Poeta faz da
evocação da mãe que não teve a música inominável de sua poesia
I
Em
poucos poetas antigos ou modernos brasileiros (para não se dizer nenhum), a
evocação da mãe é tão presente e tão luminosa como em Adalberto de Queiroz
(1955), que foi educado como órfão em abrigo de Anápolis, no interior de Goiás,
de onde saiu só em 1973 para cursar Física na Universidade Federal de Goiás
(UFG). Poeta, jornalista e ensaísta, Queiroz, em 2021, lançou a segunda edição,
revista e repensada, de Cadernos de Sizenando, publicado em 2014, livro
de poemas que “saem da angústia para o enfrentamento da realidade”, como
definiu no prefácio o escritor Iúri Rincon Godinho, membro da Academia Goiana
de Letras.
Godinho
explica que, a pedido do autor, para a segunda edição da obra, retirou os
textos em prosa poética da primeira, deixando apenas os poemas, garantindo que
o material que ficou de fora “merece outro livro”. Tanto os textos em prosa
poética quanto os poemas haviam sido publicados inicialmente em um blog (www.betoqueiroz.com)
que Adalberto de Queiroz ainda mantém na internet. Como diz Godinho com
percuciência, se ele, como editor do texto, tivesse tirado também todos os
poemas e deixasse apenas aquele que tem por título “É a Mãe” o livro já valeria
a pena ser lido. Para que o leitor não deixe de adquirir um volume para
conhecê-lo por inteiro, segue apenas um excerto desse extenso poema que traz
reflexos do drama que o poeta viveu por ter sido um pobre órfão:
“(...) O poeta pobrecito procura
mãe. / Mãe, pronuncio o teu nome / Como outros diriam / Ausência! / Mãe,
pronuncio teu nome / Como outros diriam / Melancolia... / Ou como o menino
Marcel / e seu “único consolo era / que a mamãe viria beijar-me na cama” / Ah,
este beijo antigo / concessão jamais fará / senão papel / de um grand cannyon /
sobrevoado. / Com a mãe / sonha que está / Zangada... / ou ocupada com seus
convidados. Então o poeta maduro / escreve à mãe. / – Eu te encontro em outras
mães, em tias-avós, avós mães, amigas mães (...) Sem jamais dizer: / – Mamãe. /
(...) E continua recitando seu nome: Mãe / Maman, Mom, Mother, Mutter, Madre
(...) / quantos mais vier. – doces nomes em emes em colos / em beijos, regaços
e seios / na imagem do anjo: Mammi...”.
O
amor de mãe – da mãe que o poeta não teve e pela qual sempre suspirou – está
também marcado num poema em que evoca o que seria o sentimento maternal de uma
ave. É o que se lê na parte final de um poema sem título: “Havia um quintal
da casa antiga concebida: / A Graça de Deus vista no amor de uma galinha / Seus
pintinhos em torno de dia, dia a dia... / Tão frágeis, tão ingênuos, a correr,
a correr / E sua mãe sempre achando / O que lhes dar de comer...”
II
Já
em “Souvenirs”, a evocação é de um lugar perdido no passado, a praça de uma
cidade do interior de Goiás, quem sabe Anápolis, onde o poeta passou a infância
deserdada. Nesse poema, sente-se a música inominável da poesia que traz de
volta as lembranças de vozes de amigos e o silêncio das coisas. Leia-se o
poema:
“Era uma vez uma praça / No
interior Goyaz / Onde eu ouvia vozes: / de poetas e anjos mais. / De tantas
coisas perdidas / Que o passado leva traz, / Ei-los de volta aqui agora, /
Carregando a primeira, / Numa praça de Goiás. / Cinquenta anos depois, / Salta
a mesma erosão da alma / A mesma coda sentimental / Que búzio antigo faz soar.
/ O caderno perdido, só a voz / do passado pode salvar. / Com o som de outras
sombras / Vozes de anjos, poetas, amigos – anjos, videntes e magos. / Sopram
(na estrada) a rima certa. / Das gavetas do passado / A harmônica faz soar: /
“Esperança Estrela-d´Alva, / Flor de Bosque / Bom Ninar...” / Em busca da nota
/ desafinada: / esse trino, meu trinado é / de tropeiro do ar. / – Onde o
mar? / – Onde o engenho de suas terras
herdadas? / Quando o vento de nossas memórias
/ Silencia tantas vozes a rimar”.
Há
nos poemas de Adalberto de Queiroz também a presença cada vez mais grave da
melancolia, aquele sentimento de perda, que se pode constatar nos versos
pungentes de “Prece ao anjo-mago Manuel” em que faz uma evocação dos poetas
Manuel Bandeira (1866-1968) e Mário Quintana (1906-1994):
“(...) Nós, meninos que não queremos / Morrer, nós,
errantes, uns sós. Diga, seo Manuel, o Bandeira / Donde e como Poesia de sua
Vida Inteira / Estrela a apontar-nos o Norte / Poderia inundar-nos a vida
d´agora. / E acabar com a bomba atômica / Que Antônio disse ter vindo / Pra
matar a passarada... / E destruir “o candelabro / de nossa / inutilidade e mais
nada...” / Diga, seo Manuel, ou ao menos / Faça aí no alto uma prece / À Santa
Teresinha do Menino Jesus / Em meu nome e de todos nós – / os poetas menores; /
Que advogados não temos, senão Tu. / E o Quintana, com um sapato florido, /
Passeando na imensidão do paraíso / e mijando nos muros cheios de heras / de nossa
esperança infinita. / Amém”.
III
Depois de
cursar Física na UFG, Adalberto de Queiroz mudou-se para Porto Alegre, onde
concluiu o curso de Comunicação Social na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). Depois, retornou a Goiânia, onde cursou Jornalismo na UFG.
Pós-graduado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de
Janeiro, tornou-se empreendedor de sucesso na área de Tecnologia da Informação,
atividade que exerceu por 26 anos.
Deixando as atividades empresariais em 2014, dedicou-se
integralmente às letras, assinando com o pseudônimo de Beto Queiroz coluna de
ensaios literários na revista digital Recorte Lírico, de Curitiba. É
autor também de Frágil Armação, poesia (1985), Destino Palavra,
poesia (2016), e O Rio Incontornável, poesia (Editora Mondrongo, 2017).
Em 2020, publicou Os Fios da Escrita – ensaios literários
(Itabuna-BA: Editora Mondrongo), excepcional inventário sobre a produção dos
principais poetas católicos do Brasil que veio reparar uma injustiça, pois a
poesia escrita por poetas católicos brasileiros, que tanta repercussão teve nos
anos de 1930 a 1960, nas últimas décadas, havia sido, praticamente, excluída do
alvo da crítica, ainda que continue a ser apreciada por alguns poucos leitores.
Organizou a antologia Literatura Goyaz (2015). No final
da década de 70, participou das antologias Qorpo Insano e Veia
Poética. É membro da Academia Goiana
de Letras, ocupando a cadeira 32. Adelto Gonçalves - Brasil
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Cadernos
de Sizenando, de Adalberto de Queiroz,
segunda edição, com prefácio de Iúri Rincon Godinho. Goiânia, Contato
Comunicação, 96 págs., 2021.
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor
de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999;
Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-latas da Madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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