I
Um
excepcional inventário sobre a produção dos principais poetas católicos do
Brasil é o que o leitor irá encontrar em Os Fios da Escrita - ensaios
literários (Itabuna-BA: Editora Mondrongo, 2020), de Adalberto de Queiroz,
poeta, jornalista e ensaísta, que foi empresário no ramo de Tecnologia da
Informação por 26 anos. É reparada assim uma injustiça, pois a poesia escrita
por poetas católicos brasileiros, que tanta repercussão teve nos anos de 1930 a
1960, nas últimas décadas, havia sido, praticamente, excluída do alvo da
crítica, ainda que continue a ser apreciada por alguns poucos jovens leitores.
Para Queiroz, há um “quarteto sagrado” da poesia feita
por católicos no Brasil do século XX: Jorge de Lima (1893-1953), Murilo Mendes
(1901-1975), Tasso da Silveira (1895-1968) e Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965). A esse grupo, porém, o ensaísta acrescenta Cecília Meireles
(1901-1964), Manuel Bandeira (1886-1968) e Lúcio Cardoso (1912-1968). Desses,
reconhece, apenas o paranaense Tasso da Silveira é menos conhecido, sendo mais
estudado nos círculos acadêmicos de letras de Curitiba e do Rio de Janeiro, onde
foi professor.
Segundo
o ensaísta, na tradição da inteligência católica, de Jorge de Lima, Murilo
Mendes e Augusto Frederico Schmidt, “há uma fortuna crítica significativa, menor
no caso de Schmidt, mas ainda assim representativa no levantamento que se fez
antes e durante o cinquentenário de sua morte em 2015”. Para Queiroz,
conhecidos por um semicírculo de iniciados na poesia, os chamados “poetas de
Deus” criaram uma lírica que continua viva e digna de ser realçada ante o olhar
do público leitor e da crítica literária do século XXI. “Mesmo se diminuta essa
contribuição, pode a iniciativa servir à crítica (e aos poucos leitores de
poesia) de nosso tempo, como uma espécie de penitência, pela nossa culpa por
tão longo silêncio”, observa no primeiro ensaio de uma série de seis.
II
Na
primeira parte do livro – dividido em quatro –, o ensaísta dedica-se, entre
outros autores, com especial enlevo, às obras de Gustavo Corção (1896-1978),
outro grande pensador e romancista católico, e do argentino Jorge Luís Borges
(1899-1986). No ensaio “Gustavo Corção e
o compromisso com o eterno”, traça um perfil do pensador e saúda a republicação
de suas obras, cerca de quatro décadas depois de sua morte. E acrescenta que os
artigos que constam de A Descoberta do Outro (Rio de Janeiro, Agir
Editora, 2000) “eram provenientes desta farinha para as almas que mistura Léon
Bloy, Ortega y Gasset, seu amigo e antípoda Alceu de Amoroso Lima, Oswald de
Andrade, Georges Bernanos e Machado de Assis a questões sociais e musicais, de
Mozart ao comprimento das saias, do conserto de automóveis ao suicídio de
Getúlio Vargas, tudo com a marca da alta cultura que marcou a passagem de
Gustavo Corção pelas letras nacionais”.
De
se lembrar é que este articulista, na segunda parte da década de 1970, ao tempo
em que desempenhou o cargo de redator e subeditor da seção de Política do
jornal O Estado de S. Paulo, entre as suas funções, estava a de preparar
a coluna de Corção para publicação. Preparar significava ler o texto e adequar
aqui ou ali alguma palavra às normas da redação do jornal e, depois, colar as
folhas nas laudas e enviá-las para a composição no sistema nylonprint,
que havia pouco substituíra a impressão a chumbo. Este articulista ainda recorda
que o artigo de Corção vinha datilografado em folhas de papel de seda.
Inconformado
com o que a ditadura civil-militar (1964-1985) praticava naquele tempo,
torturando e fazendo desaparecer adversários políticos, este articulista não se
sentia bem naquela tarefa, até porque Corção era uma “figura de proa” em defesa
de princípios que seriam usados indevidamente para justificar as
arbitrariedades dos golpistas de 1964. Mas, hoje, com a lucidez que a idade
traz, não pode deixar de reconhecer a importância do pensador católico, um dos
maiores escritores da história da literatura brasileira. E autor do romance Lições do Abismo
(1953), aliás o único de sua autoria, que Menotti del Picchia (1892-1988)
considerou “o maior livro de ficção que já se escreveu no Brasil”, como
assinalou o ensaísta.
