No processo de aprendizagem de uma língua é necessário
ter referências culturais, daí a cultura desempenhar um papel fundamental,
considera o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), salientando que
a aposta em projectos artísticos é cada vez mais uma linha de acção da
instituição – exemplo disso são os encontros de teatro confiados pelo Fórum
Macau ao IPOR. Joaquim Coelho Ramos diz que “a língua portuguesa não tem de ter
medo do futuro”, sobretudo em Macau, e acredita que o IPOR, que celebrou o 30º
aniversário na semana passada, estará pronto para dar resposta à procura que
tem surgido em diversas partes da China
Chegou há um ano a Macau para exercer o cargo de director
do IPOR. Quais têm sido os maiores desafios até agora?
JCR - Não
tenho encontrado desafios especialmente pesados. Isto tem que ver com o facto
de o IPOR estar já bastante dinamizado da equipa que dirigiu anteriormente e,
portanto, os resultados já eram visíveis. Estando o IPOR estabilizado, os meus
objectivos iniciais eram ampliar a sua base de apoio e depois garantir que a
confiança que o IPOR adquiriu não se perdia. Penso que estamos a conseguir
fazer isso.
Qual é a base de apoio a que se refere?
JCR - Numa
perspectiva de manutenção, temos continuado a merecer a confiança dos parceiros
institucionais. Depois, também temos atraído novos parceiros, que estão a
envolver-se connosco em projectos de ampliação sempre ligados à língua
portuguesa. Um exemplo que posso dar é a relação cada vez mais próxima que
temos vindo a construir com o Fórum Macau. Numa perspectiva inicial, essa
relação tem-se verificado ao nível da realização dos encontros de teatro, mas
estamos agora a dar um passo complementar também nas áreas de formação de
Língua Portuguesa. E depois noutras áreas, por exemplo no ensino de Português
nas escolas aqui da RAEM. E uma área, talvez a terceira que destacasse, falaria
numa expansão das acções culturais que temos tentado também levar a efeito
sobretudo numa dinamização do que é a cultura portuguesa contemporânea e numa
perspectiva dialógica. Ou seja, entendemos que não chega construir bons
projectos, boas mostras, boas dinâmicas culturais. É preciso trazer algo mais a
um espaço que é conhecido pela qualidade da sua oferta. Macau é
reconhecidamente um centro de artes, de arte com muita qualidade e parece-nos
que vir mais um “player” jogar com as mesmas cartas não faria sentido.
Qual é a ideia então?
JCR - É
trazer algo mais. Em duas linhas de intervenção essenciais. A primeira é trazer
um efeito multiplicador, de tal forma que os agentes culturais possam trazer
alguma coisa a Macau e aqui iniciar dinâmicas que permitam um seguimento dessa
actividade, ou seja, não começa e acaba. A tentativa é de que haja continuação,
quer através de projectos comuns, quer através de exposições noutras latitudes.
E o segundo ponto é fomentar o conhecimento entre os artistas portugueses e os
chineses, nomeadamente os de Macau. Creio que essas duas dimensões estão a ser
exploradas pelo IPOR.
Na sua visão, essa continuidade em projectos artísticos
não existe em Macau?
JCR - Num
ano não é possível ter um balanço absoluto do que se passa em Macau. Se isso
existe, estamos a tentar combatê-lo, se não existe óptimo. Dou um exemplo
claro: o Fórum Macau há uns anos tem vindo a confiar ao IPOR a organização dos
encontros de teatro e estes estão a ter justamente este efeito multiplicador ou
de continuação. É o caso de um grupo de teatro de Macau, que, na sequência
desses encontros já foi ao Brasil, apresentou uma peça em São Paulo. E situações
inversas, o grupo que esteve aqui do Brasil no ano passado está, salvo erro, em
trânsito para Angola e para Portugal. Esta dinâmica está a ser conseguida e
esperamos que possa ser consolidado noutras áreas.
Como olha para estes anos de ensino do IPOR?
JCR - O IPOR
foi fundado com um quadro de pessoal de três, neste momento são 27. A
estratégia de gestão do IPOR tem sido crescer com racionalidade, de forma tal
que possamos dar resposta àquilo que são as exigências do contexto. Em termos
de reposta à procura, estamos muito contentes com o desempenho. Por outro lado,
em termos de qualidade formativa, temos vindo a contratar professores com um
nível de formação mínima de Mestrado, especificamente em Português como Língua
Estrangeira, quer especialização formal, quer no terreno. Isto é um indicador
para a qualidade da formação que é dada. Como é que sabemos que a formação tem
resultados? Num terceiro vector, que também temos vindo a desenvolver, a
certificação. Os alunos que estudam no IPOR são depois convidados a fazer uma
certificação no âmbito dos exames CAPLE, apresentados pela Universidade de
Lisboa, e vemos que a taxa de sucesso continua a crescer, a tal ponto que
muitas universidades mesmo da China Continental nos têm pedido para dar apoio
formativo aos seus candidatos. Parece-me que o IPOR estará a fazer alguma coisa
bem feita.
