Há
dias passei pela Avenida 5 de Outubro, 115, sede da Delegação Económica e
Comercial de Macau, antiga Missão de Macau em Lisboa. Surgiu-me de repente na
mente a imagem antiga de uma fila longa que contornava a esquina com a
Pastelaria Tim-Tim, logo de manhã cedo. Eram as pessoas que estavam à espera da
abertura da Instituição às 9h, para a inscrição no Curso de Chinês. A cena
repetiu-se anualmente, durante muitos anos, à porta da Instituição, pioneira de
ensino de mandarim em Portugal.
Convém
recuarmos um pouco na História. Durante vários séculos da administração
portuguesa em Macau não foram promovidos no território nem o ensino de
português a chineses nem o ensino de chinês a portugueses, situação essa que só
foi alterada quando os dois governos assinaram a Declaração Conjunta sobre a
Questão de Macau. Surgiram então duas enormes ondas de entusiasmo na
aprendizagem de línguas, português pelos chineses de Macau e chinês pelos
habitantes locais em Portugal.
Depois
de ter trabalhado mais de dez anos numa universidade de Xangai e dois anos em
Macau, a lecionar português, vim para Portugal no início dos anos 90, acolhendo
de braços abertos essas duas ondas. Fomos, eu e o meu marido, Lu Yanbin,
convidados pela Missão, primeiro para dar aulas de apoio, em português, aos
bolseiros de Macau inscritos em diversos cursos em Portugal e depois também
aulas de chinês, destinadas aos habitantes locais. Os dois cursos tiveram
grandes sucessos, sendo o de português alargado para toda a comunidade chinesa
em Lisboa e o de chinês, desdobrado no curso da Delegação e no curso do CCCM.
Durante
mais de 30 anos, com os caminhos de Portugal e da China a cruzar-se
continuamente nesta "aldeia global", verificou-se um interesse
crescente de aprendizagem mútua da língua entre os dois povos. Hoje em dia, os
cursos de chinês estão espalhados como cogumelos em todo o território português
e em todos os níveis de ensino. E na China, de norte a sul e de leste a oeste,
existem cerca de 60 universidades que ensinam português com diplomados a
trabalhar entre a China e o mundo lusófono, em contraste com apenas duas licenciaturas,
uma em Pequim e a outra em Xangai, quando comecei a ensinar português em 1977.
Ser
uma pessoa bilingue chinês/português é fantástico! São duas das línguas mais
faladas no mundo e o número dos seus falantes supera um quinto da população
mundial! Por saber falar português, nunca me senti estrangeira desde o primeiro
dia no solo português. "O relacionamento entre os países consiste na
amizade entre os povos e esta consiste na sintonia das suas ideias." A língua
é sem dúvida o instrumento mais eficaz para alcançar essa amizade e sintonia.
Por
isso, num colóquio sobre A língua de Camões, ao responder à pergunta Quem vai
falar português no futuro, intervim: "Serão incluídos, sem dúvida, os
chineses que vão trabalhar com a língua portuguesa e a grande comunidade
chinesa espalhada pelo mundo lusófono." Num outro colóquio sobre o ensino
de mandarim e patuá, defendemos, eu e Lu Yang, meu filho, na nossa intervenção:
Para melhor promover o ensino de chinês em Portugal é primordial formar
docentes locais, com medidas concretas de formação e qualificação, pois não é
qualquer chinês nem qualquer português que tenha estudado chinês que pode
lecionar a língua chinesa.
Tendo
percorrido três décadas, o ensino de chinês em Portugal aplaudirá o 1º Fórum
sobre o Ensino de Chinês como Língua Estrangeira em Portugal, que terá lugar no
CCCM, hoje dia 14 de outubro e amanhã, com transmissão via Zoom.
No
1.º dia será a sessão de abertura, com a exposição Êxitos de Ensino de Chinês
em Portugal. No 2º dia destacam-se as palestras em chinês dos três
especialistas convidados: Prof. Federico Masini, sinólogo, linguista e tradutor
italiano, vice-reitor da Universidade de Roma e vice-presidente de
International Society for Chinese Language Teaching (ISCLT); Juan Alférez,
sinólogo, linguista e tradutor espanhol e Diretor Espanhol do Instituto
Confúcio da Universidade de Granada; e Liu Lening, linguista, diretor do Núcleo
de Estudos Chineses da Universidade de Columbia (EUA) e membro do Conselho
Permanente de ISCLT.
Não
me são estranhos esses três nomes, pois é famosa a fluência com que o italiano
e o espanhol falam chinês. Estou ansiosa por ouvir o Prof. Masini falar sobre o
programa local de ensino de chinês em mais de 80 universidades e 300 escolas
secundárias públicas italianas e respetiva elaboração de manuais de ensino,
para comparar com os nossos livros editados pelo CCCM, ouvir o Prof. Liu falar
sobre métodos de ensino-aprendizagem e o Prof. Alférez sobre o desafio de
ensino de chinês perante a distância entre línguas, escritas e culturas.
Encontram-se hoje tantos chineses e portugueses a lecionar português na China e chinês em Portugal. Espero ver no futuro, entre eles, alguns sinólogos portugueses comparáveis com o Prof. Masini e Prof. Alférez, para honrar o intercâmbio multissecular entre a China e Portugal! A tarefa é dura e o caminho a percorrer é longo. Mas vamos trabalhar duro para alcançar a meta! Wang Suoying – Portugal in “Diário de Notícias”
Wang Suoying - Professora
aposentada da Universidade de Aveiro e Presidente da Associação Portuguesa dos
Amigos da Cultura Chinesa
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