As
chuvas e inundações no Rio Grande do Sul permitem, com suas repercussões nas
redes sociais, uma avaliação do nível de conscientização das mudanças
climáticas em setores diversos da população face ao negacionismo de muitos
influenciadores da opinião pública, alguns com função executiva.
Bem
ilustrativo foi o debate proposto pelo canal Youtube Opera Mundi, sob o título
Desastre ambiental ou catástrofe, reunindo especialistas, cujo ponto forte é o
momento em que Valério Arcary, professor no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo, se
refere às declarações do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, de que
as atuais inundações no Rio Grande do Sul são consequência de um "evento
inesperado".
Essas
declarações, diz o professor, são de um grau de "irresponsabilidade
imperdoável", citando o Primeiro relatório de avaliação nacional do painel
brasileiro de mudanças climáticas de 2013, ou seja previsões feitas há onze
anos, alertando para a incidência de um excesso de chuvas no sul do Brasil, em
consequência das mudanças climáticas. Não se trata, portanto, de um evento
inesperado ou imprevisível.
A
irresponsabilidade do governador é também decorrente, segundo o professor, do
fato de ignorar uma situação mundial e alertas constantes de estudos divulgados
há mais de três décadas e constantes de uma conferência da ONU no Rio de
Janeiro. Não se trata, portanto, de algo lamentável e imprevisível. O
aquecimento global é uma tragédia provocada pela forma que assumiu o
capitalismo contemporâneo.
O
Brasil já vive, portanto, uma situação de transição climática responsável por
secas na região amazônica e por chuvas torrenciais na região sul do Brasil, com
consequências devastadoras que atingem a vida de milhões de pessoas. Impossível
agora continuar com o discurso negacionista do governo anterior e atribuir ao
acaso, uma situação para a qual países europeus já estão se prevenindo.
Não
é mais o momento de tranquilizar a população, enfatiza o professor, mas de se
alertar para o risco da vida civilizada ser ameaçada se continuar o mesmo
sistema. A acusação é importante, muita gente talvez comece a pensar ter sido
possível prevenir a atual catástrofe, porém é capaz de ser inócua a admoestação
para se evitar que tudo se repita dentro de alguns meses ou a cada ano.
A
prevenção não é o forte das administrações brasileiras, muito menos no que se
refere às mudanças climáticas ignoradas ou negadas pela maioria dos dirigentes
executivos desde o presidente Temer ao fim dos quatro anos bolsonaristas,
interessados num aumento constante da produção e lucros, agredindo a natureza,
sempre que fosse preciso. O exemplo maior tem sido o desflorestamento na
Amazônia para a plantação de soja e criação de gado para exportações.
Ainda
agora com a catástrofe sulina, capaz de tornar inviável a habitação, durante
algumas semanas ou meses, em muitos municípios, é prematuro se imaginar os
grupos agropecuaristas, petrolíferos, imobiliários, petroleiros,
automobilísticos aceitarem diminuir sua expansão.
Ao
contrário, as informações do prof. Valério Arcary são de que o governador
Eduardo Leite reduziu para 10% o total das dotações antes destinadas à proteção
do meio ambiente gaúcho, restringindo a apenas 16 funcionários o setor
encarregado de garantir e supervisionar o equilíbrio ambiental e de planificar
obras necessárias para se contrapor ao excesso de chuvas com temporais
decorrentes da mudança climática.
A
responsabilização do governador Eduardo Leite pela catástrofe no Rio Grande do
Sul é corroborada pelo diretor da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente
Natural, Francisco Milanez - o governador destruiu o Código Ambiental, informou
a Rede Brasil Atual. Já no primeiro ano como governador, segundo um
levantamento feito pela Folha de São Paulo, Leite alterou cerca de 480 normas
do Código Ambiental estadual em consonância com a política de afrouxamento da
política ambiental brasileira incentivada pelo ex-ministro do Meio Ambiente do
governo Bolsonaro, Ricardo Salles, hoje deputado federal.
Leite
autorizou também a construção de barragens e açudes em áreas antes protegidas
para proporcionar alternativas de armazenamento de água destinada à agricultura
e pecuária em períodos de estiagem, medidas que afetam o fluxo natural da água,
segundo Francisco Milanez. Como se não bastasse, de acordo com Márcio Astrini,
do Observatório do Clima, 22 deputados federais gaúchos votaram, em 2021 na
Câmara Federal, por uma lei, no governo Bolsonaro, que flexibiliza normas e
dispensa da obtenção de licenciamento ambiental para diversas atividades,
aplicada, sem dúvida, no Rio Grande do Sul, em favor de certos grupos.
Houve
um desmatamento intensivo da vegetação nativa do pampa gaúcho. De acordo com
Mapbiomas, entre 1985 e 2022, as plantações de soja avançaram de 2,1 milhões de
hectares e as de pinus e eucalipto tiveram um aumento de 720 mil hectares.
Segundo Tales Tiecher, da UFRGS, o bioma gaúcho é o mais degradado do Brasil,
mais que o da Amazônia e o do Cerrado. Isso está provocando uma arenização do
pampa.
Ainda
de acordo com Márcio Astrini, o governador Leite ignorou alertas de
desastres." Além das inundações do ano passado, o Rio Grande Sul sofreu
com secas severas entre 2021 e 2022. Se o governador não acreditar agora nessa
questão de mudança climática, não sei quando acreditará". Rui Martins –
Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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