mão de
ferro há 45 anos, desde que derrubou o seu tio Francisco Macías num golpe de
Estado, e é o Presidente há mais tempo em funções no mundo.
Em
Julho, Negro Bey lançou a canção “Así Nacen las Dictaduras” (‘Assim Nascem as
Ditaduras’), ligada ao livro “Cómo Nacen las Dictaturas dentro de Nuestras
Democracias” (‘Como Nascem as Ditaduras dentro das Nossas Democracias’), do
escritor local G.M. Abeso Evuy Oyana. Tal como o livro, a música fala de toda a
África e de como os ideais dos políticos “morrem ao escalar alturas”, criando
“uma roda gigante” de golpes de Estado sucessivos que deixam tudo “pior ou
igual”, lamentou o artista.
Negro
Bey falou à Lusa em Macau, onde deu dois concertos no âmbito da 16ª Semana
Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa organizada pelo Fórum de
Macau. A Guiné Equatorial integra o Fórum para a Cooperação Económica e
Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) desde 2022.
Jovens começam a aprender Português na Guiné-Equatorial
Os
jovens da Guiné Equatorial estão a começar a aprender Português, afirmou o
músico Negro Bey, mais de uma década depois de Malabo ter aderido à Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). “Aos poucos vamos avançando. Os jovens
estão a estudar um pouco de português, embora não falem bem, mas tentamos
melhorar”, disse o ‘rapper’ à agência Lusa. A 3 de Outubro, o secretário
executivo da CPLP garantiu à Lusa que a expansão da língua portuguesa na Guiné
Equatorial, “um substrato essencial” da organização, é “uma preocupação”. “As
autoridades da Guiné Equatorial estão a dar passos”, mas “precisam também de
uma ajuda dos Estados-membros”, porque “não é fácil” pôr em prática um programa
a nível nacional de ensino da língua do português, sublinhou Zacarias da Costa.
Segundo Negro Bey, a participação da Guiné Equatorial na CPLP começa a ser
conhecida no país, sobretudo “porque tem havido muitas reuniões e cimeiras”.
População vive com medo da fome
A
profunda crise económica na Guiné Equatorial deixou a população a viver com
medo da fome, alertou o músico Negro Bey, que culpa a corrupção pelo
esbanjamento das receitas do petróleo e acusa o Ocidente de hipocrisia. A
descoberta de reservas de petróleo ao largo da costa por empresas dos EUA, em
1996, tornou a Guiné Equatorial um dos países com maior rendimento ‘per capita’
em África. No entanto, esta descoberta não se traduziu num maior bem-estar para
a população do país, que ocupava em 2023 o 145º lugar entre 191 Estados no
Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento. “Como é que num lugar que beneficia deste nível de riqueza
podes ver pessoas a morrer de fome todos os dias?”, lamentou Negro Bey em
entrevista à Lusa em Macau. “Às vezes perguntam-me: ‘não tens medo’? O receio
que eu mais tenho é que não haja arroz, não haja leite para os bebés, não haja
luz nas casas, não haja água potável, e isso é um receio na Guiné
[Equatorial]”, disse o músico. Vítor Quintã – Agência Lusa in “Jornal
Tribuna de Macau”
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