Neste
quase fim de dezembro, talvez valha fazer um balanço retrospectivo dos meus
textos publicados em diversos órgãos da imprensa, não só neste 2023 como nestes
últimos cinco anos. É o caso do comentário publicado em 15 de janeiro de 2019,
sob o título "Charlie Hebdo e a volta do obscurantismo".
Os
jornalistas sobreviventes do massacre da redação satírica da revista no 7 de
janeiro de 2015, por dois jihadistas islâmicos fanatizados, fizeram um número
especial em memória dos onze caricaturistas e redatores assassinados por
rajadas de Kalashnikov. E eu comentava a
capa da edição especial do Charlie Hebdo, na qual um cardeal e um imã muçulmano
sopram na chama de uma vela para permitir o retorno ao obscurantismo. E lembro
que, por uma coincidência, no mesmo dia do massacre dos caricaturistas por
terem publicado uma capa com caricatura de Maomé, tinha sido lançado em Paris
um livro do escritor Michel Houellebecq com o título Submissão.
Submissão
é a palavra mais ouvida nas igrejas e nos minaretes e significa a sujeição
completa do fiel crente a Deus, Jesus ou Alá. O livro, hoje com nove anos, é
bastante atual na sua maneira de imaginar a islamização francesa: na eleição
presidencial de um político muçulmano. carismático nas periferias, onde há uma
predominância de descendentes da imigração muçulmana, que chega ao segundo
turno. É algo já conhecido no Brasil, o populismo político-religioso que elegeu
Bolsonaro.
Na
ficção política do escritor francês, o líder carismático dirige um novo partido
"a Irmandade Muçulmana" e deve
enfrentar, no segundo turno, a candidata da Frente Nacional Marine Le Pen.
Diante do risco Le Pen, o partido do centro e os socialistas ajudam a eleger o
muçulmano que, logo depois, muda a Constituição francesa, introduz a teocracia
islâmica, reduz as liberdades femininas com o patriarcado e introduz a
poligamia. O livro foi sucesso de livraria e no Amazon em 2015, com tradução
brasileira pela colega jornalista Rosa Freire de Aguiar. E foi logo taxado pela
esquerda como islamofóbico ou seria premunitório?
Há
cinco anos, eu contava que todos os anos, no Conselho de Direitos Humanos, os
representantes dos países árabes tentam criar o delito de ofensa ou desrespeito
à religião, uma espécie de censura oficial para proteger todos os símbolos
religiosos. E, um dia desses, é provável, o clero católico e evangélico darão
apoio aos muçulmanos acabando com a liberdade de expressão e restabelecendo a
censura e o retorno aos mitos religiosos.
Não
se precisa ir ao Oriente Médio para ver isso - os EUA estão divididos, sendo
cada vez maior a força dos evangélicos fundamentalistas, mudando inclusive leis
em favor das mulheres e homossexuais. A temida vitória de Trump será a
sacralização do populismo religioso. No Brasil, a quebra dos princípios básicos
da laicidade pode ocorrer numa reaproximação política com os evangélicos,
defendida de novo junto ao PT por Lula que, no passado, favoreceu a
multiplicação das congregações evangélicas e criou a Marcha para Cristo.
O
tema da atual perda gradativa da importância do princípio da laicidade mesmo
dentro da esquerda é vasto. Alguns sintomas são evidentes - o parlamento
dinamarquês decidindo punir quem queimar livro religioso, no caso o Corão, em
atenção aos protestos dos países muçulmanos. Ou a pressão sobre o governo
belga, pelas comunidades muçulmanas, para anular a obrigatoriedade do curso de
educação sexual nas escolas secundárias.
Mas
não é só isso, na França, o atentado do Hamas contra civis desarmados dividiu
os partidos de esquerda, pois alguns líderes como Jean-Luc Mélenchon não
queriam qualificar o ato como terrorista, para não contrariar os eleitores de
origem muçulmana, vindos com a imigração. O conceito de laicidade já não tem o
mesmo apoio nem na própria França.
Uma
parte da esquerda, brasileira inclusive, deixa a dúvida, se apoia o povo
palestino ou a organização islâmica Hamas, esquecendo-se dos antigos refrões
tipo "religião é o ópio do povo" para não ofender seus novos
aderentes recrutados na luta contra o imperialismo. Esquecendo-se também de que
o islamismo é tão opressor ou mais opressor que o cristianismo na Idade Média,
com sua teocracia, seu patriarcado que inferioriza as mulheres, suas duras leis
contra o homossexualismo.
Ainda
há duas semanas, num dos canais de prestígio da esquerda, um professor de
sociologia, citava com entusiasmo a República do Irão como exemplo de luta
contra o imperialismo. Nas centenas de mensagens de apoio ao professor, não vi
nenhuma se lembrando do assassinato pela polícia iraniana das jovens Mahsa
Amini, Asra Panahi por não terem colocado direito o véu na cabeça, símbolo da
submissão das mulheres.
Ninguém
também se lembrou de Narges Mohammadi, prêmio Nobel da Paz, militante pelos
direitos humanos contra a opressão das mulheres no Irão.
O
professor sociólogo de esquerda entusiasta iraniano também não fez comentários
sobre a teocracia islâmica, deixando evidente sua aplaudida islamofilia. Rui
Martins – Suíça
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