Depois de inúmeros testes Covid-19 e quarentena de dez dias, duas lideranças indígenas do Pará participaram no Vaticano de um encontro com o Papa Francisco
Nessa
semana, o Papa Francisco recebeu na antessala da Sala Paulo VI uma delegação do
Movimento Laudato Si (até julho chamado Movimento Católico Global pelo Clima),
que tem o foco de suas atividades na ecologia integral, mas também o
compromisso internacional sobre o cuidado com a Casa Comum.
Duas
lideranças indígenas do Pará presentes no encontro – Cacique Dadá Borari e
Poraborari, da terra indígena Maró, município de Santarém, oeste do Pará –
contaram que o Papa Francisco dançou o Surara – e na conversa deu a eles “uma
esperança muito boa”, conforme entrevista da Vatican News.
As
lideranças acompanham a movimentação em torno da votação do marco temporal pelo
STF nesta quinta-feira, mas também falaram sobre os inúmeros testes realizados
antes de chegar na Itália – incluindo a quarentena de 10 dias – e ao final
exortaram todos a usar máscara, álcool gel, e ter cuidado consigo mesmo e com
os outros.
Como foi o encontro com o Papa Francisco na manhã de
hoje?
O
encontro foi um encontro muito bom, por conta que o Papa nos recebeu com todo
carinho, com toda essa pessoa que ele é, foi sensível, sensibilizou a luta
indígena nossa no Brasil, principalmente lá do Baixo Tapajós, e ele nos
garantiu que é possível a gente construir uma agenda, aonde a gente possa
discutir exatamente esse grande problema que hoje ocorre no Brasil, que é
possível a gente fazer aliança, que essa aliança seja feita entre nós do
Brasil, a população indígena, e a liderança que ele é hoje aqui no Vaticano.
Então ele deu uma esperança muito boa para gente, que a gente vai construir uma
torre de liderança, que essa torre de liderança possa discutir exatamente esses
grandes empreendimentos que ocorrem no Brasil.
Teve uma dança e um grito especial durante o encontro?
Foi
muito legal, por conta que nós dançamos o Surara e o Papa Francisco entrou na
roda com a gente, segurou na minha mão, e a gente conseguiu dançar o Surara,
que nada mais é do que esse tom aqui… [canto indígena]. O Surara significa
‘somos guerreiros, eu sou guerreiro’ (…) significa que o Papa Francisco é um
guerreiro forte aqui no Vaticano. Esse é o significado. E tem o grito ‘Surara!’,
somos fortes.
Vai ser votado no STF o marco temporal. Como vocês estão
acompanhando a mobilização em torno da votação, que teve inclusive o apoio
nesses dias da CNBB, da REPAM, da CRB….
Estamos
acompanhando, estamos bastante preocupados, porque está sendo discutido o
futuro dos territórios indígenas, o futuro dos povos indígenas, porque se o STF
referenda o marco temporal, significa dizer na prática de que todos os
territórios indígenas, eles acabam sendo atribuído, criada regra geral para ter
direito à demarcação de terra, os povos que estavam sob posse em 5 de outubro
de 1988, quando foi promulgada a Constituição, o Brasil é signatário. E com
isso é muito prejudicial por conta que a nossa história não começa em 88, nós
estamos ocupando o Estado brasileiro muito antes da constituição do Estado
brasileiro, nós já estávamos ali ocupando aqueles territórios. Então o STF
precisa reconhecer a presença indígena no Brasil, precisa reconhecer os povos
indígenas como pertencentes daquele território, o direito dos povos indígenas é
um direito signatário, originário, e que o STF precisa referendar. E mais, a
própria tese do marco temporal ela é inconstitucional. Vários juristas do
Brasil já fizeram seus artigos de apoio, apontando a inconstitucionalidade da
tese do marco temporal, há dois dias atrás, a ONU lançou um relatório também
afirmando ndo e ponderando que o STF precisa julgar pela inconstitucionalidade
da tese do marco temporal, porque a ONU também entende de que o marco temporal
é uma tese inconstitucional para os povos indígenas no Brasil.
Como vocês veem o apoio da Igreja Católica à causa
indígena?
