Uma equipa de cientistas internacional, da qual faz parte Claudia Cunha, investigadora do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), conseguiu extrair ADN de esqueleto com dez mil anos de idade, conhecido como Luzio.
Os
resultados, publicados hoje na Nature Ecology & Evolution,
mostram que Luzio é um antepassado das populações nativas americanas atuais e
que, portanto, a hipótese de que os primeiros brasileiros pertenceriam a uma
população distinta estava equivocada.
«O
estudo incluí o maior conjunto de dados genomas antigos do Brasil para
demonstrar que as comunidades costeiras da Antiguidade Ameríndia (Sambaquis)
não representam uma população geneticamente homogénea. Além disso, este é o
primeiro estudo genético que abarca uma região tão grande e este número de
indivíduos para o país. Através da sequenciação genética de ADN antigo,
produzimos dados de 34 indivíduos com dez mil anos das regiões de Costa
Atlântica, Lagoa Santa, Baixo Amazonas e Nordeste do Brasil», revela a Claudia
Cunha, coautora do artigo.
Os
sambaquis, que são construções verticais feitas em conchas, foram estabelecidos
há cerca de oito mil anos, ao longo de mais de três mil quilómetros na costa
leste da América do Sul. «Segundo registos arqueológicos, os construtores de
sambaquis partilhavam algumas semelhanças culturais. No entanto, ao contrário
do que se esperava, estes grupos de pessoas apresentaram diferenças genéticas
significativas, possivelmente devido a contactos regionais com grupos do interior»,
afirmam os autores.
«Estas
relíquias culturais, conhecidas como sambaquis, foram construídas ao longo de
sete mil anos, sendo constituídas principalmente por conchas, sedimentos e
outros resíduos diários. Os sambaquis foram utilizados por antigas populações
indígenas como moradias, cemitérios e demarcação territorial, estando entre os
fenómenos arqueológicos mais fascinantes da América do Sul pré-colonial»,
explica Tiago Ferraz, primeiro autor do estudo e especialista no Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, no Brasil.
Segundo
a investigadora do CIAS, os sambaquis sempre foram construídos de forma
semelhante durante um longo período de tempo numa vasta área. As comunidades
associadas partilhavam semelhanças culturais. As suas origens, história
demográfica e encontros com caçadores-coletores vindos do interior do início do
Holocénico, juntamente com seu rápido desaparecimento, levantaram várias
questões, que são exploradas neste estudo.
«Extrair
o ADN do esqueleto de Luzio era uma peça central que faltava para se
desvendarem as origens dos primeiros americanos. Os resultados obtidos mostram
de forma clara que não existiu no passado uma população humana diferente na
América, como se acreditou por décadas», asseguram os cientistas
internacionais.
Com
este estudo os investigadores mostram que os primeiros caçadores-coletores do
Holocénico são geneticamente distintos uns dos outros e de populações
posteriores no leste da América do Sul. Tal sugere que não houve relações
diretas com os grupos costeiros posteriores. As análises da equipa indicam
ainda que os grupos contemporâneos de sambaquis da costa sudeste do Brasil, por
um lado, e da costa sul do Brasil, por outro, eram geneticamente heterogéneos.
Resumindo,
«os resultados publicados mostram que as comunidades de sambaquis nas costas
sul e sudeste não representam populações geneticamente homogéneas. Ambas as
regiões apresentaram trajetórias demográficas distintas, possivelmente devido à
baixa mobilidade dos grupos litorâneos. Isto contrasta com as semelhanças
culturais descritas no registo arqueológico. Precisamos de realizar mais
estudos regionais e em microescala para aprender mais sobre a história genómica
da América do Sul», concluem.
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