Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Macau – Início do novo ano lectivo na Escola Portuguesa de Macau

O ano lectivo arrancou na Escola Portuguesa de Macau (EPM). Muitas crianças pareciam entusiasmadas com o regresso a um espaço que já lhes é familiar e com o reencontro com os amigos. No entanto, para aqueles que começam agora o seu percurso escolar, o dia trouxe um misto de emoções e muito nervosismo, sobretudo para os que não têm o Português como língua materna



O som de passos em correria e exclamações alegres em tons de voz fininhos, entusiasmados, que se ouvia ainda antes de entrar na Escola Portuguesa de Macau (EPM) são prova inequívoca de que começaram as aulas. Mas, se para aqueles que já conhecem o estabelecimento de ensino o dia foi um alegre regresso a um espaço familiar e aos amigos, para quem está apenas a dar os primeiros passos numa escola nova e num processo de aprendizagem diferente do que tiveram até aí, a chegada à EPM trouxe nervosismo e timidez.

Numa das salas do primeiro ano de escolaridade estavam pouco mais de dezena e meia de crianças. Algumas nervosas, outras conversadoras. Todas tendiam a olhar em redor à procura de algo que lhes fosse familiar, semelhante àquilo que encontravam nas salas dos estabelecimentos de ensino onde estiveram até então. Também reparam nos colegas novos, que terão pelo menos um ano inteiro para conhecer.

Os desafios tornam-se ainda maiores para as crianças que não têm o Português como língua materna, que, como o presidente da direcção da EPM já tinha dito, correspondem a 75% dos alunos que entraram para o primeiro ciclo.

Xanda está incluída neste grupo. Vem de uma escola luso-chinesa e foi ontem a primeira vez que entrou na EPM. Não fala Português. “É a primeira vez que estou nesta escola. Não conheço. Queria que os meus pais ficassem e chorei”, contou ao Jornal Tribuna de Macau. No momento em que decorreu a curta conversa, ainda não conseguia dizer se gostava de lá estar.

Apesar de haver noutras turmas da EPM crianças que a acompanharam durante o período do jardim de infância, mostra-se tímida e diz que voltará a chorar quando a mãe a deixar novamente na escola.

Já Ikei Wong, apesar de se mostrar tímido, parece mais à vontade no ambiente que o rodeia. Sentado numa das secretárias dispostas em formato de meia lua, explica que já sabe uma ou outra palavra em Português. “Bom dia, boa tarde, quero fazer xixi”. Na mesa atrás da sua, outro menino repete essas palavras três vezes.

Ikei Wong diz estar contente com a escola e que não chorou. “Gosto da paisagem da escola, dos bonecos, dos livros, da sala. Também gosto do pátio e de jogar futebol, mas está muito sol”, explicou.

Numa das secretárias da fila de trás estava Liam. O Inglês é a sua língua materna. Quer saber Português para conseguir acompanhar o que aprende na escola. “Ainda não sei nada”, indicou.

Também quer aprender Chinês. “Já aprendi um bocadinho na minha escola chinesa, mas não o suficiente. Consigo falar só um bocadinho. Por exemplo, sei dizer ‘tai’, que significa ‘grande’, e ‘siu’, pequeno”.

Depois desta explicação, calou-se por alguns segundos. O olhar, sempre sério. “O que me deixa triste é a minha mãe, porque já se foi embora”. Questionado sobre se tem saudades da mãe quando está na escola, Liam assente com a cabeça.

“Também fico um bocadinho tímido porque não conheço ninguém. Conheço um amigo meu, que joga à bola comigo, e também está cá na escola”, contou.

Embora a língua possa ser um desafio no que respeita à integração, falar Português não significa necessariamente maior descontracção no primeiro dia de aulas.

Ainda que conversador com alguns dos colegas, questionado sobre as primeiras impressões da escola nova, Miguel é rápido e conciso: “a escola é bonita. Gosto muito da escola e estou muito ansioso para aprender a ler”.

Inês também foi poupada nas palavras. Diz gostar de tudo na escola mas admite estar nervosa porque é o primeiro dia e só conhece uma colega, que já tinha estado no mesmo estabelecimento de ensino que ela durante o jardim de infância.

No entanto, deixa um reparo. Apesar da escola ser “mais gira”, “não tem brinquedos, só livros”.

EPM no “limite”

A EPM arranca o ano lectivo 2019/2020 com 618 alunos, um volume que exigiu algumas intervenções. “Uma delas foi a mudança de uma sala de informática que funcionava na ala do primeiro ciclo que foi transferida para a ala nova, por forma a criar mais uma turma de primeiro ciclo”, explicou o presidente da direcção.

“Houve outras alterações, melhoramentos. O campo de jogos foi renovado, os ares condicionados no terceiro e no quarto piso desta ala também foram substituídos, foram feitas obras ao nível do chão, de luzes, pequenas grandes coisas que têm de ser feitas porque um estabelecimento de ensino é um edifício com uso, que sofre bastante desgaste, portanto, precisa todos os anos de obras de reparação”, acrescentou Manuel Machado.

