Desde
que os portugueses começaram a se estabelecer na costa do Brasil, por volta de
1530, até a declaração de independência, em 1822, as vilas e cidades
brasileiras erguidas no período colonial seguiram um mesmo padrão arquitetônico
e urbanístico dentro de suas finalidades, em especial as edificações
residenciais e públicas.
Embora
até hoje seja possível encontrar traços renascentistas, maneiristas, barrocos,
rococós e neoclássicos desse período — a maioria de igrejas construídas entre
os séculos 16 e 19 –, a rigor, a arquitetura colonial brasileira residencial e
pública tiveram pouquíssimas alterações ao longo de 300 anos.
Isso
ocorreu por exigência dos colonizadores portugueses, que sempre optaram por
replicar no Brasil e em outras colônias portuguesas as mesmas soluções
arquitetônicas e urbanas visíveis em Lisboa e em outras cidades da metrópole.
“Essa
uniformização arquitetônica imposta pelos portugueses se deu por meio de uma
legislação comum, que determinava os padrões de construções nas cidades no
Reino e nas conquistas ultramarinas, cuja finalidade era manter o aspecto
português nas vilas erguidas nas colônias”, afirma a historiadora e professora
Beatriz Bueno, livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da
Universidade de São Paulo (USP) e especialista em história da urbanização do
Brasil.
Salvador,
Ouro Preto, Olinda, Diamantina, São Luís, Goiás Velho e Paraty são alguns
exemplos de centros históricos desse período tombados. Só a capital do Maranhão
reúne cerca de 4 mil prédios com arquitetura colonial portuguesa.
As
residências em áreas urbanas eram construídas em lotes retangulares, dispostas
lado a lado, sem recuos laterais e no limite da rua – na era colonial, as ruas
não dispunham de calçamentos ou passeios. Tudo era regulado, como a altura de
portas e janelas, com pé direito comum.
“A
disposição dos cômodos também não variava: na frente, para a rua, geralmente
uma sala (com porta e janela), seguido de alcovas (quartos) na parte
intermediária e uma área na parte de trás para viver, comer e realizar serviços
domésticos”, diz. “Essa área da parte de trás normalmente tinha aberturas para
o fundo, para garantir a iluminação e circulação de ar entre os cômodos, aberta
para o quintal, a chamada varanda, tal como no Solar da Marquesa dos Santos, em
São Paulo – revelada nas aquarelas de Pallière de 1821 -, muitas vezes
guarnecidas com ripados de madeira ou treliças, como nas casas do Piauí
estudadas por Paulo Thedim Barreto”, afirma a historiadora. “Não sabemos em que
medida as varandas existiam em Portugal na parte de trás das casas, com estas
características brasileiras”, acrescenta.
Uma
outra característica marcante da cidade colonial citada pela historiadora é a
mistura. “Não existia o bairro de elite e o bairro pobre, o que mais
diferenciava a casa de uma família abastada de outra mais humilde numa mesma
rua era o sobrado, palavra que significa ‘andar que sobra’; ou seja, os
‘cômodos de cima’”, diz Beatriz. “O andar inferior era usado como depósito e o
‘andar do sobrado’ como morada, com sala na parte frontal, alcovas no meio e a
sala de jantar ou varanda no fundo, tudo sobre piso de assoalho, enquanto no
andar térreo o chão era de terra, frio e úmido”, acrescenta.
Muitas
famílias de posse usavam a parte térrea do sobrado como loja e nas habitações
exclusivamente residenciais o térreo era usado como depósito ou alojamento de
escravizados. “A extensão em altura e largura é o que dava o diferencial de
cabedal”, explica a historiadora.
Não
havia meio-termo — as casas eram urbanas ou rurais, sendo que no campo as
normas de edificações seguiam outros padrões, também elas reguladas por
programas e tipologias edilícias comuns, inspiradas em padrões portugueses
adaptados à colônia.
Como
as casas nas cidades eram coladas, não havia janelas laterais. Tampouco se
concebiam residências urbanas recuadas e com jardim. Só a partir da segunda
metade do século 19, com o desenvolvimento de infraestrutura urbana, com a
cobertura das ruas com paralelepípedos, começaram a surgir a arborização e os
jardins residenciais.
Diferenças
O
padrão urbanístico português comum, usado nas colônias e na metrópole, explica
a famosa frase de séculos atrás, “Quem viu Goa não precisa ver Lisboa” – numa
referência à região da Índia que foi ocupada 400 anos por Portugal. “Com
pequenas diferenças regionais, quem ia a Goa de fato encontrava fortes
semelhanças com Lisboa, Salvador, São Luís, Recife, Olinda ou Ouro Preto”, diz
Beatriz.
Mesmo
assim, ela destaca algumas diferenciações arquitetônicas entre as cidades. “Os
materiais construtivos são distintos em algumas regiões, o que dá uma aparência
e volumetria diferentes”, afirma. Isso é
perceptível até em Portugal, um país pequeno se comparado ao Brasil. “No norte
português, por exemplo, prevalece a pedra, de granito escuro e cantaria
aparente; em Lisboa, na região central, calcário branco; e, no sul, a taipa,
com muita cor nos barrados e punhais”, enumera.
