Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Portugal - Vacina portuguesa pode ser aprovada no próximo ano

Portugal também está na corrida às vacinas. Numa altura em que há atrasos na entrega de vacinas e atrasos dos planos de vacinação, uma empresa do norte está confiante que o país terá vacina própria aprovada no início do próximo ano


Bruno Santos é o CEO da Immunethep, empresa biotecnológica sediada em Cantanhede, cuja investigação se baseia no desenvolvimento de vacinas contra as infeções causadas pelas superbactérias, que resistem aos antibióticos.

A equipa de Bruno começou a desenvolver uma vacina em maio de 2020, e depois dos ensaios pré-clínicos realizados com animais (ratos) terem os resultados esperados, estão na fase de reunir com as entidades reguladoras europeias a fim de avançar com o plano dos ensaios clínicos com humanos, na segunda metade do ano. Esta será uma vacina diferente das que já circulam no mercado. Não se baseia apenas numa proteína, mas no vírus SARS-CoV-2 completo inativado e numa substância à base de ácidos nucleicos que estimula o sistema imunitário, tornando-a, assim, mais abrangente que as atuais e mais resistente a mutações. Também a forma de administração será intranasal, para concentrar tudo nos pulmões, região mais afetada pelo vírus.

Ao Contacto, Bruno diz que estar confiante no sucesso da vacina e garante que, num momento como este e apesar da concorrência, todas as vacinas são bem-vindas.

A pouco tempo de iniciar os ensaios clínicos, podemos afirmar que vai mesmo existir uma vacina portuguesa?

Todo o trabalho que fizemos dá-nos a confiança que vamos conseguir ultrapassar as barreiras dos ensaios clínicos. Por um lado, tentamos sempre pensar em formulações que já foram testadas, que não são um risco novo, para não termos surpresas. Do que é o nosso conhecimento científico, diria que o calendário que temos é realista. Neste momento, o nosso foco é mesmo garantir o financiamento necessário para todas as etapas.

Tiveram bons resultados em pouco tempo. A pandemia fechou-nos em casa em março e, em maio, estavam já no laboratório à procura de soluções.

Tínhamos urgência. Começamos a trabalhar nas formulações, a estudá-las e a olhar para o cenário geral, observando também o que começava a ser desenvolvido em todo o lado. Pensámos o que poderíamos fazer para complementar o que viria para o mercado e uma das coisas que detetamos logo foi o facto desses estudos terem conta apenas uma proteína do vírus, e logo uma das que tem uma taxa de mutação significativa. Olhando para outros vírus, essa mutação já era esperada. Por isso, usar apenas uma parte do vírus não nos pareceu boa ideia e optamos por uma vacina que usa o vírus SARS-CoV-2 completo inativado.

E o modo de administração também é diferente?

Sim, fomos por um caminho distinto. Apesar de ser mais fácil ter num pequeno frasco e administrar via injectável, como fazem as outras vacinas, achamos que existe vantagem em ser administrada diretamente para os pulmões via intranasal. Todas as vacinas chinesas seguiram a mesma estratégia, digo, a de pegar no vírus como um todo e não através de uma única proteína e estão a surgir projetos americanos que pensam na administração via intranasal, ou seja, a nossa abordagem não é a única no mercado.

Neste momento, estão em que ponto?

Estamos na fase dos ensaios pré-clínicos, a testagem com animais (ratos), para comprovar a segurança e eficácia da vacina, e como tudo isso está a correr de como planeado - e sabemos que a velocidade é chave - estamos a preparar-nos para passar para os ensaios clínicos, ou seja, com humanos. Estamos a falar com as entidades reguladoras, com a indústria que nos vai produzir a vacina, todos os envolvidos para a meio do ano iniciarmos os ensaios com toda a estrutura garantida.

Serão realizados em Portugal?

A ideia é essa. Queremos fazer todos os ensaios clínicos em Portugal e, quando estiver pronta, a nossa prioridade é Portugal. Sendo possível, o nosso interesse é administrar as primeiras doses da vacina em Portugal.

Mas, depois, já pensam em outros mercados? Esta acaba por ser uma procura mundial.

