Temos
lido e ouvido, com uma frequência fatigante e uma intensidade já ensurdecedora
de muitos africanos e brasileiros, já residentes em Portugal, quase todos
oriundos das antigas possessões ultramarinas, ex-colónias portuguesas de
África, e muitos do Brasil inclusive, – independente há mais de 200 anos – a
maldizerem quase que diariamente, o país de acolhimento, porque é racista,
porque é xenófobo, porque tem preconceitos porque os desdenha… Porque os não
convida para lugares a que se sentem capazes, porque, porque, e mais porque, é
que não faltam. Normalmente, estas críticas são de pessoas de mais instrução, aquelas
que podem chegar às rádios, às televisões, em suma, as que têm acesso aos media
portugueses.
Uma
questão muito interessante é o facto de as reivindicações irem até à língua
portuguesa exigindo a Portugal o que não dão, por exemplo, no Brasil, mais especificamente,
nas suas escolas. Ouvimos e lemos brasileiros reclamarem que os seus filhos são
prejudicados por não usarem a norma da variante de português de Portugal
quando, temos por experiência própria, de um familiar muito próximo que, no
Brasil, a intransigência vai até às Universidades. São intransigentes,
repetimos: intransigentes, com a sua norma mesmo – ou sobretudo – para os
estudantes universitários estrangeiros da CPLP. Têm de escrever “econômico” em
vez de “económico”, “polêmico” em vez de “polémico” e por aí adiante; e dizer
(e escrever!) “polonês” em vez de “polaco”, “indenização” em vez de
“indemnização”, “anistia” em vez de “amnistia”, etc. etc. E o mais grave é que
são penalizados em provas estritamente técnicas se não obedecerem as normas
brasileiras.
Antes
de continuar, abrimos um parêntese, pois devemos fazer um esclarecimento:
temos, e sempre tivemos, um grande respeito, pelo verdadeiro emigrante que
trabalha em condições, por vezes, bem duras, por vezes, vítimas de exploração,
fazendo o que o nacional rejeita ou considera indigno, para assim, melhorar a
vida dele e dos seus em terra estrangeira. Ninguém abandona o conforto do
convívio com os seus familiares e amigos e a memória do cantinho da sua
adolescência ou mesmo adultícia se não para o sacrifício da procura de uma vida
melhor. Fechamos o parêntese e voltamos ao tema deste escrito.
Ora
bem, não dizemos que não devam criticar e denunciar o que está incorrecto
sobretudo o racismo e a xenofobia que são, no mínimo, abomináveis. A maneira
como a maior parte o faz para manifestar a sua natural indignação é que é de
uma arrogância e jactância para além da sua generalização abusiva que até
parece que tais fenómenos são exclusivos de Portugal, não existem nos seus
países de origem e que estão a descobri-los e a vivê-los pela primeira vez. É
que é, no mínimo, na maioria das vezes, desrespeitosa, incorrecta e desajustada
a abordagem que fazem. Esquecem-se que o mundo hoje é global e que toda a gente
sabe muito bem o que se passa nos seus países de origem onde o silêncio deles
fora absoluto. De repente descobrem a sua capacidade reivindicativa – o que faz
a democracia! – e transformam-se em activistas – está na moda e já virou modo
de vida, profissão – e assumem-se como os paladinos da liberdade, da democracia
e até da igualdade enquanto nos seus países de origem que deixaram em idade bem
adulta a discriminação racial é, por vezes, de tal forma que, em alguns deles,
há escalões – autênticas castas – de acordo com a proporção da melanina combinada
com a estrutura capilar. E julgam-se logo missionados, enviados por Deus ou
qualquer outra entidade para erradicar o racismo e a xenofobia em Portugal.
Não
parece descabido distinguir entre o racismo e a xenofobia. São normalmente
associados quando de comum o que têm é alguma convergência nas suas motivações
ou causas e o facto de serem ambos discriminação, segregação.
O
racismo que se respalda numa superioridade rácica e cultural e tem como base a
ignorância pura, a gratuitidade, o desconhecimento da ciência e, quando
sistémico reside na protecção de uma classe que se pretende superior, e por via
disto, socialmente dominante o que, normalmente, leva por arrastamento o
económico. É praticado por brancos, por
negros, por amarelos e até por mestiços que, dada a sua génese, até poderiam
estar, como sói dizer-se, sentados no muro… Não é invulgar ouvir-se na maioria
– quase totalidade – dos países africanos um negro dirigir-se a um conterrâneo
caucasiano que não conhece outro país, dizer-lhe: Vai para a tua terra! Ou a um
mestiço: Vai para a terra do teu pai! Como se na mestiçagem a mãe fosse sempre
negra.
A
xenofobia, por sua vez, apoia-se num nacionalismo ou, por vezes, regionalismo,
estreito, mesquinho e redutor que nem sempre se traduz na pretensão de superioridade,
mas na preservação de privilégios e costumes supostamente não legislados ou
considerados por impropriamente legalizados e/ou tradicionais. A este propósito
assistimos a um comentador da TV ter sido qualificado de racista numa
conferência de imprensa, por manifestar o seu desacordo com a naturalização
específica de um brasileiro, por sinal caucasiano como ele, para a sua entrada
para a selecção de futebol. Neste caso, é evidente que não pode ser
classificado de racista… Ele era apenas contra naturalizados independentemente
da cor! Seria, quando muito, um xenófobo, o que não é bem a mesma coisa embora
seja, igualmente, abominável e execrável.
