O ano lectivo arrancou na Escola
Portuguesa de Macau (EPM). Muitas crianças pareciam entusiasmadas com o
regresso a um espaço que já lhes é familiar e com o reencontro com os amigos.
No entanto, para aqueles que começam agora o seu percurso escolar, o dia trouxe
um misto de emoções e muito nervosismo, sobretudo para os que não têm o
Português como língua materna
O
som de passos em correria e exclamações alegres em tons de voz fininhos,
entusiasmados, que se ouvia ainda antes de entrar na Escola Portuguesa de Macau
(EPM) são prova inequívoca de que começaram as aulas. Mas, se para aqueles que
já conhecem o estabelecimento de ensino o dia foi um alegre regresso a um
espaço familiar e aos amigos, para quem está apenas a dar os primeiros passos
numa escola nova e num processo de aprendizagem diferente do que tiveram até
aí, a chegada à EPM trouxe nervosismo e timidez.
Numa
das salas do primeiro ano de escolaridade estavam pouco mais de dezena e meia
de crianças. Algumas nervosas, outras conversadoras. Todas tendiam a olhar em
redor à procura de algo que lhes fosse familiar, semelhante àquilo que encontravam
nas salas dos estabelecimentos de ensino onde estiveram até então. Também
reparam nos colegas novos, que terão pelo menos um ano inteiro para conhecer.
Os
desafios tornam-se ainda maiores para as crianças que não têm o Português como
língua materna, que, como o presidente da direcção da EPM já tinha dito,
correspondem a 75% dos alunos que entraram para o primeiro ciclo.
Xanda
está incluída neste grupo. Vem de uma escola luso-chinesa e foi ontem a
primeira vez que entrou na EPM. Não fala Português. “É a primeira vez que estou
nesta escola. Não conheço. Queria que os meus pais ficassem e chorei”, contou
ao Jornal Tribuna de Macau. No momento em que decorreu a curta conversa, ainda
não conseguia dizer se gostava de lá estar.
Apesar
de haver noutras turmas da EPM crianças que a acompanharam durante o período do
jardim de infância, mostra-se tímida e diz que voltará a chorar quando a mãe a
deixar novamente na escola.
Já
Ikei Wong, apesar de se mostrar tímido, parece mais à vontade no ambiente que o
rodeia. Sentado numa das secretárias dispostas em formato de meia lua, explica
que já sabe uma ou outra palavra em Português. “Bom dia, boa tarde, quero fazer
xixi”. Na mesa atrás da sua, outro menino repete essas palavras três vezes.
Ikei
Wong diz estar contente com a escola e que não chorou. “Gosto da paisagem da
escola, dos bonecos, dos livros, da sala. Também gosto do pátio e de jogar
futebol, mas está muito sol”, explicou.
Numa
das secretárias da fila de trás estava Liam. O Inglês é a sua língua materna.
Quer saber Português para conseguir acompanhar o que aprende na escola. “Ainda
não sei nada”, indicou.
Também
quer aprender Chinês. “Já aprendi um bocadinho na minha escola chinesa, mas não
o suficiente. Consigo falar só um bocadinho. Por exemplo, sei dizer ‘tai’, que
significa ‘grande’, e ‘siu’, pequeno”.
Depois
desta explicação, calou-se por alguns segundos. O olhar, sempre sério. “O que
me deixa triste é a minha mãe, porque já se foi embora”. Questionado sobre se
tem saudades da mãe quando está na escola, Liam assente com a cabeça.
“Também
fico um bocadinho tímido porque não conheço ninguém. Conheço um amigo meu, que
joga à bola comigo, e também está cá na escola”, contou.
Embora
a língua possa ser um desafio no que respeita à integração, falar Português não
significa necessariamente maior descontracção no primeiro dia de aulas.
Ainda
que conversador com alguns dos colegas, questionado sobre as primeiras
impressões da escola nova, Miguel é rápido e conciso: “a escola é bonita. Gosto
muito da escola e estou muito ansioso para aprender a ler”.
Inês
também foi poupada nas palavras. Diz gostar de tudo na escola mas admite estar
nervosa porque é o primeiro dia e só conhece uma colega, que já tinha estado no
mesmo estabelecimento de ensino que ela durante o jardim de infância.
No
entanto, deixa um reparo. Apesar da escola ser “mais gira”, “não tem
brinquedos, só livros”.
EPM no “limite”
A
EPM arranca o ano lectivo 2019/2020 com 618 alunos, um volume que exigiu
algumas intervenções. “Uma delas foi a mudança de uma sala de informática que
funcionava na ala do primeiro ciclo que foi transferida para a ala nova, por
forma a criar mais uma turma de primeiro ciclo”, explicou o presidente da
direcção.
“Houve
outras alterações, melhoramentos. O campo de jogos foi renovado, os ares
condicionados no terceiro e no quarto piso desta ala também foram substituídos,
foram feitas obras ao nível do chão, de luzes, pequenas grandes coisas que têm
de ser feitas porque um estabelecimento de ensino é um edifício com uso, que
sofre bastante desgaste, portanto, precisa todos os anos de obras de
reparação”, acrescentou Manuel Machado.
