Tiago
Martins, um jovem engenheiro lusodescendente, que reside em Paris – cidade onde
nasceu -, transformou a pequena aldeia de Barrenta, no concelho de Porto de
Mós, de onde são originários os pais, numa “Aldeia Artística” com obras de arte
urbana de quase uma centena de artistas do mundo inteiro.
Barrenta
é uma aldeia pequena da freguesia de Alvados-Alcaria. “Deve ter 30 a 40
habitantes” explica numa entrevista “live” ao LusoJornal, a uns 10 km da sede
do concelho, e a 30 km de Leiria. “Já foi maior” diz Tiago Martins. “Nos anos
70 devia ter uns 200 habitantes” mas entretanto ouve a desertificação do
interior e a emigração, essencialmente para França e para a província do
Québec, no Canadá.
O
pai de Tiago Martins já está reformado e passa mais tempo na aldeia. “Ele está
só à espera que a minha mãe também chegue à reforma para irem viver para a
Barrenta” diz ao LusoJornal. E quem sabe se um dia o próprio Tiago Martins não
se muda para a aldeia. “Nunca se sabe de que é feito o amanhã” diz a sorrir.
Mas, para já, vai lá muitas vezes – “três ou quatro vezes por ano” – porque
gosta “da terra”.
Barrenta
já é uma “aldeia artística” porque aí se organiza, há 19 anos, o Encontro
nacional de tocadores de concertina. “Atrai milhares de pessoas. Só no ano
passado houve uns 500 tocadores de concertina, é um evento muito grande para a
aldeia, é um dos maiores eventos do conselho” confessa o jovem Tiago Martins
que lamenta não saber tocar concertina.
A
terra tem uma escola de concertina e o Grupo de concertinas da Barrenta já veio
tocar a França, nomeadamente em Bordeaux.
Tiago
Martins trabalha na área do petróleo e do gás. Já trabalhou nas plataformas de
petróleo, nos complexos de gás, já viveu no estrangeiro, na Ásia, mais
propriamente na Indonésia, em Singapura e na Índia. É um homem viajado, mas
nota-se a sua ligação emocional à terra dos pais. Prova que a dupla cultura não
é um conceito teórico, mas sim uma realidade para milhares de lusodescendentes.
Foi com o confinamento que tudo começou
Durante
o período de confinamento, quando arrumava a casa, Tiago Martins encontrou um
sticker que tinha guardado de uma exposição de street-art que tinha visitado em
Paris. Lembrou-se de o levar para a aldeia, este verão, e colá-lo numa parede.
Mas
colar um sticker sozinho numa parece, numa aldeia em Portugal, não lhe pareceu
uma boa ideia. “Então decidi contactar outros artistas, perguntando-lhes se me
davam autocolantes ou posters maiores para levar para a aldeia” diz.
“Eu
enviei os pedidos em nome pessoal e pensei que eles nem iam responder. Podiam
pensar que se tratava de uma burla qualquer, de alguém que queria ter as obras
deles para vender”. Mas a verdade é que funcionou. Não só lhe ofereceram obras,
como também o recomendavam a outros artistas. “Fiquei admirado porque recebi
muitas respostas positivas, até fiquei ultrapassado com esta situação”
confessa.
Antes
de ir para Portugal, para as habituais férias de verão, correu Paris e a região
parisiense, a recolher obras de artistas que nem conhecia. Outras chegaram-lhe
pelo correio. Por vezes, recebia obras de vários artistas numa mesma encomenda.
O
projeto de Tiago Martins foi chegando cada vez mais longe: à Alemanha, à
Holanda, ao Reino Unido, à Noruega, aos Estados Unidos, ao Brasil, à Argentina,
à Austrália…
Nota-se
no olhar e nas palavras de Tiago Martins uma alegria por ter conseguido levar o
nome da Barrenta… ao mundo inteiro.
