Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Suíça - "Nanotecnologia é o remédio do futuro"

A nanotecnologia poderá personalizar os tratamentos médicos e ajudar até na cura do cancro, afirma Cornélia Palivan. A ilustre pesquisadora suíça ressalta os potenciais da tecnologia, mas lembra que muita coisa continuará ficção científica


Ao escutar o prefixo 'nano', alguns podem mais lembrar um filme de ficção científica. No entanto, a nanociência significa simplesmente uma técnica de manipulação de partículas numa escala nanométrica, ou seja, molecular. "Uma tecnologia que deve inspirar mais esperança do que receio", insiste Cornelia Palivan, professora de química na Universidade da Basileia e membro do Instituto Suíço de Nanotecnologia.

Swissinfo: A senhora considera possível imaginar uma realidade como a retratada no nosso conto de ficção científica: nanotecnologia injetada no corpo humano, assumindo o seu controlo e até manipulando pessoas?

Cornelia Palivan: Diria que não. Nós estamos muito longe desse cenário. Os chamados "nanobots" ainda são ficção científica. Seria algo fascinante, mas surreais. Poderia pensar, no máximo, no perigo das nanopartículas de engenharia, que contêm compostos tóxicos ou armas químicas e biológicas potencialmente muito letais desenvolvidas pelos governos. Mas aqui estamos falando de venenos e isso não tem nada a ver com o tamanho. O rótulo 'nano' não define uma boa ou má tecnologia, mas sim identifica uma forma de resolver problemas a nível molecular. Isto pode ser extremamente útil, especialmente na medicina.

SI: Como se desenvolve hoje a nanotecnologia?

C.P.: O meu grupo trabalha na implementação da nanotecnologia em vários campos, indo da medicina, ecologia e até chegamos na ciência de alimentos. Estamos fazendo isso através do desenvolvimento dos chamados "materiais bio-híbridos", que são obtidos pela combinação de biomoléculas - como proteínas e enzimas - com materiais sintéticos em quantidades muito pequenas. São compartimentos (cápsulas muito pequenas) em uma nano- ou microescala que não excedem 100 nanômetros de raio e dentro dos quais encapsulamos, por exemplo, enzimas que agem uma vez que estas cápsulas são absorvidas pelo corpo.

Um dos problemas na medicina é que as biomoléculas contidas nos medicamentos perdem rapidamente a eficácia. Com materiais bio-híbridos, como os nossos nanocompartimentos, é possível manter a plena funcionalidade das proteínas e enzimas e garantir que elas realizem as suas atividades. Além disso, graças a estas "nano cápsulas" sintéticas, as biomoléculas são protegidas e permanecem intactas.

SI: A nano-medicina poderia ser mais eficaz do que os tratamentos atuais?

C.P.: Sim, mas não se trata apenas de uma questão de eficácia. Na medicina, o maior desafio hoje é tornar os medicamentos também mais seguros, reduzindo os efeitos colaterais. Qualquer pessoa pode ir à farmácia e comprar pílulas de cores diferentes para tratar de diferentes doenças. Mas a questão é saber o que elas contêm. A ideia é que o médico do futuro não irá apenas prescrever medicamentos aos seus pacientes, mas também certificar-se de que o medicamento funcione no lugar certo e não seja tóxico para outras partes do corpo. Isto é o que todos esperam quando vão à farmácia. Desse ponto de vista, a nanotecnologia pode ajudar, pois permite que esses portadores sejam "projetados".

Trabalhar com nanotecnologia significa tentar copiar a natureza para entender como uma proteína específica age dentro de uma célula e substituí-la onde for necessário se ela estiver ausente devido a uma doença. Se recorrermos à solução clássica, a introdução de moléculas em pó, como é o caso da maioria das drogas, o risco é que em algumas situações as substâncias não consigam entrar nas células porque são grandes demais para serem aceitas.

Um exemplo bem conhecido são as vacinas baseadas na tecnologia do RNA mensageiro (como a utilizada nas vacinas contra o Covid-19): o ácido ribonucleico ou RNA é incorporado em nanopartículas que atuam como vetores. Estes vetores protegem a molécula e a transportam para onde ela é necessária. Sendo projetadas quimicamente, é mais fácil para estas nanopartículas serem aceitas pelas células.

