Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Macau – Jornal Tribuna de Macau entrevista director do Instituto Português do Oriente

No processo de aprendizagem de uma língua é necessário ter referências culturais, daí a cultura desempenhar um papel fundamental, considera o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), salientando que a aposta em projectos artísticos é cada vez mais uma linha de acção da instituição – exemplo disso são os encontros de teatro confiados pelo Fórum Macau ao IPOR. Joaquim Coelho Ramos diz que “a língua portuguesa não tem de ter medo do futuro”, sobretudo em Macau, e acredita que o IPOR, que celebrou o 30º aniversário na semana passada, estará pronto para dar resposta à procura que tem surgido em diversas partes da China



Chegou há um ano a Macau para exercer o cargo de director do IPOR. Quais têm sido os maiores desafios até agora?

JCR - Não tenho encontrado desafios especialmente pesados. Isto tem que ver com o facto de o IPOR estar já bastante dinamizado da equipa que dirigiu anteriormente e, portanto, os resultados já eram visíveis. Estando o IPOR estabilizado, os meus objectivos iniciais eram ampliar a sua base de apoio e depois garantir que a confiança que o IPOR adquiriu não se perdia. Penso que estamos a conseguir fazer isso.

Qual é a base de apoio a que se refere?

JCR - Numa perspectiva de manutenção, temos continuado a merecer a confiança dos parceiros institucionais. Depois, também temos atraído novos parceiros, que estão a envolver-se connosco em projectos de ampliação sempre ligados à língua portuguesa. Um exemplo que posso dar é a relação cada vez mais próxima que temos vindo a construir com o Fórum Macau. Numa perspectiva inicial, essa relação tem-se verificado ao nível da realização dos encontros de teatro, mas estamos agora a dar um passo complementar também nas áreas de formação de Língua Portuguesa. E depois noutras áreas, por exemplo no ensino de Português nas escolas aqui da RAEM. E uma área, talvez a terceira que destacasse, falaria numa expansão das acções culturais que temos tentado também levar a efeito sobretudo numa dinamização do que é a cultura portuguesa contemporânea e numa perspectiva dialógica. Ou seja, entendemos que não chega construir bons projectos, boas mostras, boas dinâmicas culturais. É preciso trazer algo mais a um espaço que é conhecido pela qualidade da sua oferta. Macau é reconhecidamente um centro de artes, de arte com muita qualidade e parece-nos que vir mais um “player” jogar com as mesmas cartas não faria sentido.

Qual é a ideia então?

JCR - É trazer algo mais. Em duas linhas de intervenção essenciais. A primeira é trazer um efeito multiplicador, de tal forma que os agentes culturais possam trazer alguma coisa a Macau e aqui iniciar dinâmicas que permitam um seguimento dessa actividade, ou seja, não começa e acaba. A tentativa é de que haja continuação, quer através de projectos comuns, quer através de exposições noutras latitudes. E o segundo ponto é fomentar o conhecimento entre os artistas portugueses e os chineses, nomeadamente os de Macau. Creio que essas duas dimensões estão a ser exploradas pelo IPOR.

Na sua visão, essa continuidade em projectos artísticos não existe em Macau?

JCR - Num ano não é possível ter um balanço absoluto do que se passa em Macau. Se isso existe, estamos a tentar combatê-lo, se não existe óptimo. Dou um exemplo claro: o Fórum Macau há uns anos tem vindo a confiar ao IPOR a organização dos encontros de teatro e estes estão a ter justamente este efeito multiplicador ou de continuação. É o caso de um grupo de teatro de Macau, que, na sequência desses encontros já foi ao Brasil, apresentou uma peça em São Paulo. E situações inversas, o grupo que esteve aqui do Brasil no ano passado está, salvo erro, em trânsito para Angola e para Portugal. Esta dinâmica está a ser conseguida e esperamos que possa ser consolidado noutras áreas.

Como olha para estes anos de ensino do IPOR?

JCR - O IPOR foi fundado com um quadro de pessoal de três, neste momento são 27. A estratégia de gestão do IPOR tem sido crescer com racionalidade, de forma tal que possamos dar resposta àquilo que são as exigências do contexto. Em termos de reposta à procura, estamos muito contentes com o desempenho. Por outro lado, em termos de qualidade formativa, temos vindo a contratar professores com um nível de formação mínima de Mestrado, especificamente em Português como Língua Estrangeira, quer especialização formal, quer no terreno. Isto é um indicador para a qualidade da formação que é dada. Como é que sabemos que a formação tem resultados? Num terceiro vector, que também temos vindo a desenvolver, a certificação. Os alunos que estudam no IPOR são depois convidados a fazer uma certificação no âmbito dos exames CAPLE, apresentados pela Universidade de Lisboa, e vemos que a taxa de sucesso continua a crescer, a tal ponto que muitas universidades mesmo da China Continental nos têm pedido para dar apoio formativo aos seus candidatos. Parece-me que o IPOR estará a fazer alguma coisa bem feita.

