Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Rússia – Arqueólogos explicaram por que os habitantes da antiga Quersoneso morreram em massa

O subúrbio ao sul da antiga Táurida Quersoneso, que fica no território da moderna Sebastopol, permaneceu em silêncio por muitos séculos. Mas, de 2020 a 2023, começaram aqui os trabalhos arqueológicos, que tornaram-se os maiores da história da arqueologia russa.


Ao longo de quatro anos de trabalho intenso, cientistas desenterraram uma quantidade impressionante de evidências do passado – mais de 6,5 milhões de artefactos. Este volume de achados superou tudo o que havia sido descoberto no último século e meio de estudo da antiga cidade.

E, em meio a esta incrível riqueza histórica, os ossos de sepulturas antigas revelaram-se especialmente "eloquentes". Eles contaram aos investigadores uma história dramática das vidas e mortes dos moradores da cidade durante o período romano.

Duas cidades: viva e morta

A escala das escavações no subúrbio ao sul de Quersoneso é impressionante. Arqueólogos descobriram não apenas sepulturas individuais, mas vastas seções de uma antiga necrópole. Pode-se dizer que os cientistas se encontraram numa enorme cidade dos mortos, que existia paralelamente à cidade dos vivos.

No entanto, as descobertas não se limitavam à morte. Elas também testemunhavam vividamente o alto padrão de vida e a infraestrutura desenvolvida de Quersoneso na época romana. Ao lado das estruturas funerárias, foram descobertos os restos de oficinas de cerâmica, onde eram criados pratos para as necessidades e rituais do dia a dia, cisternas para armazenar água – um recurso vital na árida Crimeia – e outros objetos económicos.

Os cientistas estavam particularmente interessados nas criptas. Esses túmulos subterrâneos de pedra, destinados a múltiplos sepultamentos, tornaram-se verdadeiras cápsulas do tempo. Alguns deles foram usados por vários séculos, e nas suas profundezas escuras repousavam os restos mortais de dezenas, às vezes centenas, de pessoas.

“No total, mais de 30 dessas criptas foram descobertas, cada uma delas transformando-se num tesouro inestimável para os investigadores.” — Investigador sénior do Instituto de História da Cultura Material da Academia Russa de Ciências, Viktor Vakhoneyev.

Foram esses sepultamentos coletivos que forneceram material único para a reconstrução não apenas dos ritos funerários, mas também da própria vida, das doenças e das causas de morte dos antigos Quersoneses. As criptas acabaram-se revelando uma espécie de arquivo, só que, em vez de papéis, eram armazenados ossos, contendo uma crónica química dos anos vividos.

O que os esqueletos disseram?

Uma pesquisa liderada por Alexey Kasparov, chefe do laboratório de tecnologia arqueológica do Instituto de Culturas Materiais da Academia Russa de Ciências, produziu resultados sensacionais e, ao mesmo tempo, trágicos. Os cientistas utilizaram o método de análise isotópica de carbono no tecido ósseo. Esse método complexo permite determinar com alta precisão a época do ano em que uma pessoa morreu, com base nas mudanças sazonais na sua dieta e metabolismo, que são registradas na composição química dos ossos.

Os resultados da análise foram inequívocos e inesperados. A maioria dos habitantes de Quersoneso não morreu no inverno, devido a geadas severas e falta de alimentos, nem no verão quente, quando as infecções intestinais são frequentes. O pico de mortalidade ocorreu na entressafra – primavera e outono, bem como no final do inverno. O menor número de mortes ocorreu no verão.

Esse padrão sazonal claro tornou-se a chave para desvendar a principal causa de mortalidade. Os cientistas chegaram à conclusão de que, muito provavelmente, a população da antiga Quersoneso foi dizimada em massa por infecções respiratórias comuns: resfriados, gripes e pneumonias.

“Essa descoberta sugere que a causa da morte pode ter sido resfriados, que são mais comuns fora de temporada.” — Kasparov.

