O
Cemitério militar português de Richebourg, no norte da França, onde estão
sepultados 1831 soldados portugueses que participaram na I Guerra mundial,
precisa de obras.
Em
francês poderíamos acrescentar que esta é uma “vérité de La Palice”, uma
“verdade evidente”. Esta observação tem sido evocada pelo LusoJornal, mas
também por todos quantos se deslocam a este lugar único do património
português, e que nele passe um pouco de tempo a observar. Evocamos aqui o que é
o único Cemitério militar português fora do país.
Por
ser único e dado a importância que reveste, é nosso dever tudo fazermos para a
sua dignidade e que sirva de testemunha de agradecimento para com todos os que
ali estão sepultados e de uma forma geral de reconhecimento da Pátria de 2020
pelos que há mais de 100 anos tão valorosamente defenderam os valores
fundamentais da Humanidade.
Temos
visitado muito regularmente o Cemitério de Richebourg. A fim de alimentarmos o
debate e sobretudo de incentivarmos as Autoridades portuguesas a tomar a
decisão que se impõe. Recolhemos detalhadamente dados que passamos a
apresentar.
Luís
Gonçalves e Jean-Pierre Tintilier fotografaram todas as 1831 campas dos
soldados ali sepultados, pessoalmente passei e qualifiquei cada uma delas.
A
recolha dos dados foram feitos nos dias 29 e 30 de julho e 1 de agosto de 2020.
- Total das campas no cemitério: 1831
- 1592 campas são de soldados conhecidos (87%)
- 239 campas são de soldados desconhecidos (13%)
Lisibilidade das escrituras nas campas
Existem
cerca de 200 estelas cuja superfície frontal está em bom estado, mas em todas
as outras, a pedra apresenta-se granulada e porosa tornando a qualidade da
escrita totalmente invisível ou parcialmente visível devido ao desgaste da
pedra.
Quando
consideramos que as inscrições são visíveis nas estelas, estamos a afirmá-lo em
relação ao nome do soldado. Se olharmos para o estado da inscrição abaixo do
nome, poderíamos classificar a estela como tendo inscrições parcialmente
visíveis ou totalmente invisíveis. As escrituras abaixo do nome, dados do
soldado, não são praticamente nunca visíveis.
De
notar que a grande maioria das estelas não apresentam as últimas inscrições na
parte inferior, onde poderíamos ler “Morto pela Pátria” e a data da morte.
Existem duas razões para este facto: a chuva que cai sobre a terra envolvente
salpica a base da estela e esta última não sendo limpa não revela este
importante dado da história do soldado enterrado.
A
outra razão é que por vezes a estela encontra-se demasiado enterrada e aquelas
indicações acabam por ficar igualmente escondidas.
Estatisticamente
eis, os dados recolhidos:
- Em 595 campas, os nomes são visíveis (32,5%)
- Em 669 campas, os nomes são parcialmente visíveis (36,5%)
- Em 567 campas, os nomes são totalmente invisíveis (31%)
A vegetação no cemitério
Em
nossa opinião, toda a vegetação do Cemitério deve ser revista.
Nos
cemitérios ingleses, por exemplo, geralmente há apenas rosas, por conseguinte,
um só tipo de ornamento. No Cemitério português de Richebourg contabilizamos
cerca de trinta qualidades diferentes de flores e arbustos, o que tem por
consequência uma falta de harmonia.
As
sepulturas inglesas, em geral, são mais espaçadas entre si do que em
Richebourg, as roseiras são colocadas entre duas sepulturas. No caso inglês, se
as sepulturas estiverem próximas, a planta colocada é rasteira e relativamente
uniforme.
Na
nossa observação, indicamos a presença de flores junto às estelas a partir do
momento em que há algo plantado, mesmo se a conservação da dita vegetação não
seja das melhores.
Para
além das duas árvores que se encontram nos quadrados A e B (entrada) que
circundam as duas estelas, existem outras três árvores no interior do
cemitério, incluindo uma árvore de fruto, ao fundo à direita, junto do pequeno
museu. A árvore no quadrado C tem raízes superficiais que crescem ao longo de
fileiras de estelas. A médio prazo, corre-se o risco de assistirmos, com as
árvores fundeiras, ao mesmo que acontece com as duas árvores mais próximas da
estrada, as quais estão a deslocar e a envolver duas estelas.
