É de madrugada que a lusodescendente Marguerite Stern e
outras mulheres colam os slogans de alerta. "Ela deixa-o, ele mata-a"
Um
dos bairros de Paris tem desde ontem vários cartazes, escritos em português,
numa ação de rua contra a violência sobre as mulheres, uma iniciativa do
movimento "Collages Feminicides", que tem feito este tipo de ações
ilegais nas ruas.
A
ideia de colar os cartazes em português, a par do francês e outras línguas já
usadas, partiu de Marguerite Stern, filha de pai português.
"Eu
deixei o Femen [movimento feminista onde as militantes pintam os seus corpos],
em 2015, fui viver para Marselha, uma cidade violenta para uma mulher e deixei
de lado a militância. Mas depois acabei por perder o meu trabalho por causa das
minhas convicções e tive a ideia das folhas A4 com estes slogans. Comecei a
fazer isto sozinha e quando me mudei para Paris tinha este espaço livre e
decidi pô-lo à disposição de outras mulheres", disse Stern em declarações
à Lusa.
"Ela deixa-o, ele mata-a"
O
movimento, constituído por mulheres que pintam e colam slogans sobre a
violência cometida contra as mulheres pelas ruas de Paris, tem ganho destaque
nas redes sociais pelas frases fortes que tem espalhado pelos muros de Paris
como "Não queremos mais contar os nossos mortos" ou "Ela
deixa-o, ele mata-a”.
"E
em português?". Foi no meio de uma reunião de coordenação que surgiu a
ideia e ontem de madrugada foi a primeira ação de rua, acompanhada pela Lusa.
100º femicídio do ano em França
A
mudança de Marguerite Stern para Paris coincidiu com o 100.º femicídio do ano
em França, um número que foi divulgado no final de agosto e mostra que em 2019
o número de mulheres mortas pelos seus companheiros ou ex-companheiros pode
voltar a subir no país.
Coincidiu
também com a abertura de um debate alargado promovido pelo Governo entre as
autoridades e várias associações para estudar a melhor forma de combater a
violência contra as mulheres.
Investir na formação da polícia
Para
esta ativista lusodescendente, a iniciativa do Governo é "ridícula"
porque a solução é simples e está identificada, segundo os ativistas: investir
cerca de mil milhões de euros para resolver o problema da violência, com
investimento na formação da polícia, acompanhamento jurídico e educação.
Regularmente,
num sótão de um prédio no 14º bairro, há diariamente mulheres que pintam frases
em letras "brutas" durante a tarde e, ao cair da noite, partem para
colá-las em todos os recantos de Paris.
150 voluntárias em duas semanas
A
participação é informal e o projeto cresceu amplificado pelas redes sociais,
especialmente através da rede social Instagram. Desde o início de setembro, quando
o coletivo ganhou força, já passaram por aqui cerca de 150 voluntárias em duas
semanas.
"Vocês
sabem todas que isto é ilegal, certo?", perguntou, a dado momento,
Marguerite ao grupo de 15 mulheres que vieram ter ao sótão na tarde em que a
Lusa acompanhou o coletivo. Depois de pintados os slogans que ficam a secar
para o dia seguinte, as estreantes têm um pequeno curso de como colar e onde
colar, mas também como reagir caso sejam abordadas pela polícia.
Desobediência como meio de resistência
Até
agora, a polícia nacional tem sido "simpática", mas a polícia
municipal já aplicou coimas a dois grupos (cerca de 68 euros por cada pessoa
apanhada a colar cartazes em zonas interditas).
"Colem
só em sítios onde se sentem confortáveis. É normal terem medo, mesmo que
estejamos a fazer uma coisa certa", reforçou Stern ao grupo.
As
consequências destas colagens ilegais não assustam Luísa Semedo. Conselheira
das Comunidades Portuguesas, esta portuguesa voluntariou-se para ajudar o
coletivo através das redes sociais e afirma que a desobediência civil se tornou
um meio de resistência.
"O machismo mata todos os dias"
"Não
tenho medo nenhum. Chega a um momento em que a injustiça é tal que a
desobediência civil é um dever. Quando se sente que os poderes públicos não
estão a tratar de uma causa que é urgente quer dizer que alguma coisa está mal
e já não se vai lá com palavras", explicou Luísa Semedo, que passou ao
coletivo as frases "O machismo mata todos os dias" e "Nem uma
mais" em português que agora fazem parte da paisagem urbana parisiense.
A
portuguesa espera que esta ação seja replicada em Portugal - como já está
aconteceu na Turquia e outras cidades francesas: "Acho que é perfeitamente
possível porque ainda é uma questão importante em todos os países".
E
é por isso que o coletivo tem insistido em frases em diversas línguas como o
inglês, espanhol, alemão ou turco, assim como a localização das colagens.
Envergonhar Macron
Depois
de já terem colado frases nas Pirâmides do Museu do Louvre, o coletivo quer
continuar a inundar o centro da cidade, onde milhares de turistas tiram
fotografias diariamente.
"Temos
de envergonhar o Macron a nível internacional, só assim é que ele vai fazer
alguma coisa", debatem.
Para
além das mortes de mulheres em situação de violência doméstica, que já vão em
106, há cerca de 95 mil mulheres vítimas de violação ou tentativa de violação
em França - apenas cerca de 10% apresenta queixa. No mesmo período, 219 mil são
vítimas de violência doméstica.
Com
as equipas divididas entre os bairros mais turísticos, cada grupo de 3 ou 4
mulheres saiu munido com alguns cartazes e cola de parede, acessórios que são
visíveis para que as vê.
"Estou do vosso lado, sou casado"
"Eu
acho bem o que estão a fazer. Não sei se representa a realidade completa, mas
acho que é algo que não deve ser silenciado. Eu estou do vosso lado, sou
casado!", comentou um passageiro do metro.
O
terceiro bairro de Paris, onde foram colados os cartazes em português, é
noctívago e o principal bastião da comunidade homossexual.
A
escolha dos muros é aleatória. Quem passa tira fotografias, fica a ler as
mensagens até estarem completamente coladas e várias pessoas dizem
"obrigado" ou "bravo" a quem está a colar.
Há violência na minha casa
O
apoio é importante para Maïwenn, que vê nesta ação um significado mais
profundo: "A violência acontece na minha casa. Quando ele não está
contente, quem sofre é mais a minha mãe, mas eu também”.
A
família de Maïwenn é anónima, mas cada vez mais famílias de vítimas de
femicídio têm pedido ao coletivo mensagens personalizadas para homenagear as
mulheres que perderam.
A
família de Françoise, uma sexagenária morta pelo marido em dezembro de 2016, em
Malo-les-Bains não hesitou. A frase "Françoise, morta pelo marido a
18.12.2016, ela faz-nos falta" vai ser colada brevemente num muro em
Paris. In “Contacto” – Luxemburgo com “Lusa”
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