Diante
de figuras despóticas como o atual presidente norte-americano Donald Trump,
eleito democraticamente pelo voto popular, é normal surgir a pergunta
"onde foi o erro?". É verdade, a democracia presidencial não é um
sistema perfeito e pode ser desvirtuada pela emergência simultânea de alguns
fatores.
No
caso de Trump existe uma singularidade rara da obtenção de uma maioria na
Câmara dos Deputados e no Senado, conjugada com uma Suprema Corte conservadora
disposta a justificar no judiciário todas as medidas tomadas pelo presidente.
Esse
entendimento entre os três poderes deu ao presidente Trump a possibilidade de
governar sem oposição com amplos e ilimitados poderes, como um ditador ou
monarca dos velhos tempos. Valendo-se do irrestrito apoio de deputados e
senadores, Trump evita a perda de tempo com a consulta ao legislativo e vai
governando por decretos sem oposição.
Essa
é a primeira vez que a democracia norte-americana vive um governo
discricionário de tendência ditatorial, mantendo "pro forma" o
formato legal por ter sido eleito pela livre escolha do povo pelas urnas. Esse
governo autoritário dirigido, sem contestação interna, por uma só pessoa pode
ser citado como exemplo flagrante de uma democracia deturpada ou destruída por
ela própria, sem o uso de fatores externos como fraude eleitoral ou intervenção
militar.
Mas,
Trump não é o primeiro governo ou sistema, de direita ou de esquerda,
desvirtuado com a entrega do poder a uma só pessoa pelo povo ou por um partido
ou por um sistema. E mesmo nos dias de hoje Trump não é o único absolutista com
todos ou quase todos os poderes.
Ou
seja, o presidencialismo vindo da democracia pode ser corrompido pelo
surgimento de líderes autoritários. O parlamento pode ter seu papel desvirtuado
e o judiciário pode ser engolido pelo executivo e legislativo.
Existe
um outro tipo de governo capaz de impedir por si só o surgimento de um
autocrata carismático desejoso de chamar para si todo o poder?
Talvez
sim. Embora o único existente, ao que eu saiba, seja criticado por ser lento
demais nas suas decisões, conservador e um tanto reacionário por representar à
letra o povo pelo qual foi eleito.
Depois
dos meus muitos anos vividos na Suíça, onde sempre critiquei o Conselho Federal
com seus sete membros representando os maiores partidos e as leis sendo sempre
submetidas à consultas populares, ao nível municipal, cantonal ou federal, me
pergunto hoje se esse formato suíço de democracia não seria o ideal?
Vou
citar só as linhas gerais desse governo, mas a primeira evidência é a de que
num Conselho Federal do tipo suíço nunca haveria um Trump, porque o presidente
do Conselho federal tem um cargo de um ano e é meramente representativo, as
decisões são tomadas por maioria pelos membros do Conselho e deverão ser
aprovadas pelo voto popular, num referendo, antes de entrarem em vigor.
Os
pontos fortes desse governo são o federalismo e o voto direto, talvez difíceis
de se aplicar num país das dimensões norte-americanas (ou brasileiras), mas que
evitam a entrega do poder a líderes populistas autocratas. Há cem anos, os
suíços decidiam suas leis reunidos na maior praça da cidade levantando os
braços, era a Landsgemeinde. Hoje as votações são pelo correio, mas já existe o
projeto para serem online com autenticação eletrônica, sem precisar sair de
casa. Exceto
quem quiser ir votar pessoalmente. Rui Martins – Suíça
_______
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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