Há pouco falava do Fórum Macau. Há novidades nesse
âmbito?
JCR - Vamos
abrir novas portas à formação de pessoal ligado à Saúde da República Popular da
China. Temos vindo a desenvolver um trabalho com o Centro de Formação de
Línguas para a Saúde de Chengdu e agora demos um novo passo. É nossa intenção
abrir um centro de Língua Portuguesa em Chengdu com o apoio do Fórum Macau e
também começar a receber depois, para um nível intermediário e para um nível
avançado de formação linguística, formandos de toda a China mas centrados em
Chengdu, e aqui em Macau. Portanto haverá uma deslocação. Prevemos entre 20 a
40 formandos anualmente que se desloquem a Macau para este aprofundamento
linguístico. Falamos de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde e técnicos de
planeamento familiar.
Isto requer uma formação diferente por parte dos
docentes?
JCR - Exactamente.
Temos docentes no IPOR que estão já habilitados para dar formação de língua
portuguesa para fins específicos e nessas diversas áreas temos a linguagem
jurídica, económica e também a médica. Aliás, estão a decorrer, em colaboração
entre a Universidade de Macau e o IPOR, cursos de formação para agentes da
saúde em língua portuguesa. Temos esse “know-how”, temos esses
especialistas, vamos aproveitá-los também para este tipo de formação que nos é
solicitada num centro de referência em toda a China.
Vai implicar a deslocação dos alunos a Macau ou também de
docentes até lá?
JCR - As
duas dimensões. Enviaremos formadores de formadores de Macau para Chengdu, que
farão formação dos professores de Português locais – quer a um nível de actualização
pedagógica, quer de actualização de conteúdos. E depois, quando vierem os
formandos para Macau, a ideia é, na medida do possível e daquilo que o contexto
permite, tentar envolver outras entidades, de tal forma que o contacto com a
língua portuguesa seja tão extenso quanto possível. Gostávamos de que a
formação efectiva tivesse início no próximo ano.
O Laboratório de Línguas, inaugurado aquando da visita do
Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, tem sido uma
mais-valia?
JCR - É
utilizado numa base quase diária. Os professores do IPOR, sempre que o
entendam, solicitam o uso do laboratório para a estratégia que delinearam para
uma determinada sessão lectiva. É efectivamente uma mais-valia em termos de
desenvolvimento quase personalizado do ensino, não vamos dizer ensino um para
um, porque isso de facto não existe neste contexto, mas podemos falar na
capacidade de ir ao encontro das necessidades específicas de um aluno, enquanto
o do lado desenvolve outras que são aquelas em que há mais necessidade e tudo
isto coordenado por um professor. Depois também permite uma coisa de extrema
importância: ter material, até gravado, que permita ao professor avaliar-se e
ver como é que vai ajustar a próxima sessão lectiva. Há imensas valências no
laboratório e está a ser usado dentro daquilo que era esperado.
O que significa, na prática, ter uma antena do IPOR em
Pequim?
JCR - Em
Pequim tem havido uma procura muito grande – aliás, é transversal aqui à região
– pela língua portuguesa, o que esperamos fazer é o seguinte: dar resposta
àquilo que já é a demanda local, dar a conhecer a existência de um centro
altamente qualificado para a formação em língua portuguesa, expandir a
certificação e fazer acompanhar toda esta dinâmica de uma acção cultural
externa concreta que dê apoio, por um lado, à embaixada em Pequim – até no
contexto da importância das relações entre Portugal e a China – e por outro,
para sustentar a formação de língua com um substrato de acção cultural, que
facilitará, até, a própria aprendizagem.
Qual a importância deste substrato cultural na
aprendizagem do Português?
JCR - Olhe,
por exemplo, para os nossos provérbios, as frases feitas. Todos esses elementos
linguísticos que usamos com enorme facilidade, sem pensar, são culturalmente
determinados. Países diferentes – mesmo países de língua portuguesa – têm
determinações culturais diferentes. Ter “uma fome de lobo” é ter tanta fome
como ter “uma fome de leão”. Mas o referencial cultural não é o mesmo. Imagine
uma pessoa da China que quer fazer uma tradução e precisa de um referencial
cultural, que para nós é automático. Quem aprende uma língua tem de abrir esta
porta. A cultura é absolutamente essencial.
Qual a sua visão acerca do futuro da língua portuguesa em
Macau?
JCR - Tenho
uma visão muito positiva e não sou exactamente um vivente do mundo onírico. Tem
sido constante a evolução da procura pelo Português em Macau. O mesmo está a
acontecer em crescendo em Hong Kong e, portanto, não tenho razões rigorosamente
nenhumas para achar que a língua portuguesa tem que ter medo do futuro e não
tem de ter medo do futuro sobretudo em Macau. Há uma dimensão cultural e
afectiva de tal maneira forte que a língua portuguesa é mais um instrumento
aqui e, portanto, não vejo necessidade nenhuma de recear o futuro.