Há pouco falava do Fórum Macau. Há novidades nesse âmbito?

JCR - Vamos abrir novas portas à formação de pessoal ligado à Saúde da República Popular da China. Temos vindo a desenvolver um trabalho com o Centro de Formação de Línguas para a Saúde de Chengdu e agora demos um novo passo. É nossa intenção abrir um centro de Língua Portuguesa em Chengdu com o apoio do Fórum Macau e também começar a receber depois, para um nível intermediário e para um nível avançado de formação linguística, formandos de toda a China mas centrados em Chengdu, e aqui em Macau. Portanto haverá uma deslocação. Prevemos entre 20 a 40 formandos anualmente que se desloquem a Macau para este aprofundamento linguístico. Falamos de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde e técnicos de planeamento familiar.

Isto requer uma formação diferente por parte dos docentes?

JCR - Exactamente. Temos docentes no IPOR que estão já habilitados para dar formação de língua portuguesa para fins específicos e nessas diversas áreas temos a linguagem jurídica, económica e também a médica. Aliás, estão a decorrer, em colaboração entre a Universidade de Macau e o IPOR, cursos de formação para agentes da saúde em língua portuguesa. Temos esse “know-how”, temos esses especialistas, vamos aproveitá-los também para este tipo de formação que nos é solicitada num centro de referência em toda a China.

Vai implicar a deslocação dos alunos a Macau ou também de docentes até lá?

JCR - As duas dimensões. Enviaremos formadores de formadores de Macau para Chengdu, que farão formação dos professores de Português locais – quer a um nível de actualização pedagógica, quer de actualização de conteúdos. E depois, quando vierem os formandos para Macau, a ideia é, na medida do possível e daquilo que o contexto permite, tentar envolver outras entidades, de tal forma que o contacto com a língua portuguesa seja tão extenso quanto possível. Gostávamos de que a formação efectiva tivesse início no próximo ano.

O Laboratório de Línguas, inaugurado aquando da visita do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, tem sido uma mais-valia?

JCR - É utilizado numa base quase diária. Os professores do IPOR, sempre que o entendam, solicitam o uso do laboratório para a estratégia que delinearam para uma determinada sessão lectiva. É efectivamente uma mais-valia em termos de desenvolvimento quase personalizado do ensino, não vamos dizer ensino um para um, porque isso de facto não existe neste contexto, mas podemos falar na capacidade de ir ao encontro das necessidades específicas de um aluno, enquanto o do lado desenvolve outras que são aquelas em que há mais necessidade e tudo isto coordenado por um professor. Depois também permite uma coisa de extrema importância: ter material, até gravado, que permita ao professor avaliar-se e ver como é que vai ajustar a próxima sessão lectiva. Há imensas valências no laboratório e está a ser usado dentro daquilo que era esperado.

O que significa, na prática, ter uma antena do IPOR em Pequim?

JCR - Em Pequim tem havido uma procura muito grande – aliás, é transversal aqui à região – pela língua portuguesa, o que esperamos fazer é o seguinte: dar resposta àquilo que já é a demanda local, dar a conhecer a existência de um centro altamente qualificado para a formação em língua portuguesa, expandir a certificação e fazer acompanhar toda esta dinâmica de uma acção cultural externa concreta que dê apoio, por um lado, à embaixada em Pequim – até no contexto da importância das relações entre Portugal e a China – e por outro, para sustentar a formação de língua com um substrato de acção cultural, que facilitará, até, a própria aprendizagem.

Qual a importância deste substrato cultural na aprendizagem do Português?

JCR - Olhe, por exemplo, para os nossos provérbios, as frases feitas. Todos esses elementos linguísticos que usamos com enorme facilidade, sem pensar, são culturalmente determinados. Países diferentes – mesmo países de língua portuguesa – têm determinações culturais diferentes. Ter “uma fome de lobo” é ter tanta fome como ter “uma fome de leão”. Mas o referencial cultural não é o mesmo. Imagine uma pessoa da China que quer fazer uma tradução e precisa de um referencial cultural, que para nós é automático. Quem aprende uma língua tem de abrir esta porta. A cultura é absolutamente essencial.

Qual a sua visão acerca do futuro da língua portuguesa em Macau?

JCR - Tenho uma visão muito positiva e não sou exactamente um vivente do mundo onírico. Tem sido constante a evolução da procura pelo Português em Macau. O mesmo está a acontecer em crescendo em Hong Kong e, portanto, não tenho razões rigorosamente nenhumas para achar que a língua portuguesa tem que ter medo do futuro e não tem de ter medo do futuro sobretudo em Macau. Há uma dimensão cultural e afectiva de tal maneira forte que a língua portuguesa é mais um instrumento aqui e, portanto, não vejo necessidade nenhuma de recear o futuro.