Em
fim de julho de 2020, o calor era intenso, o que explica, em parte, que a relva
entre as fileiras estava quase completamente seca. Há torneiras no cemitério e
até um lavatório, ao fundo à esquerda, ao lado da pequena construção que serve
de depósito. A água está, contudo, cortada, o que se compreende, em parte.
De
notar que 40,25% das campas possuem decoração floral. Parte desta decoração,
11%, esconde as letras e parte da frente das campas.
- 536 campas com vegetação (29,30%)
- 201 campas com vegetação que encobre as estelas (11%)
- 1094 campas sem vegetação (59,7%)
Estado de equilíbrio e base das campas
Há
uma campa que está partida e deitada no chão desde meados do mês de junho.
Aliás o LusoJornal deu já a notícia de um outro caso há um ano, que entretanto
foi reparado.
Supomos
que todas as campas estão cimentadas na sua base e que, num primeiro tempo, o
cimento foi coberto com terra.
Com
o passar do tempo, constatámos que 280 campas apresentam cimento na sua base
visível e partido (15,3%). A consequência deste facto é o equilíbrio precário
em que estão as ditas campas, provocando também um visível desalinhamento das
fileiras das sepulturas.
- 280 campas com cimento aparente e fragilizadas (15,30%)
- 1551 campas sem cimento aparente (84,70%)
A
parte de cima das estelas, não é lisa, sinal do desgaste pela chuva, outras
condições climáticas e pelo passar do tempo.
Dada
a longevidade das estelas e a sua localização, não há comparação possível com o
alinhamento perfeito das estelas nos cemitérios ingleses.
Não
há uma só fileira com alinhamento perfeito de estelas no Cemitério militar
português de Richebourg, indicamos porém nas estatísticas efetuadas que uma
estela estava inclinada a partir do momento em que esse facto, fosse visível,
mesmo sem nos colocarmos no alinhamento da fileira das estelas.
- 72 campas estavam inclinadas (4%)
- 1759 campas estavam verticais (96%)
Medidas necessárias no exterior do Cemitério
No
exterior do Cemitério é necessário limpar regularmente a rede de esgotos, de
forma a permitir o escoamento normal das águas pluviais, evitando que o
visitante não tenha que passar em chapas de água antes de entrar no Cemitério.
É
necessário também construir ou adaptar as escadas para permitir o acesso a
pessoas com mobilidade reduzida, assim como adaptar o acesso ao parque de
estacionamento.
Também
é necessário colocar, no final do parque de estacionamento, próximo do
Cemitério, dois ou três bancos, de forma a permitir que os visitantes
descansem, tomem notas ou reflitam. Novas árvores devem ser colocadas para dar
sombra a essas novas áreas. A construção de sanitários também é recomendada.
Recomendamos
ainda algumas medidas de segurança entre o Cemitério e a Capela de Nossa
Senhora de Fátima: por exemplo a extensão da iluminação pública (a partir da
rotunda), com iluminação específica à direita da passagem (escuridão e
nevoeiro), a limitação de velocidade, 100 metros antes da travessia (com
realização de elevações) e materializar a passadeira entre o Cemitério e a
capela de Nossa Senhora de Fátima em frente.
O Cemitério de Richebourg é bonito e único
O
trabalho por nós realizado e as sugestões que aqui deixamos, não têm por
finalidade criticar quem ao longo de diversas dezenas de anos tem tudo feito
para que o Cemitério se apresente com dignidade, dentro de um certo número de
condicionalismos, e que muito tem feito para a boa organização das cerimónias
comemorativas da Batalha de La Lys, como é o caso de João Marques, dos seus
familiares e da União Portuguesa de Richebourg.
Desejamos
apenas que os elementos que recolhemos, permitam uma reflexão sobre o estado do
Cemitério e sobre as obras e/ou melhoramentos a realizar nos diversos domínios
abordados.
A
nossa reflexão vem juntar-se, de certa forma, a outros trabalhos já realizados,
como por exemplo o de Jean-Pierre Tintilier e o da Associação “Paisagens e
locais de recordação da Grande Guerra”.
