A África do Sul começou a mostrar o seu músculo militar
no norte de Moçambique com o primeiro contingente fortemente equipado, em
número de homens e armamento, no quadro das decisões tomadas pela Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral (SADC) para combater o terrorismo
protagonizado pelos radicais islâmicos do al-shabbab que há anos mantêm a
província de Cabo Delgado a ferro e fogo
A
chegada das Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF, na sigla em
inglês), por terra, mar e ar, com perto de 1500 elementos no terreno, é uma
resposta clara aos radicais islâmicos do al-shabbab, mas não só; é também uma
clara demonstração de posição e demarcação de território face à presença, desde
o início de Julho, de um igualmente forte contingente militar, que inclui forças
de polícia, enviadas pelo Presidente Paul Kagame, do Ruanda e que provocou
óbvio mal estar entre os países-membros da SADC.
O
Ruanda, com cerca de mil homens, foi o primeiro país a colocar forças militares
significativas em Cabo Delgado, a província do norte de Moçambique sujeita a
uma tempestade de terror soprada pelo radicalismo islâmico nos últimos anos, e
a evidente irritação na SADC decorre da demonstração de capacidade de
mobilidade das forças ruandesas e da sua notória versatilidade de actuação no
continente africano - já tem forte presença na República Centro-Africana (RCA)
- face à até aqui inércia no interior da comunidade austral que detém dois dos
mais robustos Exércitos africanos - África do Sul e Angola - e por se tratar de
um país geograficamente fora do círculo político austral.
Após
a antecipação de Kigali no envio de apoio a Maputo para combater os radicais
islâmicos, dentro da SADC, ao mesmo tempo que se faziam ouvir vozes críticas da
acção estratégica de Paul Kagame, aqui e ali deixando no ar a ideia de que o
Ruanda correu para Cabo Delgado "a mando" da França que tem ali um
investimento de biliões na exploração de gás natural pela Total, a petrolífera
de referência gaulesa, os países da SADC mais capacitados operacionalmente,
como Angola, apressaram-se a mostrar presença no local, embora a um nível mais
ligeiro, o de conselheiros militares e ou na formação das forças moçambicanas.
Mas
foi a África do Sul, que já ali manteve centenas de elementos da segurança de
empresas civis (mercenários) e cidadãos a trabalhar - pelo menos dois foram mortos
nos ataques à localidade de Palma, em Março deste ano, que deu o passo mais
relevante, agora, com a colocação, como se pode ler numa fundamentada notícia
do jornal sul-africano Mail & Guardian, de uma força militar que envolve
meios aéreos, navais e terrestres, incluindo o navio de guerra SAS Makhanda,
parte estrutural das suas forças especiais no terreno e que vai integrar as
forças navais previstas pela SADC (SAMIM, na sigla em inglês) na costa norte de
Moçambique.
Esta
força sul-africana é maioritariamente constituída por elementos humanos e
equipamento, incluindo dezenas de veículos blindados de combate e de transporte
de tropas da 43ª Brigada, com sede a norte de Pretória, que foram escoltados
por forças moçambicanas entre a fronteira com Moçambique e Cabo Delgado, para
onde foram igualmente meios aéreos, incluindo dois C-130, avões multifacetados
que podem ser utilizados em combate próximo do solo, no transporte de homens e
ainda na deslocação rápida de material militar de vários tipos, e um aparelho
especialmente equipado para vigilância aérea das movimentações dos grupos
armados da al-shabbab no solo.
O Mail
& Guardian revela que os dois C-130 têm estado, nas últimas semanas, a
realizar voos permanentes entre Pretória e Pemba, a capital da província de
Cabo Delgado, transportando equipamento militar, contendo toneladas de
munições, o que revela que se trata de forças objectivamente preparadas para
combater, transmissões, e um número indeterminado de membros das Forças
Especiais da SANDF.
A
par da África do Sul, também o Zimbabué (analistas admitem que possam ser três
centenas de tropas enviadas por Harare) e o Botsuana (300 militares
confirmados) - de fora do continente, Portugal e EUA enviaram grupos de
conselheiros e formadores com o objectivo de treinar as forças moçambicanas em
técnicas de anti-terrorismo - embora com menor peso, destacaram forças
militares de relevo para Cabo Delgado nos últimos dias, tendo estes países
optado, todavia, por não detalhar os objectivos das respectivas missões no
contexto de combate aos grupos armados que operam nesta região moçambicana que
faz fronteira com a Tanzânia.
Cabo
Delgado, recorde-se, começou a ser fustigada por ataques de grupos armados
denominados al-shabbab, que quer dizer em árabe "a juventude", com
maior intensidade, a partir de 2017, coincidindo com o arranque do projecto de
exploração de gás natural do Rovuma, envolvendo a francesa Total e a norte-americana
Anadarko, que, entretanto, perdeu interesse no investimento antes da suspensão
decidida pela Total.
Nos
últimos anos, marcados claramente em densidade violenta pelos ataques de Março
e Abril deste ano, em Palma, uma localidade de 40 mil habitantes, mais de 2 mil
pessoas perderam a vida e dezenas de milhares deixaram as suas casas, muitas
dela destruídas pelo fogo durante ataques a aldeias do al-shabbab.
A
maior parte dos deslocados estão ainda hoje, apesar de muitos terem regressado
às suas aldeias, em campos de acolhimento erguidos à pressa, nas proximidades
de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.
Esta
forte movimentação militar de países da SADC - Angola ainda só deslocou
oficialmente conselheiros militares para Pemba mas estima-se que a presença
angolana possa ser já ou vir a ser substancialmente mais alargada - visa, no
capítulo político, criar condições para a normalização da vida comunitária em
Cabo Delgado, expulsando os radicais da província.
A
par deste objectivo, de rápida normalização da vida no norte de Moçambique,
surge uma clara procura de enviar uma mensagem robusta de que o continente
começa a criar mecanismos de resposta para as investidas dos grupos de radicais
islâmicos, depois de anos a fio a chegar tarde às regiões onde isso foi
evidente, como é o caso do Sahel, especialmente em países como o Mali e o
Burkina Faso, onde estes grupos aparentam ser agora donos e senhores de vastos
territórios.
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