Tão
logo se confirmou a situação de calamidade pública com as inundações se
propagando por mais de duzentos municípios gaúchos, surgiu uma enxurrada
virtual de “fake-news” despejada na Internet para circularem pelas redes
sociais. Os boatos e mentiras com o objetivo de atingirem o governo federal
chegaram a criar problemas para o atendimento, socorro e envio de mantimentos
para os sinistrados.
Algumas
pessoas e alguns grupos foram denunciados pela imprensa como criadores e
distribuidores dessas “fake-news” mas tornara-se impossível conter seu
fluxo, pois eram (e ainda são) repicadas por centenas de canais e milhares de
redes sociais, contando com o apoio de focos políticos e religiosos. Eu mesmo
recebi fakes de um pastor e de militantes da extrema-direita
bolsonarista.
Muita
gente deve ter pensado, como eu, de ir coletando essas mensagens mentirosas
para publicar um repertório das mais frequentes com seus responsáveis pela
vasta propagação. Um paciente e quase impossível trabalho de pesquisa
individual nas redes sociais.
Ora,
o Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro poupou esse trabalho a todos os pesquisadores e o jornal Zero
Hora, de Porto Alegre, publicou no começo desta semana, o primeiro resultado de
suas pesquisas universitárias, orientadas pelas professoras Débora Salles e
Marie Santini.
Os
métodos de análise anunciados são o mapeamento qualitativo de influenciadores e
narrativas de desinformação multiplataforma e análise manual de anúncios
sensíveis e não sensíveis no Meta Ads, do Facebook e Instagram.
De
acordo com a profa. Marie Santini, "as narrativas dominantes são
produzidas por influenciadores com grande número de seguidores e capacidade de
angariar engajamentos...Eles têm grande conhecimento de como explorar emoções
negativas".
Além
da desinformação foram detectados 351 golpes explorando a tragédia, manipulada
para fins políticos e econômicos. Assim "influenciadores, sites e
políticos de extrema-direita têm utilizado a comoção para se autopromover e
espalhar desinformação com o intuito de atacar e descredibilizar o
governo".
Os
objetivos dessas “fakes news” são os de afirmar que o atendimento do
governo federal não tem sido suficiente, de não haver ligação entre os eventos
extremos e as mudanças climáticas, de incluir a tragédia nas pautas morais com
teorias de conspiração, de aumentar a importância do papel da oposição na
resposta à crise e de se beneficiar da catástrofe se autopromovendo, fazendo
pedidos de doação e utilizando-se de fraudes.
Na
introdução à pesquisa da UFRJ, são também citadas reportagens investigativas e
de checagem que nos direcionam à plataforma Aos Fatos, dedicada às campanhas de
desinformação. Algumas das mais vistas desinformações tratam de doações
descartadas, usando vídeo com cenas falsamente colhidas em Mathias Velho,
Canoas. Na verdade, as cenas foram filmadas em setembro do ano passado em
Encantado, quando empilhadeiras organizavam os donativos para aumentar espaço
nos armazéns.
Outra
afirma que a TV SBT apagou uma reportagem mostrando caminhões com donativos
sendo multados. Na verdade, foi um caso isolado e não se tratava de uma frota
de caminhões. Um caminhão foi multado automaticamente por excesso de peso,
porém a multa, e outros seis casos de multas ocorridos na pesagem, foram
anuladas.
Outra
mentira espalhada foi a de que o Ibama teria apreendido retroescavadeiras
utilizadas para limpar estradas entre os municípios de Muçum e Vespasiano, no
Rio Grande do Sul. O Ibama informou não fazer esse tipo de trabalho e que,
diante das inundações, nem haveria condições para limpeza de estradas.
De
uma maneira geral, ainda de acordo com Aos Fatos, ocorre o uso de cenas fora de
contexto, gravadas em outros lugares, como China e México, e em épocas
diferentes. Ou a divulgação de exigências falsas como a apresentação de
documentos pelos proprietários de barcos e jet-skis utilizados pelos
voluntários. Outras fakes objetivam criar pânico, como a notícia da
descoberta de 300 corpos em Canoas, ou visam comprometer o governo federal com
acusações de não estar prestando socorros.
Assim,
o empresário Luciano Hang teria cedido mais aeronaves do que as Forças Armadas
no resgate de vítimas das inundações. Um vídeo antigo é utilizado para enganar,
como se Lula tivesse sido vaiado nestes dias no RGS. Há ainda a alegação do
governo federal ter patrocinado o show da Madonna com dinheiro destinado aos
gaúchos. Ou que tudo foi um castigo de Deus, diante de tantos cultos africanos
e candomblés.
Alguns desinformadores identificados
Talvez
o mais importante seja o coach e influencer Pablo Marçal com mais
de oito milhões de seguidores só no Instagram. Num de seus fakes mais
vistos, Pablo afirmou ser necessário notas fiscais para as doações. Seu fake
diz textualmente que "a Secretaria da Fazenda do RGS está barrando os
caminhões de doações por falta de nota fiscal."
Marçal,
o senador Cleitinho (Republicanos-MG) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) formam o trio mais ativo na distribuição de falsas informações, já
denunciados pelo ministro da Justiça para a Polícia Federal. Outro criador e
disseminador de mentiras é Nego Di, é dele a falsa informação da exigência de
brevê de piloto para os voluntários que desejam ajudar com barco ou jet-ski. E
de que a Polícia Federal estava bloqueando os veículos com doações,
desinformação já desmentida.
A
influenciadora Michelle Dias Abreu divulgou vídeo culpando religiões de matriz
africana pela tragédia no Rio Grande do Sul, em outras palavras, o vídeo, que
viralizou no Youtube, dá o recado de ter sido um castigo de Deus. O ministério
público de Minas Gerais indiciou a mineira de 43 anos pelo crime de
intolerância religiosa. Depois de ter visto o impacto de seu vídeo no
Instagram, com quatro milhões de curtidas, Michele gravou depressa outro vídeo
pedindo textualmente "perdão".
Para
o advogado-geral da União, Jorge Messias, as notícias falsas a respeito da
situação de calamidade no RGS são uma estratégia de desinformação para obter
ganhos políticos e eleitorais, além de ganho financeiro, pois muitos canais são
monetizados.
Paulo
Pimenta, agora ministro de Estado da Secretaria Extraordinária da Presidência
da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul definiu a
desinformação sobre a tragédia no RGS como tática da extrema-direita para
destruir o Estado, para o povo considerar o Estado ineficiente e que as
políticas públicas não funcionam. O ministro quer propor políticas públicas e
programas de recuperação dentro de uma lógica sustentável, sócio ambiental e
que se discutam e aprofundem as razões pelas quais aconteceu a tragédia.
Para
ler a íntegra do relatório clique aqui. Rui Martins – Suíça
Algumas “fake-news” mais vistas:
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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