Os
ataques do bilionário Elon Musk, dono da rede social Twitter, agora X, ao
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes provocaram uma
crise no Brasil, qualificada nas redes sociais como uma nova tentativa de golpe
do clã Bolsonaro, desta vez apelando a uma intervenção estrangeira. Essa crise
teve repercussão internacional e revelou as dimensões incontroláveis do
canadense-sul-africano, cuja ambição parece a de ser dono do mundo.
Teria
o sul-africano Elon Musk lido demais histórias em quadrinhos, quando
adolescente, a ponto de se julgar agora um super-herói capaz de impor a
liberdade no mundo, ou muito ao contrário, um super-vilão empenhado em impor
sua vontade no mundo das high techs, e de iniciar mesmo a colonização do
nosso sistema planetário e, a seguir, das galáxias?
Faz
algum tempo, lendo nos jornais e revistas o surgimento e as ambições do filho
de Errol Musk, promotor imobiliário que ficou milionário com sua participação
na exploração de minas de esmeraldas na Zâmbia, me veio essa imagem de Musk, o
dono do mundo. Bem no estilo dos comics e seus super-heróis, nos gibis ou
revistas de histórias em quadrinhos, nos tempos já remotos das bancas de
jornais.
Imagino
o jovem vivendo sua infância e juventude nos condomínios fechados com os
afrikaners sul africanos. Seria conivente ou contrário à exploração dos negros
pelo apartheid? Em todo o caso, suas leituras aumentaram seu desejo por
aventuras e foi isso que o levou a se expatriar para o país de sua mãe, o
Canadá, ao terminar o colégio. De lá para os EUA foi um pulo, com a vantagem de
se livrar do serviço militar. A riqueza não impediu seu interesse pelos estudos
e seu currículo é excelente.
Mas,
em 1995, Musk toma consciência do rápido desenvolvimento da internete e deixa
de lado uma bolsa de estudos para um doutorado, em Stanford, nos EUA, sobre
física energética, para lançar sua primeira empresa. Esforçado, interessado em
tudo, ambicioso, isso e mais algumas coisas, Musk era desde criança. Com apenas
12 anos tinha imaginado um vídeo-game ou jogo de tiros, no estilo de Invasores
do espaço, vendido para uma revista especializada em computadores e tecnologia.
Começa
uma série de empreendimentos de sucesso na área de logiciais, computadores,
banco on-line e se lança no setor de mísseis e foguetes com vistas ao
transporte para o planeta Marte, onde sonha em iniciar a colonização e nutre a
ambição de começar viagens espaciais. Seus projetos audaciosos incluem carros
elétricos e inteligência artificial. E sua compra do Twitter, agora X, foi
dentro dessa ambição de interligar o mundo e suas populações. Nessa área
criativa de projetos audaciosos, Musk é imbatível.
Mas,
infelizmente, nobody is perfect - ninguém é perfeito, e Musk, na vida
real, não é nenhum Superman ou Capitain Marvel das revistas em quadrinhos.
Essas personagens míticas, surgidas a partir da Primeira Grande Guerra, numa
fase de depressão e descrença, embora sejam irreais, supriam o desejo ou a
necessidade humana de crer em seres superpoderosos, com atributos antes só
atribuídos a Deus.
Por
falar nisso, esses super-heróis eram de esquerda ou de direita? Fui procurar
uma resposta na imprensa francesa, considerada uma das mais cultas de formação
e das mais independentes. E encontrei dois especialistas - Camille Baurin,
autora de uma tese sobre os super-heróis contemporâneos, e William Blanc, autor
do livro Super-heróis, uma história política!
William
Blanc nos conta terem sido imigrantes judeus os criadores desses super-heróis.
Os criadores de Superman foram os judeus Siegel e Shuster "não para fazer
um super-homem, mas para dizer sobretudo que um dia a humanidade chegará a um
homem melhor, graças à ciência e tecnologia, meio social, meio político e essa
utopia é encarnada no Superman." Por sua vez, para Camille Baurian, o
herói Batman é reacionário, enquanto tem a máscara, mas como Bruce Wayne, tem
uma consciência social mais desenvolvida. "Capitão América que foi
combater os nazistas, antes mesmo dos EUA entrarem em guerra, personifica os
patriotas", mas que patriotas? Donald Trump e seus seguidores?
Porém,
voltando a Elon Musk, talvez a constatação de ser dotado provavelmente de um
alto QI (Quociente de Inteligência), o que lhe dá uma sensação de
autossuficiência e superioridade sobre a maioria, além de possuir uma das
maiores fortunas no planeta, pode lhe dar a sensação de ter sempre razão quando
diz alguma coisa e de ter dificuldade em aceitar ser contrariado ou retorquido.
Mas isso não lhe transforma num super-herói, embora possa querer agir como se
fosse. Aqui é importante lembrar o publicado faz três anos pelo jornal francês
Le Figaro, com base no Washington Post - "Elon Musk, revela que tem o
síndrome de Asperger, uma forma de autismo, declarando: Eu sei muito bem que,
às vezes, eu digo ou publico coisas estranhas, mas essa é a maneira como
trabalha meu cérebro". A revista francesa Le Point completou que Musk
"lamenta que seus dizeres possam ser, às vezes, mal interpretados".
Seria
o caso das críticas feitas por Musk ao ministro Alexandre de Moraes,
repercutidas com as respostas do ministro brasileiro? Não, essas críticas foram
de fundo político e revelam convicção pessoal. E muita gente tomou um susto ao
ver o jornalista Glenn Greenwald concordar com parte das críticas de Musk ao
ministro do STF, numa entrevista no começo da semana no Uol.
Ora,
Greenwald não é de esquerda e, pelo jeito, não percebeu a diferença fundamental
entre a estrutura política judiciária norte-americana, onde Donald Trump,
considerado responsável pela tentativa de golpe do 6 de janeiro no Capitólio e
alvo de diversos processos, pode continuar como candidato à presidência dos
EUA. Mesmo porque Trump, enquanto presidente, colocou na Corte Suprema
norte-americana três ministros conservadores, que lhe são fiéis. Ou seja, os
EUA terão provavelmente a reeleição de um presidente not clean, cuja
provável vitória assusta a União Européia. No caso de obrigatoriedade de
processos antes de decisões de Alexandre de Moraes, como defende Greenwald, os
bolsonaristas e Elon Musk, o Brasil teria vivido um caos antes e depois do 8 de
janeiro, e talvez vivêssemos hoje uma ditadura bolsonarista.
Enfim,
é aceitável o dono de uma high tech, Elon Musk, insatisfeito com
intervenções nas redes sociais do X, ex-Twitter, divulgadoras de fake news,
insultos e ameaças, tentar intervir na política e no judiciário do Brasil,
incitando bolsonaristas a pedirem, no senado, o impeachment do ministro do STF
Alexandre de Moraes? Que poder pensa ter Elon Musk? Elon Musk, considerado pela
revista Jeune Afrique "como o porta-voz da extrema-direita europeia",
definição seguida pela imprensa européia.
Pior
ainda - é aceitável a moção de aplauso e louvor ao empresário Elon Musk, da
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos
Deputados, aceitando e se curvando diante de uma intervenção estrangeira num
órgão de representação política brasileira? é aceitável o Senado debater com o
interventor estrangeiro sobre as medidas adotadas pelo STF? Entre as muitas
reações na imprensa, Reinaldo Azevedo no Uol considerou essas duas decisões
vergonhosas e se reportou ao marechal Pétain na França do governo de Vichy,
invadida e dominada pelo nazismo, como exemplo de sujeição e de vassalagem. Rui
Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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