SI: Existe algum risco associado à nanotecnologia, já que se trata de uma técnica nova?

C.P.: Obviamente os riscos existem. Mas é difícil dizer quais são, pois são necessários vários anos de testes e resultados clínicos antes que possam ser totalmente avaliados. Portanto, é normal que as pessoas façam perguntas. Por exemplo, no caso das vacinas contra o Covid-19, sabemos que elas funcionam bem e conhecemos os efeitos a curto prazo, mas ainda não conhecemos os efeitos a longo prazo porque ninguém teve tempo de estudar em profundidade algo que apareceu há um ano e meio atrás. Portanto, estes riscos a longo prazo têm que ser enfrentados pela ciência.

Mas gostaria de dizer uma coisa muito importante: para serem comercializados, os medicamentos estão sujeitos a anos e anos de pesquisas, estudos e até mesmo testes fracassados. Pode ser um processo muito frustrante porque cada vez que você falha uma etapa, é preciso começar de novo. Mas isto é inevitável, pois o corpo humano é uma máquina muito complexa. Além disso, é importante garantir a segurança do medicamento. Isto também é verdade para a nanotecnologia: por mais promissoras que sejam as soluções criadas, se não conseguirem passar por todas as etapas experimentais são expulsas.

SI: Em que campos a nanotecnologia poderia fazer uma diferença no futuro?

C.P.: Na medicina, certamente no diagnóstico e tratamento do cancro. As nanopartículas são conhecidas como agentes de contraste e podem ser muito úteis para identificar tumores em áreas específicas do corpo ou para monitorizar a direção das células tumorais. Além disso, a nanotecnologia dá um impulso significativo à medicina personalizada e de precisão, essencial no tratamento do cancro. Este é o único futuro possível (para terapias) e neste sentido a nanociência é a única solução, pois permite engendrar a nível molecular todos os tipos de vetores e atacar anticorpos específicos. É por isso que podemos considerar a nanotecnologia a 'medicina' do futuro.

Noutras áreas, a nanociência poderia ajudar a ecologia, resolvendo o grande problema da pureza da água. Graças às nanopartículas contendo proteínas que podem combater os poluentes, a água poderia ser purificada. Estas mesmas partículas também poderiam ser utilizadas na indústria alimentar para detectar mudanças na qualidade e deterioração dos alimentos.

SI: Como serão financiados esses novos medicamentos?

C.P.: É verdade que os custos são altos e certamente não acessíveis, mas ainda não vejo uma solução para este problema. As empresas que desenvolvem as tecnologias têm interesse em manter os preços altos e preservar as patentes o máximo de tempo possível por razões de lucro. Desse ponto de vista, a questão ainda não pode ser resolvida.

SI: Isso significa que no futuro apenas quem tiver recursos suficientes poderá se dar ao luxo de tratar o seu cancro, por exemplo?

C.P.: Infelizmente sim, se os custos de tratamento não caírem. Gostaria de ser mais otimista, mas ainda não vejo como. Seria necessário uma visão política global e uma ação a nível internacional. As iniciativas de países individuais, como a Suíça ou a França, não são suficientes.

SI: A senhora prevê um futuro no qual a nanotecnologia seja capaz de prolongar a vida humana?

C.P.: Algumas experiências estão em andamento, mas é muito difícil. Afinal, o corpo humano é algo maravilhoso e incrivelmente complicado. Além disso, há dois grandes desafios a serem superado: um é estender a vida; a outra, estender a qualidade de vida. Já vimos que, à medida que a idade média aumenta, as doenças neurodegenerativas também estão em ascensão. Deste ponto de vista, viver uma vida saudável por tanto tempo quanto possível é mais importante do que simplesmente viver mais tempo.

Na universidade pesquisamos as chamadas "organelas artificiais". As organelas, como as mitocôndrias, são estruturas celulares fundamentais para a vida. Com nossas organelas artificiais, queremos tentar copiar a natureza, incluindo materiais sintéticos que as tornam mais fortes. Esta tecnologia poderia ser muito promissora no futuro para apoiar os processos que sustentam a vida. Sara Ibrahim – Suíça in “Swissinfo”  



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