Portugal também está na corrida às vacinas. Numa altura em que há atrasos na entrega de vacinas e atrasos dos planos de vacinação, uma empresa do norte está confiante que o país terá vacina própria aprovada no início do próximo ano
Bruno
Santos é o CEO da Immunethep,
empresa biotecnológica sediada em Cantanhede, cuja investigação se baseia no
desenvolvimento de vacinas contra as infeções causadas pelas superbactérias,
que resistem aos antibióticos.
A
equipa de Bruno começou a desenvolver uma vacina em maio de 2020, e depois dos
ensaios pré-clínicos realizados com animais (ratos) terem os resultados
esperados, estão na fase de reunir com as entidades reguladoras europeias a fim
de avançar com o plano dos ensaios clínicos com humanos, na segunda metade do
ano. Esta será uma vacina diferente das que já circulam no mercado. Não se
baseia apenas numa proteína, mas no vírus SARS-CoV-2 completo inativado e numa
substância à base de ácidos nucleicos que estimula o sistema imunitário,
tornando-a, assim, mais abrangente que as atuais e mais resistente a mutações.
Também a forma de administração será intranasal, para concentrar tudo nos
pulmões, região mais afetada pelo vírus.
Ao
Contacto, Bruno diz que estar confiante no sucesso da vacina e garante que, num
momento como este e apesar da concorrência, todas as vacinas são bem-vindas.
A pouco tempo de iniciar os ensaios clínicos, podemos
afirmar que vai mesmo existir uma vacina portuguesa?
Todo
o trabalho que fizemos dá-nos a confiança que vamos conseguir ultrapassar as
barreiras dos ensaios clínicos. Por um lado, tentamos sempre pensar em
formulações que já foram testadas, que não são um risco novo, para não termos
surpresas. Do que é o nosso conhecimento científico, diria que o calendário que
temos é realista. Neste momento, o nosso foco é mesmo garantir o financiamento
necessário para todas as etapas.
Tiveram bons resultados em pouco tempo. A pandemia
fechou-nos em casa em março e, em maio, estavam já no laboratório à procura de
soluções.
Tínhamos
urgência. Começamos a trabalhar nas formulações, a estudá-las e a olhar para o
cenário geral, observando também o que começava a ser desenvolvido em todo o
lado. Pensámos o que poderíamos fazer para complementar o que viria para o
mercado e uma das coisas que detetamos logo foi o facto desses estudos terem
conta apenas uma proteína do vírus, e logo uma das que tem uma taxa de mutação
significativa. Olhando para outros vírus, essa mutação já era esperada. Por
isso, usar apenas uma parte do vírus não nos pareceu boa ideia e optamos por
uma vacina que usa o vírus SARS-CoV-2 completo inativado.
E o modo de administração também é diferente?
Sim,
fomos por um caminho distinto. Apesar de ser mais fácil ter num pequeno frasco
e administrar via injectável, como fazem as outras vacinas, achamos que existe
vantagem em ser administrada diretamente para os pulmões via intranasal. Todas
as vacinas chinesas seguiram a mesma estratégia, digo, a de pegar no vírus como
um todo e não através de uma única proteína e estão a surgir projetos
americanos que pensam na administração via intranasal, ou seja, a nossa
abordagem não é a única no mercado.
Neste momento, estão em que ponto?
Estamos
na fase dos ensaios pré-clínicos, a testagem com animais (ratos), para
comprovar a segurança e eficácia da vacina, e como tudo isso está a correr de
como planeado - e sabemos que a velocidade é chave - estamos a preparar-nos
para passar para os ensaios clínicos, ou seja, com humanos. Estamos a falar com
as entidades reguladoras, com a indústria que nos vai produzir a vacina, todos
os envolvidos para a meio do ano iniciarmos os ensaios com toda a estrutura
garantida.
Serão realizados em Portugal?
A
ideia é essa. Queremos fazer todos os ensaios clínicos em Portugal e, quando
estiver pronta, a nossa prioridade é Portugal. Sendo possível, o nosso
interesse é administrar as primeiras doses da vacina em Portugal.
Mas, depois, já pensam em outros mercados? Esta acaba por
ser uma procura mundial.
Quando
arrancámos com o estudo, não sabíamos que iria existir uma aquisição à escala
europeia, que é interessante e permite que estejamos já receber algumas vacinas.