No
Brasil, a maior diferenciação é visível entre cidades litorâneas e do interior.
“No litoral, pedra e cal; no interior, taipa de pilão e taipa de mão; em Goiás,
adobe”, prossegue Beatriz. Segundo ela, Salvador, São Luís e Recife, por
exemplo, utilizam muita pedra e cal nas edificações; em Minas Gerais, a taipa
de mão foi muito usada nas casas, e a taipa de pilão, nas igrejas.
O
uso de azulejos, uma das características da arquitetura portuguesa, ficou
limitado às cidades litorâneas, como Olinda, Salvador, São Luís, Recife, Rio de
Janeiro e Santos, por exemplo. “Isso tem a ver com a umidade, que o azulejo
ajuda a conter” afirma a historiadora. “É comum encontrar azulejos dessa época
na fachada de casas em Lisboa, algo que não se vê no interior do Portugal, como
no Alentejo”, acrescenta. No Brasil, os azulejos também não eram empregados em
larga escala longe da costa talvez por causa da dificuldade de transporte, uma
vez que são frágeis.
De
acordo com a professora da FAU, diferentemente de Portugal, a grande presença
de escravizados e a longa duração do período de escravidão no Brasil também
acabaram impactando as cidades.
“Como
os escravizados traziam água, levavam os dejetos das famílias para locais
indicados para descarte e acendiam lampiões à noite, além de trabalhar na
construção das casas, tivemos um retardamento na melhoria de técnicas de
infraestrutura urbana”, diz. “Só a partir da proibição do tráfico, em 1850,
começam a ter início uma movimentação para criar uma estrutura menos dependente
dessa mão de obra, com sistemas de água e esgoto encanados, iluminação a gás,
etc”, acrescenta.
Os
prédios públicos também guardavam similaridades arquitetônicas na era colonial.
Entre eles as Casas de Câmara e Cadeia, onde eram localizados os órgãos da
administração pública municipal, erguidos na mesma edificação. “A construção
desses prédios públicos também seguia códigos rígidos, com a cadeia no térreo e
a parte administrativa no andar superior; com um pelourinho situado na praça
fronteira, tal como ainda se vê em Mariana e Alcântara, no Maranhão”, diz a
historiadora.
Igrejas Barrocas
A
presença de estilos arquitetônicos desse período colonial (maneiristas,
barrocos, rococós e neoclássicos) ficou concentrado nas igrejas. A transição
entre estes estilos aconteceu de maneira progressiva, ao longo dos séculos.
A
legislação eclesiástica também balizava as construções religiosas, impondo
padrões, especialmente a partir do Concílio de Trento (1545 - 1563). A
diversidade na linguagem estética associava-se aos modismos de cada período.
Matrizes, Sés catedrais, igrejas de irmandades religiosas laicas, mosteiros e
conventos das ordens religiosas (jesuítas, franciscanos, carmelitas e
beneditinos) mobilizaram farto repertório estético, com maior refinamento que a
arquitetura residencial, onde a decoração resumia-se às portadas, às vergas e
sobrevergas, e olhe lá.
Nos
primeiros séculos predomina o classicismo austero, caracterizado por fachadas
compostas de formas mais rígidas, planta retangular e frontispícios coroados
por frontões triangulares. Os exteriores das igrejas eram adornados nas
portadas, cunhais e cornijas, ao passo que os interiores eram ricos em altares,
pinturas e azulejos. A Igreja Matriz de São Cosme e São Damião, (PE), a Igreja
da Graça (PE) e o Mosteiro de São Bento (RJ) são alguns exemplos de obras maneiristas
dos primeiros dois séculos.
A
linguagem estética barroca faz-se perceber em plantas mais onduladas, como por
exemplo na Igreja de N. S. do Rosário dos Homens Pretos, em Ouro Preto, ou em
fachadas bombeadas e portadas mais ornamentadas, concentrando-se
predominantemente no interior das igrejas, em belos retábulos talhados em
madeira e folheados a ouro e com pintura e azulejaria típicas da arte de
Portugal. A maiorias das obras pode ser vista em cidades históricas como Ouro
Preto, Tiradentes, Olinda, Salvador, São Luís do Maranhão, Diamantina, Recife,
Rio de Janeiro, Mariana e Paraty.
“Em
Minas Gerais, além do barroco, a delicadeza do rococó foi muito explorada por
Aleijadinho nas igrejas de Ouro Preto, como a da Ordem Terceira de São
Francisco, por exemplo”, diz Beatriz. “Em Salvador, o barroco é mais duro e
pesado, como se pode conferir na Igreja da Conceição da Praia, que foi
construída com pedra de lioz importada de Lisboa”, acrescenta.
Segundo
a historiadora, mesmo com as variações introduzidas pela arquitetura religiosa,
a herança colonial portuguesa se manteve intacta. “A manutenção por tanto tempo
do padrão urbanístico português nas cidades brasileiras, com pequenas
diferenças regionais, é algo fantástico”, finaliza a historiadora e professora
da FAU Beatriz Bueno. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “Agenda Bonifácio”
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