Com
estas intervenções, “atingimos o limite de ocupação”. “Os espaços estão todos
ocupados. Não são as salas normais que estão ocupadas são também outros
espaços”, indicou o responsável. Em particular, Manuel Machado mencionou os
espaços para a prática de exercício físico. “O ginásio e o campo de jogos são o
que são. Com o aumento do número de turmas não temos mais espaços para a
prática da educação física. Quer o ginásio, quer o campo de jogos, quer os
espaços exteriores, já estão destinados à prática de educação física por parte
de certas turmas, porque esta é a realidade”.
Até
ao final da manhã estava “a correr muito bem” o primeiro dia de aulas.
“Recebemos as crianças do primeiro ciclo que estão já com os seus professores
durante toda a manhã. Recebemos os alunos do quinto ano ao décimo segundo,
demos algumas informações, cumprimentamos, desejámos um bom ano, e depois vão
ser recebidos pelos directores de turma”, explicou.
Na
altura em que Manuel Machado falou com este jornal, ainda era cedo para
perceber como estava a ser a integração dos meninos recém-chegados à escola, em
particular dos que não falam Português em casa. No entanto, “a direcção
trabalhou com os professores do primeiro ciclo, mais concretamente do primeiro
ano, no sentido de estabelecer estratégias, não só a curto prazo, mas também a
longo prazo, por forma a ajudar a superar as dificuldades linguísticas que
apresentem”, garantiu.
Manuel
Machado voltou a frisar que a grande mudança este ano tem a ver com a
publicação do decreto-lei 55/2018, em Portugal, que implica uma nova
organização curricular e matrizes no ensino básico e secundário em Portugal.
“As
diferenças mais significativas prendem-se fundamentalmente com uma nova
distribuição da carga horária no que diz respeito a certas disciplinas. Foi-nos
possível integrar no currículo determinados projectos que estavam em curso
durante alguns anos aqui na EPM, nomeadamente a oficina de filosofia, de
leitura, de ciências experimentais. Eram projectos que desenvolvíamos a par da
actividade lectiva e que agora pudemos incorporar no currículo”, recordou
Manuel Machado.
A
vertente ligada à Filosofia é da responsabilidade de docentes como Elsa Botão
Alves e Sandra Fonseca que ao Jornal Tribuna de Macau explicaram que até agora
o trabalho era desenvolvido com todas as turmas até ao nono ano de
escolaridade, inseridas nas aulas de Português.
“Esta
mudança é um trabalho de reforço nas capacidades de pensamento dos alunos. O
que se pretende com a filosofia para as crianças não é propriamente ensinar
história da filosofia nem algum filósofo em particular, mas sim trabalhas as
capacidades de pensamento dos alunos, ou seja, a capacidade de exemplificar,
justificar, argumentar e contra-argumentar, saber ouvir o outro”, explicou
Sandra Fonseca.
Basicamente,
as docentes reúnem os alunos na biblioteca, em círculo, e escolhem um tema que
pode ir desde o que é o amor, à amizade. “As questões que são levantadas em
cada uma das sessões são formuladas pelos próprios alunos a partir de um
estímulo que é sempre o ponto de partida para a sessão: uma palavra, ou até
pode ser um texto literário, uma imagem ou uma pergunta”, sublinhou Elsa Botão
Alves.
“Esta
metodologia da filosofia para crianças assenta em quatro pontos muito claros
que é o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo, colaborativo, e de
cuidado pelo outro. Todas estas capacidades são desenvolvidas através do
diálogo oral em cada uma das sessões e são trabalhadas conjuntamente no grupo”,
acrescentou.
Inclusão e sucesso
Manuel
Machado referiu ainda a questão da disciplina de educação cívica e
desenvolvimento que “cruza aquilo que é também uma pretensão da reforma
curricular em curso na RAEM e a reforma em Portugal”. “Essa disciplina é
implementada e atravessa todos os anos de escolaridade”.
Este
ano, recorda o presidente da direcção, haverá uma alteração nos tempos
lectivos, que tinham a duração de 90 minutos e passam a durar 50 minutos. “Mais
do que isto, em termos de filosofia subjacente a esta implementação de reforma,
ela tem a ver com aquilo que é designado como as competências que os alunos
devem adquirir à saída da escolaridade obrigatória”.
E
Manuel Machado elabora. “Todos os alunos, à saída da escolaridade obrigatória,
devem estar aptos a responder e a reagir a um conjunto de situações que fazem
parte do perfil do aluno à saída do ensino secundário e que atravessam
princípios, valores, conhecimentos, tudo o que faz parte do desenvolvimento
integral do indivíduo”.
A
filosofia por detrás do processo “tende a promover a inclusão e o sucesso”. Na
verdade, a escola sempre aceitou alunos com as mais variadas características e
promoveu sempre o sucesso dos seus alunos, tanto que as taxas de reprovação são
residuais”.
Para
a promoção da inclusão e do sucesso, “os professores de todas as disciplinas,
de todos os ciclos, de todos os grupos disciplinares e departamentos, por ano
de escolaridade, trabalharão em conjunto no sentido do tratamento a dar nos
conteúdos programáticos das suas disciplinas ser trabalhado em conjunto e
aquela compartimentação entre as disciplinas tender a reduzir-se
significativamente”. Inês Almeida –
Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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