Crê que esta procura em Hong Kong poderá ser motivada pelo clima que se vive?

JCR - Não vejo que a agitação social tenha directamente a ver com o aumento da procura pela língua portuguesa porque, antes desta situação – própria de uma comunidade viva – a língua portuguesa já estava em crescimento. A primeira vez que fui a Hong Kong tive esse “feedback” de entidades associativas que lidam, de alguma maneira, com a comunidade portuguesa lá e não sinto que haja uma ligação directa. Pode haver, eventualmente, um resultado adicional, mas não vejo que seja o grande núcleo. De tal maneira acho isto que, se olharmos para uma dimensão maior, por exemplo, no contexto da Grande Baía, esse crescimento também se verifica noutras cidades, como Shenzhen e Zhuhai. Penso que terá mais a ver com expectativas de investimento, relacionadas com actividade económica.

A procura pelo Português está a crescer em vários pontos da China e o IPOR está, de certa forma, a expandir-se…

JCR - Não ponha as coisas dessa maneira. O IPOR está a tentar dar resposta àquilo que é a confiança que têm depositado em nós. Não diria que há uma tentativa ou uma dimensão de expansão. O que entendo que há aqui é um estreitar de relações – que não são de hoje – e é muito importante garantirmos aos nossos parceiros e a quem nos procura que o que fazemos é a prestação de serviços de qualidade. Se as pessoas continuam a procurar-nos porque têm essa percepção, o mínimo que podemos fazer é explorar os recursos que temos para dar resposta a esse nível. Se essa intervenção é necessária em Pequim, Chengdu, Macau ou noutras áreas, pois é para aí que iremos se nos convidarem.

Existe algum investimento que o IPOR tenha de fazer, por exemplo, ao nível de docentes?

JCR - Este ano tem sido um ano de investimentos a todos os níveis. Fizemos um investimento muito forte na área tecnológica, o laboratório de línguas é apenas um dos exemplos, mas estamos também a renovar todo o nosso parque informático. Estamos a trabalhar também numa plataforma de ensino à distância mais sólida e dividida por público alvo. Faremos um trabalho na área da biblioteca, que necessita de uma actualização a nível de arquivo, digitalização e também acesso às obras. Acabámos agora de fechar um processo de recrutamento internacional em que foram contratados três professores, portanto a nível de recursos humanos também penso que estamos estabilizados. Quanto ao número de alunos, nos cursos para fins específicos notamos um crescimento. E onde temos assistido de facto a um crescimento enorme é na procura pelas oficinas de língua portuguesa para crianças e jovens – entre os seis e os 14 anos. Quase uma duplicação. Estamos neste momento a tentar encontrar docentes com formação especifica para crianças para podermos dar resposta. Isto para já não é um problema, mas se se continuar a verificar esta situação temos de rever o paradigma porque ensinar para alunos de seis e sete anos não é o mesmo que ensinar para adultos de 35.

Esse aumento surpreendeu-o?

JCR - No contexto do aumento que se tem vindo a verificar, deveria dizer que não. Agora, a nível da quantidade em concreto de pedidos, estamos a falar quase de uma duplicação, falamos pela centena de alunos. Não esperava este salto. E estamos a falar de todo o tipo de interessados, desde a comunidade chinesa, à macaense e portuguesa. É absolutamente transversal.

O que poderá motivar a procura?

JCR - A nível mundial, a língua portuguesa tem sido vista nos últimos anos como efectivamente uma língua global e acho que isso é perceptível pelas pessoas. Abre imensos mundos em todos os continentes, penso que estará aí o segredo. Para os mais velhos será a necessidade do investimento e a diversificação económica, para os mais jovens, talvez por influência dos pais, nesta visão de futuro do que já é e pode vir a ser a língua portuguesa.

Ao nível das instituições de ensino de línguas em Macau, nota cooperação ou distanciamento?

JCR - Sinto que há uma cooperação definitivamente. Exemplo disso é a consolidação que já existia com o Instituto Politécnico de Macau, inclusivamente com o Centro Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa, até ao nível da investigação. Trabalhamos também com outras entidades, portanto não sinto de facto um distanciamento. Há uma percepção de que não estamos exactamente em concorrência. O que se verifica é que as pessoas percebem que lidar com a língua portuguesa tem uma exigência altamente especializada e estão a trabalhar no sentido daquilo que são as suas características mais fortes, aprofundar essas características e disponibilizarem esses serviços nas áreas em que são mesmo bons à comunidade. Cada uma destas instituições em Macau tem um campo específico e não precisa de entrar num conceito de concorrência, daí a relação de colaboração que existe. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”

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