No período romano, ao qual pertencem os principais sepultamentos estudados, a medicina, apesar das conhecidas conquistas de Galeno e Hipócrates, permaneceu num nível primitivo para a grande maioria das pessoas. Não havia compreensão da natureza dos vírus e bactérias, nem antibióticos, nem antipiréticos ou anti-inflamatórios eficazes no sentido moderno. Mesmo uma infecção relativamente leve do trato respiratório superior poderia facilmente evoluir para pneumonia grave ou causar complicações com as quais o corpo não conseguia lidar. Crianças, idosos e pessoas debilitadas pela desnutrição ou outras doenças eram especialmente vulneráveis. As opções de tratamento eram extremamente limitadas, baseando-se principalmente em ervas, sangrias e encantamentos. O corpo era deixado sozinho com a infecção, e o resultado era frequentemente fatal.

De acordo com as estatísticas, a expectativa de vida média no Império Romano, nos melhores tempos, raramente ultrapassava 25-30 anos, e a alta mortalidade infantil e adolescente por infecções era uma das principais razões para isso.

Carne para os senhores, papas para os servos

Mas os ossos não revelaram apenas as causas da morte. Os cientistas realizaram outro tipo de análise química, estudando isótopos de nitrogénio. Vale ressaltar que este método é uma ferramenta poderosa para reconstruir a dieta de povos antigos. Diferentes tipos de alimentos (vegetais, carnes, laticínios, frutos do mar) deixam "assinaturas" específicas na forma da proporção de isótopos estáveis de nitrogénio-15 e nitrogénio-14 no colágeno ósseo.

Os resultados da análise de nitrogénio nos restos mortais das criptas de Quersoneso pintaram um quadro de desigualdade social característico da sociedade antiga. Descobriu-se que os hábitos alimentares dos habitantes de Quersoneso variavam muito dependendo do seu status social. Além disso, essas diferenças eram visíveis até mesmo dentro da mesma cripta!

No mesmo túmulo familiar ou de clã, podiam ser enterrados tanto representantes de famílias nobres e ricas quanto os seus parentes menos abastados ou, provavelmente, servos. A dieta dos primeiros era rica em carne e, possivelmente, outros produtos valiosos disponíveis para a elite (peixe, vinho, azeite, iguarias importadas). A assinatura isotópica dos seus ossos indicava um alto nível de consumo de proteínas animais.

Ao lado deles estavam os restos mortais de pessoas cuja dieta era muito mais modesta e baseada principalmente em alimentos vegetais – cereais, pão, vegetais, leguminosas. Isso indica pertencimento a estratos sociais mais baixos ou uma posição de dependência (servos, escravos).

A base da dieta das classes mais pobres do Império Romano eram as leguminosas. Este era o nome de uma papa espessa ou ensopada feita de espelta, cevada ou feijão. Às vezes, adicionavam-se vegetais e uma quantidade muito pequena de azeite ou peixe salgado. Como se costuma dizer, para realçar o cheiro.

No entanto, os investigadores enfatizam um ponto muito importante. Apesar da óbvia estratificação social na nutrição, não foram encontrados sinais de fome crónica ou pobreza extrema que levasse à exaustão. Mesmo os habitantes mais pobres de Quersoneso, a julgar pelos ossos, recebiam calorias suficientes para o funcionamento normal do corpo. Isso indica um suprimento relativamente estável de alimentos para a cidade, pelo menos para sua população permanente durante o período estudado.


Conclusão

A necrópole do subúrbio sul de Quersoneso, em Táurida, é um objeto verdadeiramente único, pois o seu valor não se limita à era romana. Muitas criptas escavadas na antiguidade foram reutilizadas séculos depois. Isso já na Idade Média, quando novos habitantes viviam nas ruínas da antiga cidade greco-romana.

A impressionante continuidade aponta para o significado sagrado especial deste lugar para as pessoas por mais de dois milénios. Quersoneso Táurico está incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO. É um exemplo único de uma colónia grega, onde o plano urbano foi preservado quase intacto. Ao mesmo tempo, as camadas arqueológicas de Quersoneso (século V a.C. - século XV d.C.) distinguem-se pela sua preservação verdadeiramente excepcional. Denis Petrovsky – Rússia in “VSLUKH”






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