Mas
o que está em causa quando criticam e maldizem é que são rapidamente afectados
de uma memória selectiva e exclusivista, que não os deixa comparar as situações
que vivem no país de acolhimento – Portugal – com as de outros países,
designadamente de onde são originários e que apenas deixaram há tão-somente uns
pares de anos.
Será
que ter-se-ão perguntado quais os países do mundo serão menos “racistas” do que
Portugal? Ter-se-ão perguntado porque não só escolheram viver, como até
pretendem – ou pretenderam afincadamente – ter a nacionalidade de um país que
consideram vincadamente racista e xenófobo? Será apenas um exercício de
masoquismo?
É
bom frisar que nesta pequena reflexão não se incluem os portugueses pretos ou
mestiços, nascidos em Portugal, que não conhecem (viveram em), outros países,
nem outras culturas, sequer as dos seus ascendentes e cujas raízes culturais se
encontram em Portugal que, por esta via, não têm referências externas nem têm
outras “escolhas”. São portugueses de
origem e europeus!
Adiante:
Tudo
isto faz lembrar determinados cidadãos oriundos de países em que a repressão é
máxima e a tolerância religiosa é nula, chegados a Europa, apoiam-se na
democracia e, consequentemente, na liberdade religiosa para fazer
reivindicações deste tipo exigindo inclusive que serviços públicos se adaptem
ao seu modo de estar religioso e a sociedade se molde aos seus valores. Uma
coisa será considerar e respeitar os seus valores e outra bem diferente seria
que a sociedade que os acolheu e de cujos valores passaram também, de certa
forma, a ser deles ou, pelo menos, a serem do seu conhecimento e obrigação de
os respeitar e considerar, para uma integração plena, se submeter aos deles,
invertendo a lógica das situações.
O
que não deixa de ser intrigante é que passados quase 50 anos após a
independência das colónias portuguesas de África é que é exactamente na antiga
potência colonizadora onde se sentem hoje melhor, com melhor qualidade de vida
– dados da estatística da imigração em Portugal registam uma avalanche de
pedidos de vistos e de naturalização – é que mais criticam. Quanto a maldizer o
país deles, nada se ouve desses que se dizem e se gabam de “activistas”. Sabem
que, de outro modo não poderiam lá voltar de férias nem de visita aos amigos e
familiares. Enfim, um procedimento que não se pode propriamente classificar de
digno ou de corajoso!...
Ou,
tratar-se-á de um estranho e bizarro fenómeno de não “descolonização da mente”
ou de não “reafricanização dos espíritos” do antigo colonizado? Ou será que,
por esta via, não se sentem propriamente estrangeiros e julgam que ainda estão
no “Portugal de Minho a Timor”, mas desta feita em democracia plena ou, o que
será quase o mesmo, no “Imenso Portugal” de Chico Buarque?
Convenhamos
que nesta matéria de racismo e xenofobia, devemos todos ser activistas não só
em Portugal, mas onde quer estejamos! É que o activismo não pode ser uma
profissão nem uma actividade em “part-time” ou de pura promoção do
estatuto intelectual.
Sim,
porque alguns, mal chegam a Portugal, transfiguram-se em assanhados e
proeminentes activistas, em profissionais de reivindicações, e logo ao
desembarcar, já vão pensando na pichagem e no derrube de estátuas e de
monumentos que, dizem, lhes lembra o colonialismo que não conheceram e a
escravatura da qual se esquecem selectivamente dos 13 – treze! – longos séculos
da igualmente atroz escravatura árabe em África.
Quando
pensamos que passados quase 50 anos sobre o 25 de Abril em Portugal – que
trouxe a independência aos países outrora colónias portuguesas – e que o
Presidente da República do país anfitrião das comemorações dessa data, convida
ou manifesta que tenciona convidar os PR dos PALOP e a Amnistia Internacional,
se opõe frontalmente criticando severamente a indignidade e a ilegitimidade da
presença de alguns desses chefes de Estado nessas históricas comemorações pela
maneira como lidam – desrespeito absoluto – com os Direitos Humanos, fica bem
claro onde e de facto fazem verdadeiramente falta os verdadeiros activistas
africanos. É caso para se perguntar:
Onde
estiveram o activismo e os activistas este tempo todo?
O
activismo não pode ser apenas reactivo, casuístico e epidérmico nem tão pouco
uma profissão, um ganha-pão, e, muito menos, um palco ou uma feira das
vaidades. Isto não abona, não nobilita, nem dignifica a actividade!
O
activismo é uma atitude, um comportamento, uma práxis que deve ser proactivo e
constante. Um exercício firme e permanente de civismo, de cidadania, de
civilidade e de humanidade desempenhado com toda a pedagogia.
O
resto é tarefa do Estado de Direito Democrático! Ondina e Armindo Ferreira –
Cabo Verde in “Coral-vermelho.blogspot”
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