É
óbvio que o Cemitério militar português de Richebourg nunca poderá ser
comparado aos cemitérios militares da Commonwealth, a menos que se possa
empregar uma pessoa a tempo inteiro ao longo do ano para cortar a relva, regar,
fazer algum trabalho de arranjo, manter a vegetação em boas condições, etc. O
Commonwealth emprega, por vezes, uma pessoa em cemitérios de menor dimensão do
que o dos Portugueses em Richebourg.
Mas
é necessário que se faça uma reflexão sobre o estado das estelas, que na nossa
opinião necessitam de ser totalmente substituídas, o que implica um
financiamento que Portugal poderia suportar ou cujo custo poderia ser assumido
conjuntamente pelas autoridades portuguesas e porque não por mecenas
particulares e empresas, com vantagens fiscais para estas.
Há
também toda a vegetação a rever. Deveríamos escolher menos espécies forais para
decorar as campas, tornando o conjunto mais harmonioso e que daria menos
trabalho de manutenção. Manutenção que deve ser feita regularmente para
contribuir que as estelas e inscrições sejam visíveis. Por que não escolher
apenas um tipo de plantas? Nos cemitérios da Commonwealth muitas vezes há
apenas rosas vermelhas.
Se
as estelas vierem a ser substituídas, parece-nos necessária uma reflexão sobre
os escritos a serem gravados, o tamanho das letras e dos números.
Visitámos
regularmente o Cemitério de Richebourg e apercebemo-nos que este é muito
visitado, sobretudo por alunos, o programa do nono ano escolar aborda o tema da
I Guerra Mundial e o Dever de Memória. Já lá cruzámos turmas do Liceu Francês
do Porto. Este liceu todos os anos visita o Cemitério com 3 a 4 turmas.
O
Cemitério militar português de Richebourg é lindo. As estelas de granito, que o
caracterizam, tornam-no único. Devemos manter essa especificidade, mesmo se
novas estelas vierem a ser substituídas.
Visitar
o Cemitério português, é visitar um cemitério diferente.
O
Cemitério militar português de Richebourg ajuda a exemplificar a natureza
mundial do conflito. Este caráter global é tanto mais fácil a explicar e fazer
compreender dado o facto de se poder visitar também, ao mesmo tempo, o Memorial
da Índia, localizado mesmo ao lado do cemitério português. Temos aqui a
vantagem de visitar dois exemplares num raio de apenas duzentos metros. Notamos
que o Memorial da Índia está num estado de ótima apresentação e conservação.
O
facto de o Cemitério militar português de Richebourg ser candidato a Património
Mundial da Unesco – no quadro de um conjunto de outros cemitérios e monumentos,
demonstra a importância deste local de memória, que necessita de ser restaurado
e conservado.
Renovar
e restaurar o Cemitério militar português de Richebourg é uma forma não só de
mostrar o nosso respeito, de agradecer aos soldados do CEP, mas também de
olharmos para o futuro.
Estamos
convencidos que, se as estelas fossem substituídas e que um produto impermeável
fosse colocado e renovado regularmente, ficaríamos descansados para algumas
décadas e com menos manutenção regular do que nas estelas do Commonwealth
porque o granito desgasta-se mais lentamente que a pedra utilizada nas campas
inglesas.
O
turismo de memória tem-se desenvolvido nestes últimos anos, turismo que vai
ocupar de futuro uma parte dos nossos tempos livres, cada vez mais importante.
Tudo fazer para contribuir para o seu desenvolvimento é agir por uma desejada
paz duradoura, pelo desenvolvimento do intercâmbio e pela cooperação
internacional.
É
nossa responsabilidade, é responsabilidade dos nossos governantes.
Vai
dar-se início, nas próximas semanas à construção do Jardim Português da Paz, em
Richebourg. O financiamento é francês. Esperemos que para as próximas
comemorações da Batalha de La Lys venha a ser inaugurado.
Este
Jardim vai atrair ainda mais visitantes, que aproveitarão para visitar
igualmente o Cemitério.
Por
fim, Portugal, “está na moda”. Ora, Portugal muito tem feito para pôr em
evidência os seus monumentos, as suas vilas e aldeias históricas,… seria incompreensível
que nada fizesse em Richebourg. António Marrucho – França in “LusoJornal”
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