O
Museu Nacional de História Natural e da Ciência conclui estudo de 2,5 milhões
de objetos das coleções do antigo Instituto de Investigação Científica e
Tropical (IICT), com vista a tornar o acervo acessível ao público.
O
projeto, ainda em curso, está a ser desenvolvido desde 2015 pelo Museu Nacional
de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa (MUHNAC-UL),
“herdeiro” deste vasto acervo, cuja proveniência também está a ser
identificada, segundo a diretora do museu, Marta Lourenço.
De
acordo com a responsável, nestes últimos seis anos, mais de 96% das peças
“foram intervencionadas, reacondicionadas em condições ideais de temperatura e
umidade para terem boa conservação, e algumas têm sido alvo de exposições,
acompanhadas por iniciativas de inclusão das vozes das comunidades de onde são
originárias”, nomeadamente, da Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique,
São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
No
quadro do projeto, segundo a diretora do MUHNAC-UL, os objetivos são a
intervenção nos objetos para os tornar acessíveis à investigação, o
conhecimento da proveniência e a sua exposição ao público, com iniciativas
paralelas de inclusão das comunidades que vivem em Portugal, em projetos de
cocuradoria.
O
IICT foi responsável pela coordenação das missões científicas às antigas colónias
portuguesas desde meados do século XIX e, em 2015, foi extinto e integrado na
Universidade de Lisboa, recordou a responsável, que é presidente do UMAC
(Comité dos Museus Universitários do ICOM – Conselho Internacional dos Museus)
e presidente do consórcio “Portuguese Research Infrastructure of Scientific
Collections” (PRISC).
Essa
integração incluiu coleções, espaços e recursos humanos, ficando a gestão
diária das coleções de objetos e espécimes sob a responsabilidade do MUHNAC.
A
Universidade de Lisboa “acabou por ficar com as magnificas, vastíssimas e
importantíssimas coleções do IICT”, originárias das missões científicas do
Estado português, que começam em 1853, sobretudo em África.
Estas
coleções foram muito além disso e, por área disciplinar, abarcam arqueologia,
etnografia, antropologia, zoologia, botânica, cartografia, instrumentos e
equipamentos científicos históricos, fotografia, geologia e arquivo histórico.
Ao
todo, segundo a diretora do MUHNAC, o número de itens reunido nas coleções do
IICT envolve 2,5 milhões de objetos e espécimes.
Depois
de tratar as vertentes da conservação e da acessibilidade, “o museu realizou
uma auditoria e diagnóstico sobre a proveniência de todos os objetos e
espécimes, com foco na etnografia e na arqueologia, que são os objetos mais
problemáticos” para identificar, observou Marta Lourenço.
A
diretora do MUHNAC-UL ressalva que “esta auditoria interna ainda está em curso,
mas os resultados preliminares apontam para os objetos terem proveniência das
missões científicas, estando, portanto, enquadradas do ponto de vista legal”,
disse, sobre um processo que levou à “identificação exaustiva de documentos
sobre a origem das peças”.
Pelo
seu caráter científico e ligado ao ensino, “estas coleções estiveram bastante
invisíveis durante muito tempo, porque eram sobretudo usadas por alunos e pelos
investigadores, não acessíveis ao público”.
O
projeto de tratamento e investigação do legado do IICT tem sido desenvolvido
“com recurso aos especialistas do museu e da universidade – investigadores e
técnicos – e com o apoio de alguns, poucos, bolseiros e contratos financiados
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)”.
A
Universidade de Lisboa, através do MUHNAC, “acabou por ficar detentora das
maiores coleções científicas coloniais que existem em Portugal”, sublinhou a
responsável, apontando que aquele imenso acervo “não se encontrava abandonado,
na altura”.
Em
junho deste ano, a comissão nacional do Conselho Internacional de Museus
(ICOM-Portugal) lançou um inquérito para conhecer o património proveniente de
territórios não europeus, existente nos museus portugueses, primeiro passo de
uma iniciativa para “promover a identificação e o debate” sobre aquelas peças,
muitas delas provenientes das antigas colónias portuguesas.
A
iniciativa retoma a questão da restituição de peças dos museus aos países de
origem, e tem levado à devolução de itens de coleções em países como a França,
Bélgica e Países Baixos, onde há museus com coleções africanas, devido ao seu
passado colonial.
Desde
então, vários museus e outras instituições europeias encetaram processos de
restituição, nomeadamente museus em Berlim, na Alemanha, e a Universidade de
Aberdeen, na Escócia, que prometeu devolver também bronzes ao Benim – de onde
foram pilhados milhares de artefatos no século XIX – tal como o Museu Hornimam,
em Londres, que admitiu desencadear o mesmo processo, assim como o Museu
Metropolitano de Arte, em Nova Iorque.
Sobre
esta questão, Marta Lourenço considera que “é o fim da linha de um processo”,
em que “há muitas vertentes complexas para conhecer e debater, não só a nível
legal, mas também ético e moral”.
“Falamos
de coleções recolhidas nos séculos XVIII, XIX e XX, isso é que se torna difícil
porque os padrões éticos e legais que temos hoje não eram os mesmos naquela
altura. O tema é muito difícil e requer historiadores, especialistas que
procurem respostas nos arquivos, e isso demora muito tempo”, observou a presidente
do Comité dos Museus Universitários do ICOM.
Marta
Lourenço apontou ainda que o trabalho de organização e tratamento dos acervos
dos museus das universidades de Lisboa, Porto e Coimbra — que possuem as
maiores coleções científicas do país — foi aprofundado com a criação de uma
estrutura própria, em 2016, para “que fossem mais bem conservadas, tornando-as
também mais acessíveis à população em geral, para fins culturais e de
educação”, sublinhou à Lusa.
Essa
estrutura – denominada PRISC – foi criada “para ter apoio e financiamento, da
FCT, da CCDR-LVT [Comissão Coordenadora e de Desenvolvimento Regional de Lisboa
e Vale do Tejo] e da Universidade de Lisboa, para requalificação de edifícios e
do Jardim Tropical, em Belém”.
“Esse
jardim tem uma carga histórica muito importante, e, por essa razão, tem vindo a
ser requalificado, e devolvido ao público”, desde 2019, recordou, num projeto
que ainda está em desenvolvimento e terá continuidade.
Este
vasto trabalho do museu “tem contado com o apoio da Universidade, que tem
investido continuadamente nos últimos anos, na valorização deste património
edificado e coleções, bem como da infraestrutura PRISC. Até agora foram 3,6
milhões de euros investidos diretamente, de um total de sete milhões
previstos”, indicou. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “Lusa”
Sem comentários:
Enviar um comentário