Pela
primeira vez nas quatro guerras ocorridas em Gaza desde 2008, três livrarias
arrasadas. Israel reduziu a escombros em Maio o local com 100 mil volumes que
Samir Mansur havia transformado na maior e mais prestigiada livraria da Faixa
de Gaza. Graças ao apoio de microfinanciamento popular internacional e às
doações de exemplares oferecidos do estrangeiro, o livreiro e editor dispõe-se
a reabrir no final do ano
“Quando
o edifício Kahil for reconstruído, o nosso projecto é criar ali um centro
cultural com as obras doadas”, diz Mansur, de 54 anos. “Nasci entre os livros e
o meu pai ensinou-me o ofício ao pé das estantes desde os 14 anos. E agora
tenho ao meu lado uma nova geração da família para seguir em frente” frisou.
Liderada
pelos advogados Clive Stafford Smith e Mahvish Rukhsana, que defenderam presos
em Guantánamo, ao apelo à reconstrução já chegou aos 240000 dólares e milhares
de obras foram oferecidas por editoras e particulares para repor seu fundo
editorial, ainda que Mansur reconheça que será difícil que cheguem através do
porto israelita de Ashdod. “O Exército controla tudo o que entra em Gaza”,
avisa.
Mansur
recebia as últimas novidades editoriais publicadas no Cairo, Amã e Beirute, e
tinha a melhor oferta de literatura e ensaios em inglês da Faixa mediterrânea.
“Tínhamos muitas obras infantis, religiosas, de ensino de idiomas…”, lembra com
saudades do estabelecimento desaparecido do centro da cidade, ponto de reunião
de autores e intelectuais e que para muitos leitores de Gaza era uma via de
escape cultural ao bloqueio imposto por Israel há 15 anos. Amontoados em apenas
365 km quadrados, os dois milhões de habitantes de Gaza têm uma das mais altas
densidades populacionais do mundo.
“Não
entendo por que nos atacaram. Não somos um objectivo militar e não temos
ligação com nenhuma organização política” questiona Mansur. Na época, o
Exército israelita explicou que o edifício era utilizado por membros do Hamas
para fabricar armas e que a organização islamita escondia as suas actividades
em imóveis civis, o que o livreiro nega.
Mansur
editava em média uma centena de obras de autores locais por ano, sempre com
tiragens de 500 a mil exemplares. Também publicou traduções para o árabe de
clássicos como Os Miseráveis, de Victor Hugo, e Crime e Castigo, de Fiodor
Dostoievski. Mas o seu trabalho editorial acabou desde os ataques em Maio.
Então os bombardeamentos israelitas mataram 250 palestinianos em resposta aos misseis
islamitas que mataram 13 em Israel.
Outras
duas livrarias, entre um total de uma dúzia de estabelecimentos relevantes,
também ficaram destruídas e gravemente danificadas num revés cultural sem
precedentes no fraco território palestiniano. Shaban Eslim, de 34 anos,
conserva como um tesouro, o Corão impresso com elegante caligrafia que resgatou
dos escombros da livraria Irqa (Ler, em árabe), localizada perto das
universidades.
Mesmo
também a tentar organizar uma recolha popular de fundos no exterior, o livreiro
lamenta que as autoridades do Hamas, o movimento islamita que governa de facto
a Faixa desde 2007, tenha impedido o prosseguimento da campanha de
microfinanciamento. “Prefiro não comentar esse assunto”, finaliza quando
pedimos para que detalhe o ocorrido. “Também não recebi ajudas públicas para
reconstruir o negócio. Pergunto-me se há algum interesse oficial pelos livros
em Gaza”, diz desiludido.
O
ataque à livraria de Mansur e a outras da Faixa de Gaza representa um golpe
demolidor à difusão do conhecimento do qual o território demorará a recuperar.
Graças ao trabalho editorial de alguns livreiros, os autores locais tinham
rompido o forçado isolamento e enviar ao Egipto trabalhos digitalizados para
que fossem impressos no país vizinho antes de ser distribuídas no mundo árabe.
Muitos desses textos retornavam, por fim, à Gaza no formato de livros, evitando
as barreiras do bloqueio.
A
campanha de recolha internacional pretende ultrapassar o objectivo fixado de
250 mil dólares para reerguer a livraria Mansur dos escombros da última guerra.
“Somos vítimas de uma agressão à cultura; danos colaterais de um conflito do
qual não participamos directamente. É óbvio que Israel cometeu um erro
connosco”, conclui o veterano livreiro e editor.
Agora
sonha em organizar a cerimónia de inauguração de seu novo local com dezenas de
milhares de volumes, provavelmente em Novembro e espera poder convidar todos os
artífices da operação de mecenato internacional e os autores do enclave cujas
obras publicou nas duas últimas décadas.
“A
nossa livraria sobreviveu a duas Intifadas e a três guerras, mas não pôde
resistir às bombas do quarto conflito”, lamenta Mansur, adiantando que “os
livros continuam a ser a minha vida, os meus filhos espirituais”. In “Jornal
Tribuna de Macau” – Macau com “Agências
Internacionais”
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