A França está totalmente empenhada em conquistar a linha da frente dos esforços de punição internacional da Rússia no contexto da guerra na Ucrânia e, depois de ameaçar enviar militares para o terreno, procura agora "explodir" as sólidas relações entre Moscovo e Pequim
Após
um longo período, mais de dois anos, em que o Presidente francês, Emmanuel
Macron, era visto como a pomba da paz entre os falcões ocidentais, há menos de
um mês, tudo mudou em Paris e o "galo" francês não parou de tentar
espetar as garras afiadas no dorso do Kremlin.
Alguns
analistas colam esta mudança de estratégia do Palácio do Eliseu ao que se está
a passar na África Ocidental, onde a Rússia ganha terreno geoestratégico e a
França perde influência de forma acelerada, sendo que Moscovo parece ser o
antidoto para o fim de uma era.
E,
depois de "perder" o Mali, o Níger, o Burquina Faso e a
Guiné-Conacri, após golpes militares, a "France Afrique" está prestes
a ver também o Senegal sair do seu "mapa", com a eleição para
Presidente de Bassirou Faye, que já anunciou como objectivo afastar Dacar de
Paris.
Impotente
para travar esta sangria de influência no Sahel, Paris, cada vez mais referido
pelos media internacionais, inclusive franceses, claramente com Moscovo a
emergir como o novo aliado preferencial destes países, virou-se para a Ucrânia na
procura da sua "vingança".
Penas de falcão nas asas da pomba da paz francesa
Há
pouco mais de mês e meio, o Presidente francês iniciou uma surpreende
reviravolta no seu discurso, passando de defensor de um diálogo, firme, mas
diálogo, com Vladimir Putin, para chefe de fila da ideia de enviar tropas da
NATO para a Ucrânia.
Macron
viu esse plano de agudização do discurso ocidental para com Moscovo travado
pela Alemanha, EUA e Polónia, as grandes potências no pódio dos aliados de Kiev
nesta guerra, que recusaram de forma liminar a ideia de enviar forças militares
para o campo de batalha.
Sem
novos trunfos na manga, além de anunciar o envio de mais lotes de material
militar para as forças ucranianas, incluindo novos misseis de médio-longo
alcance Scalp-EG (Storm Shadow) e dezenas de veículos blindados antigos mas
funcionais, Paris encontrou uma nova forma de "ferrar" os russos.
E
isso passa por procurar desvitalizar as relações entre russos e chineses,
embora Pequim e Moscovo as considerem mutuamente indestrutíveis, agora e no
futuro observável, até porque no contexto alargado da geoestratégia do
Indo-Pacífico, são biunivocamente vantajosas e insubstituíveis.
Para
dar início a essa reformulada estratégia de ferir a capacidade global russa, o
Presidente Macron enviou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Stéphane
Séjourné, a Pequim, para se encontrar com o chefe da diplomacia chinesa, Wang
Yi, onde a guerra na Ucrânia foi tema de topo.
Paris quer o impossível de Pequim
Segundo
a France 24, o canal de televisão estatal francês em inglês, o chefe da
diplomacia francesa foi claro ao dizer ao seu homologo chinês que Paris espera
que "a China envie uma mensagem clara à Rússia" que passaria, segundo
Paris, por Moscovo perceber que não pode haver paz sem que esta seja definida
nos termos ucranianos.
Stéphane
Séjourné explicou que essa paz tem de ser negociada com Kiev e que tem de ser
definida de acordo com a "lei Internacional" e nos "termos
ucranianos",
que é como quem diz, a Rússia aceitar sair incondicionalmente de todos os
territórios anexados na Ucrânia, uma condição que Moscovo já disse não estar,
sequer enquanto possibilidade, no lote dos temas negociáveis.
Face
a isto, é facilmente perceptível que Paris procura colocar a China e a
Federação Russa numa rota de colisão, porque é isso que significa exercer
pressão
sobre Pequim para convencer Moscovo a negociar termos sobre os quais já disse
serem impensáveis.
Nos
dois pratos da balança, como Paris está disso consciente, e é esse o seu
"trunfo", está a necessidade estratégica de Pequim manter relações diplomáticas
e comerciais sólidas com o ocidente, sendo a França um dos grandes
"players" europeus e um dos mais abertos a Pequim e menos sensíveis à
impetuosidade sancionatória norte-americana contra o gigante asiático.
Por
outro lado, coisa que Paris também está ciente, a China e a Rússia têm vindo,
anos após ano, e mesmo antes da invasão russa da Ucrânia a 24 de
Fevereiro
de 2022, a consolidar relações que ambos os lados definem como "sólidas
como uma rocha" e "indestrutíveis".
E a razão é simples de perceber:
-
a China é o novo grande parceiro para as exportações da energia russa - gás,
carvão e crude - sancionada pelo ocidente, e grande fornecedor dos bens que
deixou de poder importar da Europa e dos EUA, viaturas, maquinaria diversa e
tecnologia, principalmente.