Com estas intervenções, “atingimos o limite de ocupação”. “Os espaços estão todos ocupados. Não são as salas normais que estão ocupadas são também outros espaços”, indicou o responsável. Em particular, Manuel Machado mencionou os espaços para a prática de exercício físico. “O ginásio e o campo de jogos são o que são. Com o aumento do número de turmas não temos mais espaços para a prática da educação física. Quer o ginásio, quer o campo de jogos, quer os espaços exteriores, já estão destinados à prática de educação física por parte de certas turmas, porque esta é a realidade”.

Até ao final da manhã estava “a correr muito bem” o primeiro dia de aulas. “Recebemos as crianças do primeiro ciclo que estão já com os seus professores durante toda a manhã. Recebemos os alunos do quinto ano ao décimo segundo, demos algumas informações, cumprimentamos, desejámos um bom ano, e depois vão ser recebidos pelos directores de turma”, explicou.

Na altura em que Manuel Machado falou com este jornal, ainda era cedo para perceber como estava a ser a integração dos meninos recém-chegados à escola, em particular dos que não falam Português em casa. No entanto, “a direcção trabalhou com os professores do primeiro ciclo, mais concretamente do primeiro ano, no sentido de estabelecer estratégias, não só a curto prazo, mas também a longo prazo, por forma a ajudar a superar as dificuldades linguísticas que apresentem”, garantiu.

Manuel Machado voltou a frisar que a grande mudança este ano tem a ver com a publicação do decreto-lei 55/2018, em Portugal, que implica uma nova organização curricular e matrizes no ensino básico e secundário em Portugal.

“As diferenças mais significativas prendem-se fundamentalmente com uma nova distribuição da carga horária no que diz respeito a certas disciplinas. Foi-nos possível integrar no currículo determinados projectos que estavam em curso durante alguns anos aqui na EPM, nomeadamente a oficina de filosofia, de leitura, de ciências experimentais. Eram projectos que desenvolvíamos a par da actividade lectiva e que agora pudemos incorporar no currículo”, recordou Manuel Machado.

A vertente ligada à Filosofia é da responsabilidade de docentes como Elsa Botão Alves e Sandra Fonseca que ao Jornal Tribuna de Macau explicaram que até agora o trabalho era desenvolvido com todas as turmas até ao nono ano de escolaridade, inseridas nas aulas de Português.

“Esta mudança é um trabalho de reforço nas capacidades de pensamento dos alunos. O que se pretende com a filosofia para as crianças não é propriamente ensinar história da filosofia nem algum filósofo em particular, mas sim trabalhas as capacidades de pensamento dos alunos, ou seja, a capacidade de exemplificar, justificar, argumentar e contra-argumentar, saber ouvir o outro”, explicou Sandra Fonseca.

Basicamente, as docentes reúnem os alunos na biblioteca, em círculo, e escolhem um tema que pode ir desde o que é o amor, à amizade. “As questões que são levantadas em cada uma das sessões são formuladas pelos próprios alunos a partir de um estímulo que é sempre o ponto de partida para a sessão: uma palavra, ou até pode ser um texto literário, uma imagem ou uma pergunta”, sublinhou Elsa Botão Alves.

“Esta metodologia da filosofia para crianças assenta em quatro pontos muito claros que é o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo, colaborativo, e de cuidado pelo outro. Todas estas capacidades são desenvolvidas através do diálogo oral em cada uma das sessões e são trabalhadas conjuntamente no grupo”, acrescentou.

Inclusão e sucesso

Manuel Machado referiu ainda a questão da disciplina de educação cívica e desenvolvimento que “cruza aquilo que é também uma pretensão da reforma curricular em curso na RAEM e a reforma em Portugal”. “Essa disciplina é implementada e atravessa todos os anos de escolaridade”.

Este ano, recorda o presidente da direcção, haverá uma alteração nos tempos lectivos, que tinham a duração de 90 minutos e passam a durar 50 minutos. “Mais do que isto, em termos de filosofia subjacente a esta implementação de reforma, ela tem a ver com aquilo que é designado como as competências que os alunos devem adquirir à saída da escolaridade obrigatória”.

E Manuel Machado elabora. “Todos os alunos, à saída da escolaridade obrigatória, devem estar aptos a responder e a reagir a um conjunto de situações que fazem parte do perfil do aluno à saída do ensino secundário e que atravessam princípios, valores, conhecimentos, tudo o que faz parte do desenvolvimento integral do indivíduo”.

A filosofia por detrás do processo “tende a promover a inclusão e o sucesso”. Na verdade, a escola sempre aceitou alunos com as mais variadas características e promoveu sempre o sucesso dos seus alunos, tanto que as taxas de reprovação são residuais”.

Para a promoção da inclusão e do sucesso, “os professores de todas as disciplinas, de todos os ciclos, de todos os grupos disciplinares e departamentos, por ano de escolaridade, trabalharão em conjunto no sentido do tratamento a dar nos conteúdos programáticos das suas disciplinas ser trabalhado em conjunto e aquela compartimentação entre as disciplinas tender a reduzir-se significativamente”. Inês Almeida – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”

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