Sobre
Borges, Queiroz cita o livro Borges Babilônico: uma enciclopédia
(Companhia das Letras, 2017), do argentino Jorge Schwartz (1944), ex-professor
deste articulista na Universidade de São Paulo (USP), que reúne mais de mil
verbetes sobre o escritor, indispensável para quem quer conhecer a fundo a
produção desse contista que se tornou universal. Mais adiante, observa que
Borges é “um conservador que treina a mente para aforismos, frases lapidares e
uma sabedoria silenciosa, mesmo quando faz uso de emissões radiofônicas e
televisivas”, quando era obrigado a falar de si mesmo.
III
Na
segunda parte do livro, intitulada “Entradas e bandeiras (temas brasileiros)”,
o autor não só dirige suas reflexões críticas sobre o “quarteto sagrado” citado
acima, como ainda ajunta Lúcio Cardoso e Hermilo Borba Filho (1917-1976), todos
de visibilidade formal e estética diferenciada, além de Dora Ferreira da Silva
(1918-2006), até hoje pouco lembrada. Dedica ainda ensaios à produção de dois jovens
poetas baianos: Wladimir Saldanha (1977),
responsável pelo texto de apresentação na contracapa do livro, e João Filho
(1975). Deste último, diz que, além da carga poética que a região Nordeste
legou à poesia brasileira, ele carrega em seus versos a tradição católica. Para
João Filho, segundo o ensaísta, está reservado um lugar entre os grandes da
poesia de nossa época.
Na terceira parte, “Legião estrangeira”, o autor reúne análises de livros de nomes consagrados mundialmente como Giacomo Leopardi (1798-1837), W. B. Yeats (1865-1939), Walt Whitman (1819-1892), Kazuo Ishiguro (1954), Flannery O´Connor (1925-1964) e V. S. Naipul (1932-2018), entre outros. Na última parte, “O mito e a sabedoria”, dedica-se a estudar mitos e símbolos na poesia, passeando pelas obras de estudiosos, como o romeno Mircea Eliade (1907-1986), o canadense Northrop Frye (1912-1991) e o sacerdote e teólogo belga Charles Moeller (1912-1986), ao mesmo tempo em que faz uma releitura cristã de grandes autores do século XX.
IV
Adalberto de Queiroz (1955), nascido em Goiânia, foi
educado como órfão em abrigo de Anápolis, de onde saiu em 1973 para cursar
Física na Universidade Federal de Goiás (UFG). Em seguida, mudou-se para Porto
Alegre, onde concluiu o curso de Comunicação Social na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Depois, retornou a Goiânia onde cursou Jornalismo na
UFG. Pós-graduado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de
Janeiro, tornou-se empreendedor de sucesso na área de Tecnologia da Informação.
Deixando as atividades empresariais em 2014, dedicou-se
integralmente às letras, assinando com o pseudônimo de Beto Queiroz coluna de
ensaios literários na revista digital Recorte Lírico, de Curitiba. É
autor também de Frágil Armação, poesia (1985), Destino Palavra,
poesia (2016) e O Rio Incontornável, poesia (Editora Mondrongo, 2017).
Organizou a antologia Literatura Goyaz (2015), que reúne poemas e
minicontos de 46 autores. No final da década de 70, participou das antologias Qorpo
Insano e Veia Poética. É
membro da Academia Goiana de Letras, ocupando a cadeira 32. Mantém o blog: https://betoqueiroz.com. Adelto Gonçalves - Brasil
______________________________
Os Fios
da Escrita (ensaios literários), de
Adalberto de Queiroz, com apresentação de Mariel Reis e Wladimir Saldanha.
Itabuna-BA, Editora Mondrongo, 259 págs., R$ 45,00, 2020. Site: www.editoramondrongo.com.br E-mail: editoramondrongo@gmail.com
_____________________________________________
Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor
de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999;
Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-latas da Madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário