Formas mais eficientes de diagnosticar a doença em gestantes podem ajudar a evitar abortos, partos prematuros e baixo peso ao nascer
Um
projeto desenvolvido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP tem o
objetivo de buscar marcadores para o diagnóstico da malária placentária, forma
específica de infecção em que o parasita causador da doença se aloja na
placenta da gestante. A malária é uma doença parasitária causada pelos
protozoários Plasmodium vivax e P. falciparum. É transmitida aos seres
humanos através da picada da fêmea infectada do mosquito Anopheles.
Porém, ao nascer, os mosquitos não carregam em si os plasmódios. Eles se
infectam ao picar uma pessoa já infectada e que não está em tratamento.
A
pesquisa é desenvolvida pela pós-doutoranda do ICB Jamille Gregório Dombrowski,
bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Segundo ela, o trabalho surgiu da necessidade de busca de formas mais
eficientes de diagnosticar a doença em grávidas. “Quando o parasita infecta a
gestante e atinge a placenta, o diagnóstico para malária placentária só poderá
ser feito no momento do parto. Quando chega a esse ponto, não há muita margem
para ação: o bebê já nasceu com baixo peso, ou a mulher teve um aborto, ou um
parto prematuro”, explica a pesquisadora. Dessa forma, a pesquisa é focada em
identificar novos biomarcadores para diagnosticar a doença ainda durante a
gestação.
O
projeto Identification of Predictive Biomarkers of Placental Dysfunction in
Malaria é desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia da
Relação Patógeno-Hospedeiro, sob supervisão do professor Claudio Marinho, do
Departamento de Parasitologia do ICB. Durante a última edição do Congresso de Pós-doutorandos
da USP, que ocorreu nos dias 17, 18 e 19 de outubro, a pesquisadora recebeu
menção honrosa no Prêmio Pós-Doc USP, na categoria Ciências da Saúde. O projeto
premiado é fruto de trabalhos anteriores da pesquisadora com a malária durante
a gravidez.
Uma
consequência adversa grave da malária gestacional, a malária placentária ocorre
quando o protozoário causador da doença deixa de circular apenas no sangue
periférico e se aloja na placenta da gestante, atingindo também esse órgão.
Apesar de não representar todos os casos, a infecção é frequente — estudos
mostram que ela pode afetar mais de 50% das gestantes infectadas.
A
pós-doutoranda explica a diferença entre os parasitas. O Plasmodium vivax,
prevalente aqui no Brasil, não adere ao tecido placentário, ao contrário do Plasmodium
falciparum, espécie que gera manifestações mais graves. “O parasita fica
aderido ao tecido placentário, o que dificulta a sua eliminação e pode causar
um intenso processo inflamatório, o principal motivo dos efeitos adversos que
nós observamos nesses quadros.”
Sobre
a incidência atual da malária no Brasil, Jamile Dombrowski menciona um estudo
publicado pelo grupo na revista Lancet Americas, que apresenta um
levantamento realizado entre 2004 e 2018, o qual demonstra que a grande maioria
dos casos de malária gestacional no Brasil se concentra na região amazônica.
“Sabemos que é uma região com poucos recursos e, apesar de já termos o diagnóstico
e o tratamento de forma precoce nas infecções convencionais, estamos observando
que ainda há esses efeitos adversos nas gestantes, que representam cerca de
5,8% dos casos de malária entre as mulheres em idade fértil no Brasil”,
esclarece.
O
diagnóstico funciona de duas maneiras. No caso da malária gestacional, o exame
é idêntico ao das pessoas em geral: por microscopia (gota espessa – padrão
ouro) através da coleta de sangue por punção digital da paciente. No caso da
malária placentária, o exame é feito com a coleta do sangue placentário para
análise por microscopia e confirmado por histologia — análise do tecido afetado
—, e necessita de um profissional altamente qualificado para realizar a coleta
adequada de uma amostra da placenta logo após o parto, conservá-la e analisá-la
em laboratório. Há também a opção de diagnóstico por biologia molecular. Esta
alternativa, contudo, é inviável nas regiões mais afetadas pela doença, por ser
uma técnica de alto custo, que necessita de infraestrutura especializada.
Biomarcadores
Uma
possibilidade, investigada pela pesquisadora no trabalho premiado, seria buscar
no próprio sangue periférico das gestantes proteínas que indiquem alterações,
causadas pela infecção, na formação e desenvolvimento da placenta. O estudo
acompanhou 600 mulheres durante todo o período gestacional, concentrando-se na
primeira infecção, quando esta ocorre no primeiro ou no segundo trimestre da
gravidez. Após coletado o sangue, foi feita a separação do plasma, que foi
analisado utilizando técnicas diversas para detecção de biomarcadores. “A
ideia, ao final, é encontrar e padronizar um conjunto de biomarcadores que
possam ser facilmente mensurados durante os exames de pré-natal, utilizando os
equipamentos encontrados na rede pública de saúde, para o diagnóstico precoce
das alterações ou lesões placentárias associadas à infecção na gestação”,
explica.
Do
painel de 30 biomarcadores, já foram obtidos os resultados de 15. O objetivo é
reduzir o escopo a uma combinação de até cinco, com base em parâmetros
diversificados de alterações e lesões placentárias, e por fim utilizá-los no
diagnóstico. A mensuração deve ser concluída até o fim deste ano, e o estudo,
até maio do ano que vem.
A
pesquisadora destaca a importância das atividades do congresso, que viu como
uma oportunidade para “sair da bolha” e conhecer o que outros pós-doutorandos
estão fazendo. Sobre as atividades, ela ressalta as que tiveram como tema o
financiamento de pesquisa e a mobilidade na carreira. “Foi muito bom ter
entendido que a nossa carreira pode seguir por diversos caminhos. Também gostei
das apresentações sobre as formas de financiamento de pesquisa no Brasil, e da
oportunidade de ouvir, num mesmo ambiente, representantes das principais
agências de fomento e canais de financiamento da ciência.” Felipe Parlato –
Brasil in “Jornal da Universidade de São Paulo”
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