Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Portugal – Artista cabo-verdiano Djam Neguin apresenta em anteestreia o seu espectáculo AMI.LCAR em Montemor-o-Novo

O artista multidisciplinar Djam Neguin faz a antestreia este fim de semana, 3 e 4 de Maio em Montemor-o-Novo, no Espaço do Tempo, do seu mais novo espectáculo AMI.LCAR.


Ami.lcar é um espectáculo inspirado na vida e obra do pensador do anticolonialismo africano, o guineense Amílcar Cabral. Num exercício de extensão do seu legado, o artista Djam Neguin explora episódios da sua existência e da sua ideologia emancipatória e ecológica, a partir do uso de dispositivos multimídia e da inteligência artificial, tensionando o real e o virtual, o humano e o pós-humano. O projeto visa a pesquisa e criação de um objeto artístico de cruzamentos disciplinares.

Ami.lcar desenvolve-se nos âmbitos das comemorações mundiais do Centenário de Amílcar Cabral, que coincide com os 50 anos do 25 de Abril, e em 2025, o ano da libertação das colónias. Assim, constitui-se como uma oportunidade de reatualizar (sobretudo às novas gerações) o legado desta figura excecional de pensamento político arrojado e de impacto histórico na ruptura definitiva com o Estado colonial português e do impulso à preparação e à organização das lutas emancipadoras que conduziram à libertação dos Povos de Angola, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e São Tomé e Príncipe.

É o ensejo global adequado para rever o contributo de figuras, como Cabral, que pugnaram por uma sociedade assente no ideário de liberdade e da dignidade de toda a pessoa humana, em contexto de progresso solidário e justiça social, para cuja construção, concorrem, de forma decisiva, a educação e as artes, por meio de modelo decolonial e emancipatório.

Com recurso à análise documental e bibliográfica, conversas e entrevistas, serão apontados os momentos centrais da sua existência e principais ideologias e feitos, como bussolares para a composição dramatúrgica.

Consequentemente, o desafio estético (e inovador) será a reconstituição imagética de Cabral com recurso aos softwares de Inteligência Artificial, por meio da composição tridimensional virtual da sua figura. Com efeito, este servirá de base para todo um design de cenários virtuais, que através da tecnologia VR, dispositivos MetaGlasses, body e face tracking serão, posteriormente, projetados em tempo real.

Desta forma, concretiza-se uma das principais propostas desta criação: reafirmar a importância de que criativos e techies africanos se devem apropriar das novas tecnologias artísticas para contar as suas próprias narrativas, acompanhando assim o progresso e as tendências tecnológicas planetárias.


Serão eixos dramatúrgicos nucleares da performance a ser criada a incorporação das valências agrónomas e epistemologias ecológicas de Cabral (que cursou agronomia no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, motivado pelo problema da terra e das fomes em Cabo Verde), a fim de reativar o debate sobre o desafio existencial do nosso tempo, a crise ambiental pelas ações antropogénicas.

Para tanto, é considerada a capacidade sinestética e privilegiada da arte para o alcance e confrontação dos desafios centrais das sociedades contemporâneas, que se encontram a meio de uma revolução tecnológica que se estabelece num modelo predatório, pautada por capitalismo de consumo degenerativo extrativista. Temperaturas extremas, alteração dos regimes de chuvas, derretimento de calotas polares, elevação do nível dos oceanos, prejuízos biológicos, extinção de biomas e espécies, precisam de ser pautas discutidas e promovidas pelos criadores contemporâneos, num mundo que caminha rapidamente para disputas violentas por recursos naturais e ativos biológicos estratégicos, como alimentos, água e territórios, se não forem aceleradas as medidas de mitigação.

O projeto estrutura-se na ponte com a tecnologia, usufruindo deste mecanismo de rápida partilha para fazer uma viagem pelos valores de Amílcar Cabral e pelas muitas causas partilhadas pelas nações africanas na luta anticolonialista europeia.

É prerrogativa maiúscula desta obra contrariar as operações amnésicas  que ocultam o facto de que os detonadores do 25 de Abril de 1974  foram as guerras anticoloniais desencadeadas na Guiné, Cabo-Verde, Angola e em Moçambique, contribuindo decisivamente para a liquidação do fascismo em Portugal e a derrocada do Estado Novo.

É importante relembrar que foi em réplica à nova legislação que visava suprir a falta de oficiais na frente de combate em África que, em Setembro de 1973, se constitui o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas. A fase conspirativa foi relativamente breve, dando lugar um célere procedimento de politização do Movimento. Os sinais de que o fim do regime estava iminente, perante a sua austeridade em manter o esforço de guerra, adensaram-se a partir de inícios de 1974. Ainda nos dias de hoje, a comunicação continua resistente em veicular esta narrativa às celebrações do 25 de Abril. Mais ainda, os meios tradicionais, institucionais e escolares, não resgatam Cabral, mesmo tendo ele sido um peão decisivo e central (além de promoverem uma versão adulterada de um 25 de Abril que começa em Portugal, e que se dá de forma pacífica, traduzindo a negação de um passado colonial e o silenciamento de povos africanos).

Espectáculos como este são a defesa de que somente a leitura e perceção corretas e verdadeiras dos factos históricos poderão mitigar e, possivelmente, superar os impactos dos erros e das violências do passado, influenciando o presente e o futuro. Djam Neguin – Cabo Verde




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