Com ligação histórica ao Japão e
considerado uma raridade, o órgão de tubos renascentista da Sé de Évora “chama”
hoje à catedral muitos turistas deste país e até uma associação japonesa quer
apoiar o seu restauro
“Gostaria
de tentar ajudar. Com quanto ou o tempo que vai demorar e aquilo que
conseguirei fazer ainda não posso dizer neste momento, mas vou fazer o meu
melhor”, afiança à agência Lusa o presidente da Associação Kamakura Portugal,
Genjiro Ito.
Uma
delegação da associação esteve esta semana na Sé da cidade alentejana, onde se
reuniu com responsáveis da Arquidiocese de Évora e da Direção Regional de
Cultura do Alentejo (DRCAlen), e ficou evidente a importância do órgão, do
século XVI.
“Há
400 anos”, evoca à Lusa Genjiro Ito, a Missão Tensho, a primeira embaixada
japonesa enviada à Europa, com destino a Roma, para se apresentar ao Papa,
“veio aqui”, a Évora e à catedral, e “um deles tocou neste piano”, no órgão
renascentista, que se tornou “muito importante para a história japonesa”.
O
instrumento é tão especial que a delegação até trouxe a sua própria pianista e
organista, a japonesa Mizuki Watanabe, de 15 anos. Após um breve ensaio, com o
apoio do organista da Sé Rafael Reis, a jovem deu um pequeno recital e mostrou
os seus dotes, “inundando” de música a catedral.
Uma
experiência que a deixou “muito feliz”, afirma à Lusa, recorrendo a um
intérprete. O órgão de tubos foi o instrumento “mais antigo” que já tocou e
despertava-lhe interesse, pois, conhecia a história da Missão Tensho pelos
“livros da escola” e através de “filmes e documentários”.
Ana
Maria Borges, da DRCAlen, enfatiza que a Missão Tensho “foi importantíssima”
para o conhecimento das relações entre Portugal e o Japão e respetivas relações
diplomáticas e culturais.
“São
quatro príncipes, muito novinhos, que vêm como embaixadores, acompanhados por
percetoras e padres jesuítas portugueses”, conta, assinalando que a viagem
durou “dois anos e meio” e, quando chegam a Portugal, “o cardeal D. Henrique já
tinha morrido e, por isso, o rei já não estava em Lisboa, estava em Madrid”, ou
seja, era Filipe II de Espanha e I de Portugal.
Em
vez de seguirem diretamente para Madrid e daí para Roma, o então arcebispo de
Évora, Teotónio de Bragança, “consegue” que vão “primeiro a Évora”, onde ficam
“cerca de uma semana”, e a Vila Viçosa, daí resultando “uma descrição
fascinante do que viram, que para eles era tudo diferente”, acrescenta.
“Uma
das coisas que acharam espantoso foi o órgão, porque era enorme, com um som
fabuloso, onde eles tocavam numa tecla e ouviam tocar e mexiam-se várias teclas.
Eles fazem esta descrição pormenorizada, como fazem de outras coisas”, relata.
Daí
o fascínio dos japoneses por este órgão. Apesar de já ter tido “grandes
modificações no século XVIII” e “um grande restauro nos anos 60” do século
passado, “os tubos, grande parte do material” no interior e a fachada em
madeira de carvalho são originais, refere o organista Rafael Reis.
Nos
22 anos em que tem estado ao serviço na Sé, Rafael tem assistido
“sistematicamente” à chegada “de excursões principalmente do Japão” com
turistas que “querem vir a Évora ouvir este órgão particularmente”.
“Vêm
e pedem que toque para eles um pequeno recital ou um bocadinho, 10 ou 15
minutos”, diz, referindo que também tem acolhido estações de televisão
japonesas que pretendem “filmar o instrumento”, tal como Ana Maria Borges
destaca que mesmo “as missões de teor económico, com empresários” do Japão têm a
Sé no seu roteiro de visita.
O
imponente instrumento, com a sua grande estrutura de madeira, de onde saem
inúmeros tubos, cujas notas ecoam pela catedral quando está a ser tocado, é o
“mais antigo de Portugal e único do género” no país, explica à Lusa o cónego
Eduardo Pereira da Silva, da arquidiocese, frisando Rafael Reis que o órgão “é
um dos mais importantes da Península Ibérica e da Europa”.
Os
turistas japoneses “pedem muitas vezes um concertozinho, só para ouvir o órgão”
e ficam “todos contentes por esta relação histórica entre o Japão e Portugal”,
diz o cónego. Mas agora é preciso uma revisão, o que é também atestado por
Rafael Reis, que indica que há “alguns tubos inclinados” no topo, com “risco de
queda”, e, em termos de som, outros que não funcionam.
Na
capela-mor da Sé, a arquidiocese está a restaurar outro órgão, construído por
Oldovino, no século XVIII, e queria “fazer este a seguir, só que é um volume
financeiro” a rondar “os 90 mil euros”, não existindo essa capacidade
financeira “de um momento para o outro”, realça o cónego, considerando
bem-vindo o interesse da Associação Kamakura Portugal: “É uma boa notícia para
nós saber que há interesse em ajudar-nos”.
O
mesmo afirma Ana Maria Borges, lembrando o vasto património do Alentejo: “Se
tivermos alguém que nos apoie no restauro do órgão, para nós é
importantíssimo”.
Pode
“não ser assim tão fácil” conseguir o dinheiro para o restauro do órgão
renascentista, mas Genjiro Ito diz que “é possível” e compromete-se. Quando
regressar ao Japão vai “procurar encontrar os fundos” e “as pessoas que possam
ajudar este projeto”. In “Sapo 24” – Portugal com “MadreMedia / Lusa”
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