Quase uma centena de artistas
Antes
das férias foi começando a prevenir os amigos da aldeia que ia levar obras de
artistas de street-art. “É uma aldeia, e tudo se sabe” conta. Mas sabia que as
pessoas não iam dar muita importância a esta ideia. Isso não o desmotivou. Pelo
contrário.
Quando
desembarcou de férias, levou obras de 50 artistas e passou três dias a colar
tudo nos muros da aldeia, com a ajuda da namorada. “Pouco a pouco, quando
comecei a instalar as obras, as pessoas ficaram a gostar daquilo que eu lá
colocava. Vieram ter comigo a dizer que gostavam, até me vieram sugerir
paredes”.
Quando
regressou a Paris teve nova surpresa. Tinha mais dezenas de obras no correio,
de mais países. Com Tiago Martins, as coisas são radicais: meteu mãos à obra e
regressou à aldeia para instalar mais obras, transformando a Barrenta numa
“Aldeia Artística”.
Agora
tem de lá voltar, porque lhe chegaram ainda mais obras. “Isto nunca para” diz a
sorrir.
Um
artista do Porto, Costah, deslocou-se mesmo à aldeia para pintar um mural, na
casa dos avós de Tiago Martins. A imprensa regional começou a falar do assunto,
e cada vez havia mais pessoas que se deslocavam propositadamente à Barrenta
para ver umas cerâmicas por aqui, uns stickers por acolá, uma obra em croché no
tronco de uma árvore, um origami num poste da eletricidade… Tudo foi pretexto
para instalar uma obra de arte.
“O
propósito não era chocar as pessoas, nem fazer política, por isso nada de obras
políticas, nem violência, nem provocação. Isso eu não queria na aldeia, era
mesmo coisas fáceis de compreender” explicou Tiago Martins. “Eu queria que
tivesse o máximo de formas de arte possível, da cerâmica ao papel, passando
pela caixa de madeira que dá música ou por espelhos”.
Para
que quem não pode ir à Barrenta também veja as obras, criou uma página nas
redes sociais, com referência aos artistas e ao país de origem da obra.
Uma forma desinteressada de promover a aldeia
Tiago
Martins montou este projeto de forma completamente desinteressada. “Gostava
muito que a Barrenta fosse conhecida por ter obras de artistas do mundo
inteiro. Falar da Barrenta é muito importante para mim, eu faço o que posso,
não podemos estar parados, temos que estar a inovar a ter novas ideias” disse
na entrevista ao LusoJornal. “A arte urbana é algo que está mais democratizada,
está na moda, já não se faz por vandalismo no metro”.
E
ver “gente de fora” a chegar à aldeia, tirar fotografias, fazer selfies, é
motivo de contentamento para Tiago Martins. Assim como ver a gente da aldeia
sair, ao pôr do sol, para ir dar uma volta pelas ruas à descoberta das obras.
“Podem gostar ou não gostar das obras. Mas é isso o importante. O importante é
que as obras provoquem reações”.
Para
ir mais longe necessita de logistica. Na aldeia há um centro cultural, mas por
enquanto ainda não falou com eles, “fiz isso sozinho porque não estava à espera
de ter este impacto, pensava que ninguém ia ligar ou que não iam gostar. Eu não
sabia o que isto ia dar”.
Não
são obras definitivas e acabarão por desaparecer sozinhas com o tempo, a chuva
e o frio. “Mas é assim mesmo a street-art” conforta-se. “Algumas obras, em
cerâmica, tinta ou as que estão mais abrigadas ficarão mais tempo”.
Quem
passar pela Barrenta nos próximos tempos, vai poder ver obras de Hazul, Da
Cruz, Miss Tic, Louyz, Gladpoul, Marquise, Eugène Barricade, Dnart, Malakkai,
FKDL, botero pop, Mister p e muitos outros. Boa viagem! Carlos Pereira –
França in “LusoJornal”
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