Hamish Spencer, professor e zoólogo na Universidade de Otago (Nova Zelândia), estava de férias na Colômbia, quando foi alertado por um ornitólogo amador, John Murillo, para a presença de um saí-verde (Chlorophanes spiza) com um aspeto peculiar que andava numa reserva natural a 10 quilómetros da cidade de Manizales.
Este
passeriforme, da família dos Traupídeos, é frequentemente observado ao longo de
uma vasta área que se estende desde o sul do México à região sudeste do Brasil.
Por isso, a sua presença na Colômbia não era surpreendente.
Mas
o que deixou o biólogo neozelandês de queixo caído foi o facto de a ave
apresentar uma coloração singular: metade azul e metade verde. Nessa espécie, a
cor azul identifica os machos, e a cor verde as fêmeas. Por isso, era uma ave
metade fêmea, metade macho.
Para
tentar desvendar o mistério, a dupla pediu aos proprietários da reserva que
criassem uma estação de alimentação, com fruta e água açucarada, para atrair a
ave e ser possível observá-la de mais perto e durante mais tempo. Entre outubro
de 2021 e junho de 2023, Murillo avistou várias vezes o animal, o que permitiu
confirmar que, de facto, se tratava de um indivíduo adulto com traços de fêmea
e de macho, ou seja, um ginandromorfo.
“Muitos
observadores de aves podem passar as suas vidas sem alguma vez verem um
ginandromorfo bilateral em qualquer espécie de aves”, explica Spencer,
apontando que “o fenómeno é extremamente raro nas aves”.
O
ginandromorfismo bilateral, em que um lado do corpo apresenta caraterísticas
masculinas e o outro lado traços femininos, já foi registado numa série de
espécies de aves, mas esta é apenas a segunda vez, em cerca de 100 anos, que é
observado num saí-verde.
Num
artigo publicado na revista ‘Journal of Field Ornithology’, assinado por
Spencer, Murillo e outros investigadores, é explicado que o ginandromorfismo
acontece mais frequentemente em espécies com um forte dimorfismo sexual, isto
é, em que machos e fêmeas têm características físicas bastantes distintas um do
outro.
No
entanto, tende a acontecer sobretudo em insetos, crustáceos, aranhas, lagartos
e até em roedores.
Spencer
sugere que o fenómeno ocorre devido a “um erro” durante o processo de formação
dos ovos, a meiose, em que o número de cromossomas femininos é reduzido para
metades, e por uma “dupla fertilização por dois espermatozoides”.
Apesar
o aspeto peculiar, a ave não apresentava um comportamento que não fosse
esperado de um saí-verde, embora os investigadores tenham percebido que a ave
tendia a evitar outros membros da sua espécie, que também pareciam evitar a
companhia do saí ginandromorfo.
“Por
isso, parece pouco provável que este indivíduo tivesse tido qualquer
oportunidade para se reproduzir”, escrevem no artigo.
No
entanto, não foi possível perceber se os órgãos internos do animal também
apresentavam sinais de ginandromorfismo bilateral, mas os investigadores dizem
que isso é algo expectável, com base em estudos realizados sobre outras aves
com essa condição, que apresentavam quer ovários, que testículos.
A
ave agora observada tinha penas azuis (macho) no lado esquerdo e penas verdes
(fêmea) no lado direito, “o oposto do anterior caso de há mais de 100 anos”,
escrevem. Filipe Rações – Portugal in “Green
Savers”
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