Crê que esta procura em Hong Kong poderá ser motivada
pelo clima que se vive?
JCR - Não
vejo que a agitação social tenha directamente a ver com o aumento da procura
pela língua portuguesa porque, antes desta situação – própria de uma comunidade
viva – a língua portuguesa já estava em crescimento. A primeira vez que fui a
Hong Kong tive esse “feedback” de entidades associativas que lidam, de
alguma maneira, com a comunidade portuguesa lá e não sinto que haja uma ligação
directa. Pode haver, eventualmente, um resultado adicional, mas não vejo que
seja o grande núcleo. De tal maneira acho isto que, se olharmos para uma
dimensão maior, por exemplo, no contexto da Grande Baía, esse crescimento
também se verifica noutras cidades, como Shenzhen e Zhuhai. Penso que terá mais
a ver com expectativas de investimento, relacionadas com actividade económica.
A procura pelo Português está a crescer em vários pontos
da China e o IPOR está, de certa forma, a expandir-se…
JCR - Não
ponha as coisas dessa maneira. O IPOR está a tentar dar resposta àquilo que é a
confiança que têm depositado em nós. Não diria que há uma tentativa ou uma
dimensão de expansão. O que entendo que há aqui é um estreitar de relações –
que não são de hoje – e é muito importante garantirmos aos nossos parceiros e a
quem nos procura que o que fazemos é a prestação de serviços de qualidade. Se
as pessoas continuam a procurar-nos porque têm essa percepção, o mínimo que
podemos fazer é explorar os recursos que temos para dar resposta a esse nível.
Se essa intervenção é necessária em Pequim, Chengdu, Macau ou noutras áreas,
pois é para aí que iremos se nos convidarem.
Existe algum investimento que o IPOR tenha de fazer, por
exemplo, ao nível de docentes?
JCR - Este
ano tem sido um ano de investimentos a todos os níveis. Fizemos um investimento
muito forte na área tecnológica, o laboratório de línguas é apenas um dos
exemplos, mas estamos também a renovar todo o nosso parque informático. Estamos
a trabalhar também numa plataforma de ensino à distância mais sólida e dividida
por público alvo. Faremos um trabalho na área da biblioteca, que necessita de
uma actualização a nível de arquivo, digitalização e também acesso às obras.
Acabámos agora de fechar um processo de recrutamento internacional em que foram
contratados três professores, portanto a nível de recursos humanos também penso
que estamos estabilizados. Quanto ao número de alunos, nos cursos para fins
específicos notamos um crescimento. E onde temos assistido de facto a um
crescimento enorme é na procura pelas oficinas de língua portuguesa para
crianças e jovens – entre os seis e os 14 anos. Quase uma duplicação. Estamos
neste momento a tentar encontrar docentes com formação especifica para crianças
para podermos dar resposta. Isto para já não é um problema, mas se se continuar
a verificar esta situação temos de rever o paradigma porque ensinar para alunos
de seis e sete anos não é o mesmo que ensinar para adultos de 35.
Esse aumento surpreendeu-o?
JCR - No
contexto do aumento que se tem vindo a verificar, deveria dizer que não. Agora,
a nível da quantidade em concreto de pedidos, estamos a falar quase de uma
duplicação, falamos pela centena de alunos. Não esperava este salto. E estamos
a falar de todo o tipo de interessados, desde a comunidade chinesa, à macaense
e portuguesa. É absolutamente transversal.
O que poderá motivar a procura?
JCR - A
nível mundial, a língua portuguesa tem sido vista nos últimos anos como
efectivamente uma língua global e acho que isso é perceptível pelas pessoas.
Abre imensos mundos em todos os continentes, penso que estará aí o segredo.
Para os mais velhos será a necessidade do investimento e a diversificação
económica, para os mais jovens, talvez por influência dos pais, nesta visão de
futuro do que já é e pode vir a ser a língua portuguesa.
Ao nível das instituições de ensino de línguas em Macau,
nota cooperação ou distanciamento?
JCR - Sinto
que há uma cooperação definitivamente. Exemplo disso é a consolidação que já
existia com o Instituto Politécnico de Macau, inclusivamente com o Centro
Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa, até ao nível da investigação.
Trabalhamos também com outras entidades, portanto não sinto de facto um
distanciamento. Há uma percepção de que não estamos exactamente em
concorrência. O que se verifica é que as pessoas percebem que lidar com a
língua portuguesa tem uma exigência altamente especializada e estão a trabalhar
no sentido daquilo que são as suas características mais fortes, aprofundar essas
características e disponibilizarem esses serviços nas áreas em que são mesmo
bons à comunidade. Cada uma destas instituições em Macau tem um campo
específico e não precisa de entrar num conceito de concorrência, daí a relação
de colaboração que existe. Catarina Pereira – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
Sem comentários:
Enviar um comentário