Quando arrancámos com o estudo, não sabíamos que iria existir uma aquisição à escala europeia, que é interessante e permite que estejamos já receber algumas vacinas. Se fosse cada país por si o cenário seria diferente. Mesmo assim, queremos contribuir para este esforço dentro do país. Para além disso, queremos olhar também para os parceiros comerciais portugueses, os países de expressão portuguesa. Terão necessidades, como já se vê, e nós poderemos ajudar a colmatar essa falta. A pandemia não vai desaparecer enquanto não for erradicada em todo o mundo, temos de ter essa noção. Não adianta vacinar 70% da população e achar que já está. As pessoas viajam, espalham o vírus, os outros 30% estão em risco. Não há outra hipótese se não avançar para vacinação à escala mundial o quanto antes se queremos voltar a circular. A nossa vacina vai contribuir para esse esforço e não temos dúvida de quanto mais, melhor!

Já estão a falar com as entidades governamentais?

O Governo abriu um concurso para projetos o ano passado, o Portugal 2020, candidatamo-nos e tivemos esse apoio. Nesta fase, já pensamos que seria necessário um apoio maior que permita pensar numa estratégia mais abrangente, afinal é um valor acrescentado ter uma empresa portuguesa no mercado de vacinas. Já sabíamos que a área da biotecnologia está ligada também às relações geopolíticas e esta pandemia veio provar-nos isso mesmo. Isto parou o mundo, parou todas as economias. Quem tem conhecimentos adicionais na área, está em vantagem, sabemos disso.

Se for aprovada no início do próximo ano, onde seria produzida?

O ideal seria ser produzida aqui. Ainda não temos essa capacidade de produção, sabemos disso, mas podemos usar parte dos fundos que nos chegam para isso, por exemplo. De qualquer forma, temos já um parceiro no Canadá que assegura a produção. Mas esse mesmo parceiro já demonstrou interesse em desenvolver uma unidade produtiva em Portugal.

Há países (incluindo Portugal) a travar a aplicação da vacina AstraZeneca a maiores de 65 anos por falta de dados suficientes. Também já conhecemos outras mutações mais contagiosas do Sars-Cov-2, que se tornaram dominantes, como a britânica e sul-africana. Existe a possibilidade de se tomar a vacina contra a covid-19 e esta deixar de fazer efeito?

No momento em que a vacina é aprovada, só o é porque há dados que provam que ela funciona. Em relação às mutações, sim, podem surgir mutações do vírus e uma vacina pode deixar de ser eficaz para novas mutações, uma vez que é aprovada por aquilo que é o vírus no momento. Ou seja, pode acontecer as pessoas que foram vacinadas, terem de tomar uma outra vacina como a nossa, que permite proteção das novas mutações. Uma segunda vacina mais abrangente. Não apostamos na velocidade mas na proteção duradoura. Mas é importante referir que, se compararmos com o vírus da gripe, que muda radicalmente de ano para ano, este vírus muda bastante menos, é um vírus que apresenta maior estabilidade, o que acaba por ser uma sorte para nós, dentro de todo o cenário.

Corrida às vacinas

Como vê os atrasos e confusões nos processos de entrega das vacinas?

Era um cenário espectável. As primeiras vacinas que foram distribuídas, as da Pzifer, são vacinas distribuídas em larga escala pela primeira vez. Nunca este tipo de vacina foi produzido com esta dimensão, por isso, é natural que o processo produtivo não esteja afinado e era normal que acontecessem atrasos.

E a procura também é muito urgente.

Exato. Quando foram feitas as encomendas por parte dos países, se calhar encomendaram três a quatro vezes aquilo que precisavam. Toda a gente quer as vacinas para ontem e não há capacidade de entrega a esse nível. Primeiro, não existiam sequer instalações para este tipo de vacinas e foram construídas agora, está tudo a arrancar.

Os prazos dos planos de vacinação são realistas?

Não, pelo contrário, são demasiado otimistas. Não sou eu que digo, vários especialistas já disseram que facilmente podem estender-se até 2024. Nos Estados Unidos, Europa, Reino Unido...na Europa ainda mais porque acabamos por não ter “vacina própria”. A BioNTech está com a Pfizer mas a distribuição está a ser privilegiada para os EUA, a AstraZeneca dá prioridade ao Reino Unido e nós não temos essa vantagem. Houve uma aposta inicial. A vacina da Sanofi, uma colaboração francesa e britânica, poderia ter sido a ‘vacina europeia’ e teríamos um controlo maior sobre o que chegaria a cada país mas, infelizmente, não correu muito bem. Não estou à espera que se consiga cumprir esses planos. Ana Cardoso – Luxemburgo in “Contacto”  


 

Sem comentários:

Enviar um comentário