O artista multidisciplinar Djam Neguin faz a antestreia este fim de semana, 3 e 4 de Maio em Montemor-o-Novo, no Espaço do Tempo, do seu mais novo espectáculo AMI.LCAR.
Ami.lcar
é um espectáculo inspirado na vida e obra do pensador do anticolonialismo
africano, o guineense Amílcar Cabral. Num exercício de extensão do seu legado,
o artista Djam Neguin explora episódios da sua existência e da sua ideologia
emancipatória e ecológica, a partir do uso de dispositivos multimídia e da
inteligência artificial, tensionando o real e o virtual, o humano e o
pós-humano. O projeto visa a pesquisa e criação de um objeto artístico de
cruzamentos disciplinares.
Ami.lcar
desenvolve-se nos âmbitos das comemorações mundiais do Centenário de Amílcar
Cabral, que coincide com os 50 anos do 25 de Abril, e em 2025, o ano da
libertação das colónias. Assim, constitui-se como uma oportunidade de
reatualizar (sobretudo às novas gerações) o legado desta figura excecional de
pensamento político arrojado e de impacto histórico na ruptura definitiva com o
Estado colonial português e do impulso à preparação e à organização das lutas
emancipadoras que conduziram à libertação dos Povos de Angola, de Cabo Verde,
da Guiné-Bissau, de Moçambique e São Tomé e Príncipe.
É
o ensejo global adequado para rever o contributo de figuras, como Cabral, que
pugnaram por uma sociedade assente no ideário de liberdade e da dignidade de
toda a pessoa humana, em contexto de progresso solidário e justiça social, para
cuja construção, concorrem, de forma decisiva, a educação e as artes, por meio
de modelo decolonial e emancipatório.
Com
recurso à análise documental e bibliográfica, conversas e entrevistas, serão
apontados os momentos centrais da sua existência e principais ideologias e
feitos, como bussolares para a composição dramatúrgica.
Consequentemente,
o desafio estético (e inovador) será a reconstituição imagética de Cabral com
recurso aos softwares de Inteligência Artificial, por meio da composição
tridimensional virtual da sua figura. Com efeito, este servirá de base para
todo um design de cenários virtuais, que através da tecnologia VR, dispositivos
MetaGlasses, body e face tracking serão, posteriormente,
projetados em tempo real.
Desta
forma, concretiza-se uma das principais propostas desta criação: reafirmar a
importância de que criativos e techies africanos se devem apropriar das
novas tecnologias artísticas para contar as suas próprias narrativas, acompanhando
assim o progresso e as tendências tecnológicas planetárias.
Serão
eixos dramatúrgicos nucleares da performance a ser criada a incorporação das
valências agrónomas e epistemologias ecológicas de Cabral (que cursou agronomia
no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, motivado pelo problema da terra
e das fomes em Cabo Verde), a fim de reativar o debate sobre o desafio
existencial do nosso tempo, a crise ambiental pelas ações antropogénicas.
Para
tanto, é considerada a capacidade sinestética e privilegiada da arte para o
alcance e confrontação dos desafios centrais das sociedades contemporâneas, que
se encontram a meio de uma revolução tecnológica que se estabelece num modelo
predatório, pautada por capitalismo de consumo degenerativo extrativista.
Temperaturas extremas, alteração dos regimes de chuvas, derretimento de calotas
polares, elevação do nível dos oceanos, prejuízos biológicos, extinção de
biomas e espécies, precisam de ser pautas discutidas e promovidas pelos
criadores contemporâneos, num mundo que caminha rapidamente para disputas
violentas por recursos naturais e ativos biológicos estratégicos, como
alimentos, água e territórios, se não forem aceleradas as medidas de mitigação.
O
projeto estrutura-se na ponte com a tecnologia, usufruindo deste mecanismo de
rápida partilha para fazer uma viagem pelos valores de Amílcar Cabral e pelas
muitas causas partilhadas pelas nações africanas na luta anticolonialista
europeia.
É
prerrogativa maiúscula desta obra contrariar as operações amnésicas que ocultam o facto de que os detonadores do
25 de Abril de 1974 foram as guerras
anticoloniais desencadeadas na Guiné, Cabo-Verde, Angola e em Moçambique,
contribuindo decisivamente para a liquidação do fascismo em Portugal e a
derrocada do Estado Novo.
É
importante relembrar que foi em réplica à nova legislação que visava suprir a
falta de oficiais na frente de combate em África que, em Setembro de 1973, se
constitui o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas. A fase
conspirativa foi relativamente breve, dando lugar um célere procedimento de
politização do Movimento. Os sinais de que o fim do regime estava iminente,
perante a sua austeridade em manter o esforço de guerra, adensaram-se a partir
de inícios de 1974. Ainda nos dias de hoje, a comunicação continua resistente
em veicular esta narrativa às celebrações do 25 de Abril. Mais ainda, os meios
tradicionais, institucionais e escolares, não resgatam Cabral, mesmo tendo ele
sido um peão decisivo e central (além de promoverem uma versão adulterada de um
25 de Abril que começa em Portugal, e que se dá de forma pacífica, traduzindo a
negação de um passado colonial e o silenciamento de povos africanos).
Espectáculos
como este são a defesa de que somente a leitura e perceção corretas e
verdadeiras dos factos históricos poderão mitigar e, possivelmente, superar os
impactos dos erros e das violências do passado, influenciando o presente e o
futuro. Djam Neguin – Cabo Verde
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