O poema ’Afroinsularidade’ da poeta e jornalista Conceição Lima, de São Tomé e Príncipe, venceu ’ex-aequo’ o ’Concurso de Tradução de Poemas 2021’, organizado pela prestigiada revista literária ’Words Without Borders’, em parceria com a Academia Americana de Poetas. O anúncio oficial teve lugar num evento especial do Brooklyn Book Festival, com recital pelos vencedores
Afroinsularidade venceu ex-aequo com o poema 0 da salvadorenha
Lauri García Duenas. Estiveram em concurso 606 poemas em 61 línguas e 327
poetas de 79 países, selecionados pela equipa editorial da revista Words
Without Borders.
Os
tradutores dos dois poemas premiados são os norte-americanos David Shook e
Olívia Lott, respetivamente.
A
autora premiada Conceição Lima, da UNEAS-União Nacional dos Escritores e
Artistas São-tomenses, foi recentemente nomeada coordenadora nacional, para São
Tomé e Príncipe, do Movimento Poético Mundial.
É
o nome mais traduzido da literatura são-tomense, com livros e poemas em alemão,
árabe, espanhol, checo, francês, galego, italiano, inglês, shona, servo-croata
e turco.
A
Dolorosa Raiz do Micondó, de 2006, republicado em São Paulo em 2015 pela
editora Geração Editorial, venceu, entre mais de 400 títulos, o Programa
Nacional de Bibliotecas Escolares do Brasil, PNBE. A sua tiragem, pelo
Ministério Brasileiro da Educação, atingiu os 35500 exemplares.
Afroinsularidade
O
poema Afroinsularidade, do primeiro livro de Conceição Lima, O Útero
da Casa, de 2004:
Deixaram
nas ilhas um legado /de híbridas palavras e tétricas plantações/engenhos
enferrujados proas sem alento/nomes sonoros aristocráticos/e a lenda de um
naufrágio nas Sete Pedras//
Aqui
aportaram vindos do Norte/por mandato ou acaso ao serviço do seu
rei:/navegadores e piratas/negreiros ladrões contrabandistas/simples homens/
rebeldes proscritos também/e infantes judeus/tão tenros que feneceram como
espigas queimadas//
Nas
naus trouxeram/bússolas quinquilharias sementes/plantas experimentais amarguras
atrozes/um padrão de pedra pálido como o trigo/e outras cargas sem sonhos nem
raízes/porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso/ todas as
mãos eram negras forquilhas e enxadas//
E nas roças ficaram pegadas vivas/como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um escravo morto./ E nas ilhas ficaram/incisivas arrogantes estátuas nas esquinas/cento e tal igrejas e capelas/para mil quilómetros quadrados/e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios./ E ficou a cadência palaciana da ússua/o aroma do alho e do zêtê d’óchi no tempi e na ubaga téla/e no calulu o louro misturado ao óleo de palma/e o perfume do alecrim/e do mlajincon nos quintais dos luchans//
E
aos relógios insulares se fundiram/os espectros — ferramentas do império/numa
estrutura de ambíguas claridades/e seculares condimentos/santos padroeiros e
fortalezas derrubadas/vinhos baratos e auroras partilhadas/Às vezes penso em
suas lívidas ossadas/seus cabelos podres na orla do mar/Aqui, neste fragmento
de África onde, virado para o Sul,/um verbo amanhece alto/como uma dolorosa
bandeira. In “Novafrica” – Angola com “A semana”
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