Projeto está pronto para ensaio clínico mas os investidores exigem o apoio expresso do Governo. Produção inicial será no Canadá e depois em unidade a abrir em Portugal
A
equipa de cientistas portugueses que concebeu uma vacina contra a covid tem tudo
pronto para avançar para os ensaios clínicos e produção de doses e só está à
espera do Governo. São precisos 20 milhões de euros, os investidores,
internacionais, estão interessados mas não libertam um euro sem garantias de
viabilidade, seja um investimento público direto no imediato ou uma pré-compra
de vacinas, à semelhança do que fizeram os governantes alemães com o projeto da
BioNTech, que viria a viabilizar a produção da primeira imunização contra o
vírus, em parceria com o laboratório Pfizer.
“Temos
várias hipóteses de financiamento, de privados estrangeiros, mas se o Governo
não mostra interesse, não investem. Já nos reunimos com vários ministérios e
com o próprio primeiro-ministro, que se mostrou muito recetivo. Houve uma declaração
de interesse — e aguardamos. Além da vacina está também previsto dotar Portugal
de uma unidade de produção para esta e outras vacinas”, adianta Pedro
Madureira, diretor científico da Immunethep,
uma unidade de biotecnologia em Cantanhede.
Ultrapassada
a etapa agora em suspenso, a equipa de cientistas afirma ser possível colocar
as doses no mercado no prazo de nove meses a um ano. “Um dos nossos parceiros é
um fabricante de vacinas no Canadá e temos um slot de produção. Estão garantidas
20 mil doses iniciais, mais do que suficientes para os ensaios clínicos”,
explica Pedro Madureira. A avaliação da vacina em humanos está programada para
incluir 200 pessoas no total das fases I e II de norte a sul do país e até 5000
na fase III, esta já no exterior, onde ainda exista uma grande parte de
população não imunizada.
“Concluímos
em julho tudo o que eram os ensaios não clínicos, de eficácia e toxicidade em
modelo animal. Foi fácil. Fomos buscar o vírus inativado aos EUA — comprámos
cópias virais — e obtivemos o vírus vivo em Portugal. Os animais não vacinados morreram
ao fim de uma semana e os vacinados sobreviveram e não tiveram doença”,
descreve o investigador. “Os resultados mostraram que a vacina funciona e a
ideia que temos é de que dará imunidade para a vida toda.”
Imunidade de longo prazo
A
convicção do cientista numa proteção sem brechas, quando há dúvidas sobre a
duração da imunidade conferida pelas vacinas já dadas a milhões de pessoas,
reside num facto: “As pessoas que tiveram SARS-CoV-1 continuam imunes 18 anos
depois.” E essa anterior infeção, contida em território asiático, deixou outra
lição. “A imunidade é tão mais forte quão o foi a doença. Os anticorpos em
circulação caem para metade a cada 23 dias na falta de estímulo. Contudo, as
células que os produzem ficam armazenadas, e quando há um novo estímulo
rapidamente produzem novos anticorpos, é quase imediato.
Já
com a atual pandemia, os investigadores formaram ainda outra ideia. “Ficou
claro utilizar o vírus total inativado, a forma tradicional de Pasteur. Quanto
mais focada é a vacina, para um antigénio específico, maior é a probabilidade
de deixar de ser eficaz. Neste caso, a única vantagem é a rapidez de produção.”
Na prática, entre as versões no mercado, a mais parecida com a vacina
portuguesa é a formulação chinesa, usando ambas o próprio coronavírus pandémico
— e não uma cópia ou um vetor — para ativar a resposta defensiva do organismo.
A
vacina portuguesa utiliza o vírus completo inativado, em duas tomas, separadas
por 21 a 28 dias. E o cientista garante que “não será preciso reforço”. Segundo
Pedro Madureira, o pico de resposta à vacina surge após 12 dias e a segunda
dose serve somente para “garantir que o sistema imunitário fica muito ativo”. Além
disso, a administração é oral, à semelhança das bombas utilizadas pelos
asmáticos.
Validade de dois meses à temperatura ambiente
A
facilidade da toma é uma mais-valia — “não será preciso pessoal especializado,
que é limitado, nem temperaturas negativas; à temperatura ambiente a vacina tem
validade de dois meses e de muito tempo se for conservada num frigorífico
normal” —, mas a opção pela via oral visa sobretudo o efeito profilático
pretendido. O investigador explica que “a melhor forma de imunizar um local é dar
o antigénio nesse local, e através da via oral é possível estimular células do
sistema imune que existem no pulmão, garantindo uma forte imunidade das mucosas
pulmonares”, o alvo principal do coronavírus pandémico.
A
confirmarem-se todos os resultados prévios e iniciado o fabrico, a vacina
deverá ter como destino a população com indicação para terceira dose, de reforço
contra as novas variantes, e os países menos desenvolvidos, onde as vacinas já
em inoculação ainda não estão a chegar à população. Além disso, nesses locais são
vantagens da vacina dispensar cuidados especiais de conservação e uma toma com
intervenção de um profissional de saúde.
“Inicialmente,
o objetivo era criar um consórcio nacional, mas a União Europeia foi mais
rápida. Fazer o salto da investigação para a produção é muito dispendioso e o
modo de atuação é muito diferente do que é utilizado na academia”, confessa o
investigador, que se dedica há 20 anos à área das vacinas e já com outra
fórmula pronta para ensaio clínico, esta para infeções bacterianas resistentes,
em meio hospitalar.
Para
já, da parte do Governo há uma afirmação de António Costa na entrevista recente
ao Expresso. O primeiro-ministro disse ser “com entusiasmo” que vê “empresas
portuguesas que estão a investigar novas vacinas e não desistem de ter vacinas de
mais largo espectro”. Vera Arreigoso – Portugal in “Expresso”
varreigoso@expresso.impresa.pt
Arquivo de notícias sobre a Immunethep republicadas no blogue “Baía da Lusofonia”.
Portugal - Ensaios da vacina portuguesa contra o novo coronavírus em animais são promissores
Portugal
- Vacina portuguesa pode ser aprovada no próximo ano
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