Se fosse cada país por si o cenário seria diferente. Mesmo assim, queremos
contribuir para este esforço dentro do país. Para além disso, queremos olhar
também para os parceiros comerciais portugueses, os países de expressão
portuguesa. Terão necessidades, como já se vê, e nós poderemos ajudar a
colmatar essa falta. A pandemia não vai desaparecer enquanto não for erradicada
em todo o mundo, temos de ter essa noção. Não adianta vacinar 70% da população
e achar que já está. As pessoas viajam, espalham o vírus, os outros 30% estão
em risco. Não há outra hipótese se não avançar para vacinação à escala mundial
o quanto antes se queremos voltar a circular. A nossa vacina vai contribuir
para esse esforço e não temos dúvida de quanto mais, melhor!
Já estão a falar com as entidades governamentais?
O
Governo abriu um concurso para projetos o ano passado, o Portugal 2020,
candidatamo-nos e tivemos esse apoio. Nesta fase, já pensamos que seria
necessário um apoio maior que permita pensar numa estratégia mais abrangente,
afinal é um valor acrescentado ter uma empresa portuguesa no mercado de
vacinas. Já sabíamos que a área da biotecnologia está ligada também às relações
geopolíticas e esta pandemia veio provar-nos isso mesmo. Isto parou o mundo,
parou todas as economias. Quem tem conhecimentos adicionais na área, está em
vantagem, sabemos disso.
Se for aprovada no início do próximo ano, onde seria
produzida?
O
ideal seria ser produzida aqui. Ainda não temos essa capacidade de produção,
sabemos disso, mas podemos usar parte dos fundos que nos chegam para isso, por
exemplo. De qualquer forma, temos já um parceiro no Canadá que assegura a
produção. Mas esse mesmo parceiro já demonstrou interesse em desenvolver uma
unidade produtiva em Portugal.
Há países (incluindo Portugal) a travar a aplicação da
vacina AstraZeneca a maiores de 65 anos por falta de dados suficientes. Também
já conhecemos outras mutações mais contagiosas do Sars-Cov-2, que se tornaram
dominantes, como a britânica e sul-africana. Existe a possibilidade de se tomar
a vacina contra a covid-19 e esta deixar de fazer efeito?
No
momento em que a vacina é aprovada, só o é porque há dados que provam que ela
funciona. Em relação às mutações, sim, podem surgir mutações do vírus e uma
vacina pode deixar de ser eficaz para novas mutações, uma vez que é aprovada
por aquilo que é o vírus no momento. Ou seja, pode acontecer as pessoas que
foram vacinadas, terem de tomar uma outra vacina como a nossa, que permite
proteção das novas mutações. Uma segunda vacina mais abrangente. Não apostamos
na velocidade mas na proteção duradoura. Mas é importante referir que, se
compararmos com o vírus da gripe, que muda radicalmente de ano para ano, este vírus
muda bastante menos, é um vírus que apresenta maior estabilidade, o que acaba
por ser uma sorte para nós, dentro de todo o cenário.
Corrida às vacinas
Como vê os atrasos e confusões nos processos de entrega
das vacinas?
Era
um cenário espectável. As primeiras vacinas que foram distribuídas, as da
Pzifer, são vacinas distribuídas em larga escala pela primeira vez. Nunca este
tipo de vacina foi produzido com esta dimensão, por isso, é natural que o
processo produtivo não esteja afinado e era normal que acontecessem atrasos.
E a procura também é muito urgente.
Exato.
Quando foram feitas as encomendas por parte dos países, se calhar encomendaram
três a quatro vezes aquilo que precisavam. Toda a gente quer as vacinas para
ontem e não há capacidade de entrega a esse nível. Primeiro, não existiam
sequer instalações para este tipo de vacinas e foram construídas agora, está
tudo a arrancar.
Os prazos dos planos de vacinação são realistas?
Não,
pelo contrário, são demasiado otimistas. Não sou eu que digo, vários
especialistas já disseram que facilmente podem estender-se até 2024. Nos
Estados Unidos, Europa, Reino Unido...na Europa ainda mais porque acabamos por
não ter “vacina própria”. A BioNTech está com a Pfizer mas a distribuição está
a ser privilegiada para os EUA, a AstraZeneca dá prioridade ao Reino Unido e
nós não temos essa vantagem. Houve uma aposta inicial. A vacina da Sanofi, uma
colaboração francesa e britânica, poderia ter sido a ‘vacina europeia’ e teríamos
um controlo maior sobre o que chegaria a cada país mas, infelizmente, não
correu muito bem. Não estou à espera que se consiga cumprir esses planos. Ana
Cardoso – Luxemburgo in “Contacto”
Sem comentários:
Enviar um comentário