-
a China tem em suspenso um confronto inevitável, só não se sabe quando, como
todos os analistas sublinham, com os Estados Unidos pela liderança
do
comércio mundial que tem na vasta região do Indo-Pacífico o seu tabuleiro e em
Taiwan a peça mais importante deste xadrez.
E
quando esse confronto chegar, devido à vasta rede de bases militares dos EUA em
torno da costa da China continental, um bloqueio à importação de petróleo e de
alimentos seria devastador para a economia e a sociedade chinesa mas que já não
é assim enquanto a Rússia, que tem continuidade geográfica com a China,
mantiver os oleodutos abertos e a sua vasta produção agrícola disponível para o
amigo chinês.
Como
definiu com clareza o diplomata dos diplomatas, o norte-americano Henry
Kissinger, o "pai" da real politique, entre Estados não há amizade, há
interesses,
e no conjunto dos interesses chineses, Paris espera que possa prevalecer a
ligação comercial da China ao ocidente em detrimento das ligações "sólidas
como uma rocha" à Rússia de Vladimir Putin.
Até
ver, a mestria diplomática de Pequim permitiu manter ambas as portas abertas,
até porque o caudal comercial e investimento ocidental na economia de 1,4 mil
milhões de pessoas da China a isso aconselha.
"Poder de fogo" de Paris
A questão
agora é saber se a França tem suficiente "poder de fogo" para impor a
Pequim um desvio neste padrão de actuação e obrigar a China a sair da
neutralidade que procura evidenciar quanto ao conflito na Ucrânia, opondo-se às
sanções ocidentais a Moscovo.
Ambos
os países caminham sobre uma fina camada de gelo com águas geladas sob os seus
pés, mas a China, devido ao entrelaçado da sua economia com as restantes
economias globais, incluindo a dos EUA, poderá ter mais lastro que Paris para
lidar com as pressões de Emmanuel Macron, que acaba de descobrir que tem um
problema interno de grande complexidade com o gigantesco défice de 5,5% do
Produto Interno Bruto francês.
Face
a este cenário, como vai Pequim responder à exigência do ministro dos Negócios
Estrangeiros francês, que está de visita oficial à China, para que envie
"sinais fortes" a Moscovo sobre a guerra na Ucrânia, especialmente na
questão de negociar a paz nos termos ucranianos, que, recorde-se, o Kremlin já
disse serem "impensáveis".
Stéphane
Séjourné está a apostar as fichas todas nesta visita a Pequim como o demonstram
as suas declarações citadas pelos media franceses, dizendo ao seu homólogo Wang
Yi que Paris está convencida de que não pode haver paz duradoura sem ser nos
termos ucranianos e sob os auspícios da Lei Internacional.
E
colou ainda mais a Chiba a essa saída, a dos termos ucranianos, sublinhando que
para Paris conseguir esse resultado é muito importante manter um diálogo de
grande proximidade com Pequim, que tem um papel fundamental para levar Moscovo
a respeitar a Lei Internacional.
Recorde-se
que Macron caiu nas boas graças de Pequim durante a sua última visita à China,
no ano passado, onde defendeu que a União Europeia não deve seguir o plano dos
Estados Unidos para a China, salientando a importância de os europeus terem o
seu caminho próprio.
Como
vai a diplomacia chinesa lidar com estas duplas forças tectónicas, só se saberá
com o correr do tempo, mas se há algo que o "Império do Meio" já habituou
o mundo é que nada é impossível e os interesses acabam sempre por sobressair
face aos incómodos políticos e éticos.
Teste de fogo
Alias,
esta questão vai ser posta à prova já nas próximas semanas, face à inevitável
ofensiva de grande envergadura que os russos vão lançar, como denotam vários
especialistas militares, incluindo o português major-general Agostinho Costa,
aproveitando a vantagem que estão a conseguir no campo de batalha.
Com
as defesas ucranianas à beira do colapso, principalmente por quebra do fluxo
ilimitado de armas do ocidente, mas igualmente devido à incapacidade de
recrutar para as fileiras das suas forças armadas, a Rússia está por cima nesta
guerra e deverá aproveitar o início do Verão, com a solidificação do terreno,
para avançar de forma decisiva sobre as linhas ucranianas.
E
o argumento para esse avanço já está a ser desenhado, com a acusação directa de
Moscovo a Kiev pelo ataque ao Crocus City Hall, exigindo mesmo ao regime de Volodymyr
Zelensky que entregue à Rússia todos os responsáveis pela organização da
mortandade.
Entre
os nomes que Moscovo quer ver nas suas prisões, está o chefe do serviço de
segurança interna, o SBU, Vasyl Maliuk, que recentemente assumiu publicamente
que a Ucrânia esteve por detrás das mortes na Rússia de elementos próximos do
Kremlin, como Darya Dugin, filha do filósofo e aliado de Putin, Alexander Dugin
ou dos ataques à ponte da Crimeia.
Apesar
da saída a público dos EUA e da França a garantirem que o ataque foi reivindicado,
pelo `estado islâmico", o Kremlin não descola da versão de que foi uma
encomenda de Kiev.
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