A
Igreja Católica tem sua importância no mundo, tem suas influências no mundo, e
no momento em que o cacique recebe um convite para se encontrar com Papa
Francisco, onde o Papa Francisco assume o compromisso em criar uma aliança pela
defesa e a manutenção dos direitos originários dos povos indígenas, dos povos
tradicionais, isso é muito importante porque a Igreja nada mais, nada menos, do
que está reconhecendo o seu papel social, não só o papel religioso mas seu
papel social para com os povos, que há muito tempo foram dizimados e
invisibilizados.
Nós estamos vivendo este período de pandemia. Como foi
para chegar à Itália para este encontro no Vaticano e como está a situação da
Covid em sua aldeia.
Desde
que a gente saiu da aldeia, aí chegamos na Cidade de Santarém, a gente teve que
fazer exame de Covid, fizemos exames em São Paulo, aí depois fizemos quando
chegou aqui na Itália, e todos os exames foram negativos, e quando eu cheguei
aqui na Itália a gente teve que ir para a quarentena de 10 dias. Após a
quarentena a gente voltou a fazer exame de novo, testou negativo e para entrar
aqui no Vaticano também tivemos que fazer o exame, graças a Deus deu tudo
certo, deu tudo negativo.
Nesse
momento de pandemia na aldeia, a gente está seguindo as nossas próprias regras
culturais, e a gente teve um grande problema que por conta… no início nós
tivemos 40 pessoas na aldeia que foram vítimas da Covid, mas daí temos uma
grande que é que a minha mãe, Edite Alves de Souza o nome dela, e ela com outro
pajé, andaram fazendo os remédios caseiro e graças a Deus nenhum indígena
precisou ir para o hospital de Santarém, para que recebesse intubação, graças a
Deus ninguém veio [foi] e a gente só tratou, a mamãe, só tratou lá com os
remédios caseiros que tem no próprio território. Então a sabedoria ancestral,
voltada à medicina tradicional, ela foi positiva e graças a Deus todo mundo
ficou bom, não deixou sequelas em ninguém e hoje a gente tá feliz, porque temos
nossos saberes culturais que não deixa de somar com os saberes científicos. Mas
a gente como a gente exige respeito da sociedade, nós também respeitamos a
sociedade. Aí é por isso que eu concordei em fazer essa quarentena de 10 dias e
a gente cumpriu a quarentena tudo na paz, tudo deu certo, espero sucesso a todo
mundo, mesmo lá do meu país e aqui do país Vaticano e peço a todos, por favor:
“Você que tá ouvindo neste momento, use máscara, use álcool gel e tenha cuidado
que o que está em jogo não é a vida dos outros, mas é a nossa própria vida, a
minha, a sua, a de todo mundo, vamos se cuidar.”
Reserva indígena
As
reservas indígenas, com apenas 1,6% de toda a desflorestação sofrida pelo
Brasil nos últimos 36 anos, são as áreas mais preservadas do país, segundo um
estudo elaborado pela organização MapBiomas, divulgado pela Lusa.
De
acordo com essa plataforma que reúne universidades, organizações
não-governamentais e empresas de tecnologia, e que fez o estudo com a ajuda de
imagens de satélite e inteligência artificial, entre 1985 e 2020 o Brasil
desflorestou cerca de 820 mil quilômetros quadrados de cobertura vegetal, quase
9,64% do seu território e uma área equivalente ao dobro do tamanho do Paraguai.
Mas,
de toda essa área perdida, apenas 13120 quilômetros quadrados, o equivalente a
1,6% do total, estavam em reservas indígenas já delimitadas ou que aguardam
demarcação.
Essa
pequena percentagem demonstra a capacidade de preservação ambiental das
populações indígenas, cujos 488 territórios demarcados, segundo dados do
Governo, ocupam 12% dos 8,6 milhões de quilômetros quadrados do país.
“A
maior parte das terras indígenas preservou as suas características originais em
36 anos, o que comprova o valioso serviço ambiental que essas comunidades
prestam ao Brasil”, afirmou, em comunicado, a MapBiomas, iniciativa que conta
com o apoio tecnológico da Google e tem entre os seus associados organizações
ambientais internacionais, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e Conservación
Internacional. In “Mundo Lusíada” - Brasil
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