Aos 36 anos, o cientista faz parte da equipa de investigação liderada por Venki Ramakrishnan, galardoado em 2009 com o Prémio Nobel da Química, na Clare Hall College (Universidade de Cambridge, Reino Unido)
O
cientista cabo-verdiano Jay Brito Querido passa os dias no laboratório a
descodificar informação genética em humanos, tendo recentemente descoberto uma
questão fundamental da vida procurada há décadas e que poderá ajudar na cura de
doenças como o cancro.
Aos
36 anos, o cientista faz parte da equipa de investigação liderada por Venki
Ramakrishnan, galardoado em 2009 com o Prémio Nobel da Química, na Clare Hall
College (Universidade de Cambridge, Reino Unido).
Em
entrevista à agência Lusa, contou que sempre teve um interesse especial pela
biologia molecular, especialmente sobre a forma como as informações genéticas
herdadas dos pais definem o ser humano.
“Eu
estudo a forma como as nossas células conseguem descodificar toda essa
informação genética que recebemos dos nossos pais”, disse.
Considera
esta área “muito interessante”, principalmente porque obriga a um desafio
constante dos próprios limites para tentar encontrar respostas.
No
Clare Hall College - uma faculdade de estudos avançados apenas para estudantes
de pós-graduação, pesquisadores e bolsistas de pós-doutoramento – encontra a
tecnologia de ponta essencial para a sua investigação, a qual “não está
disponível em qualquer lado”.
E
exemplificou: “Na minha investigação utilizo essencialmente a revolucionária
técnica de crio-microscopia eletrónica (cryo-EM), uma forma de microscopia
eletrónica de transmissão, na qual a amostra é estudada a temperaturas
criogénicas. Em países como Portugal a comunidade científica, infelizmente,
ainda não tem acesso a este tipo de tecnologia”.
O
reconhecimento pelo trabalho desenvolvido por Jay Brito Querido e a sua equipa
chegou este mês através da publicação de um artigo na prestigiada revista
Science com as conclusões da investigação desenvolvida, a qual, recorrendo às
técnicas de engenharia genética e bioquímica, conseguiu “reconstituir o momento
em que se dá o início da descodificação da informação genética em humanos”.
“A
informação genética que herdamos dos nossos pais está codificada nos nossos
genes. Por isso, para que se defina a cor da nossa pele ou do nosso cabelo, se
vamos herdar alguma doença dos nossos pais, ou seja, para que se defina
absolutamente tudo sobre nós, as informações codificadas nos nossos genes têm
de ser descodificadas [traduzidas] pelos nossos ribossomas [‘fábricas de
proteínas’ dentro das células]”, explicou.
Jay
Brito Querido ressalva que “a descodificação da informação genética, pelos
ribossomas, é fundamental para a existência de vida tal como a conhecemos”.
Por
esta razão, acrescentou, “este processo tem uma enorme importância médica”.
“Vários
compostos que estão a ser testados e investigados para o tratamento do cancro
têm como alvo o processo de descodificação da informação genética” e, também
por isso, esta descoberta “representa um importante contributo para todas essas
investigações na área do cancro”.
Indicando
que, para os ribossomas conseguirem “identificar qual é o gene que precisa ser
descodificado em cada momento, as informações provenientes dos genes (Ácido
Ribonucleico – RNA mensageiro) têm de ser ativadas por um grupo de proteínas
que formam um complexo chamado eIF4F”, o cientista afirmou que “ao longo de
várias décadas, cientistas têm estado a tentar descobrir onde e como é que o
complexo eIF4F se liga ao ribossoma, infelizmente sem sucesso”.
“Recorrendo
às técnicas de engenharia genética e bioquímica conseguimos reconstituir o
momento em que se dá o início da descodificação da informação genética em
humanos, e resolver a sua estrutura pela técnica de crio-microscopia
eletrónica”, disse.
E
acrescentou: “Conseguimos identificar o local de ligação do complexo eIF4F no
ribossoma e responder a esta questão fundamental da vida, que permanecia sem
resposta por várias décadas”.
Jay
Brito Querido sublinha a importância da descoberta, pois “havia um enorme
anseio na comunidade científica para tentar perceber este importante passo no
processo de descodificação da informação genética”.
O
impacto também foi grande na carreira científica deste cabo-verdiano que já
tinha publicado vários artigos, mas nunca numa revista como a Science.
Logo
depois, Jay Brito Querido foi um dos dois cientistas destacados pela RNA
Society do mês de setembro, o que classifica de “uma motivação extra” para
continuar a trabalhar.
Mais
do que reconhecimento, Jay Brito Querido gosta de estar no laboratório e “fazer
experiências”.
“Acho
que prémios e distinções são distrações, boas é certo, mas não deixam de ser
distrações”, disse.
Enaltece
antes o reconhecimento que recebe no seu trabalho diário de pessoas como Venki
Ramakrishnan, o cientista galardoado em 2009 com o Prémio Nobel da Química, que
lidera a sua equipa e que classifica como “um cientista excecional” e de rara
dimensão humana.
“Além
de ser Prémio Nobel, [Venki Ramakrishnan] é presidente da Royal Society, o que
faz com que tenha uma agenda extremamente ocupada. Mesmo assim, faz questão de
acompanhar ao detalhe toda a investigação que fazemos no grupo e tenta ter
tempo para estar connosco em momentos de descontração fora das quatro paredes
do laboratório".
E
prosseguiu: “O facto do Venki ser um Nobel e um dos principais líderes na nossa
área impõe uma enorme responsabilidade para todos nós que trabalhamos com ele,
porque sabemos que o nosso trabalho é alvo de um escrutínio extra. Isso acaba
por ser positivo porque nos obriga a ser melhores cientistas e críticos dos
nossos próprios resultados”.
A
mais de 4600 quilómetros de distância de Cabo Verde, o cientista identifica “um
impacto muito positivo” da sua origem na carreira que escolheu.
“A
ciência é uma verdadeira maratona que exige um enorme espírito de sacrifício e
resiliência. Se há coisa que caracteriza os cabo-verdianos, é a nossa
resiliência. Por isso, acho que a cabo-verdianidade sempre esteve e estará
comigo ao longo de todo o meu percurso”.
Apesar
de reconhecer que “Cabo Verde nunca foi um país de fortes tradições
científicas”, não sendo “comum” um jovem cabo-verdiano pensar em ser cientista,
Jay Brito Querido tem esperança que isso mude no futuro.
Entre
as várias fontes de inspiração, Jay Brito Querido elegeu Marie Curie, pioneira
na investigação da radioatividade e que venceu dois Prémios Nobel, o da Física
(em 1903, pela investigação sobre a radiação) e o da Química (em 1911, pela
descoberta dos elementos rádio e polónio). In “Contacto” –
Luxemburgo com “Lusa”
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