Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Brasil - Soberania nacional é para ser respeitada

Um grupo de nove governadores se reuniu na casa do governador do Distrito federal, Ibaneis Rocha, para discutir o tarifaço, sem se referirem às ações desenvolvidas junto ao governo Trump pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro e sem se reportarem às ameaças, chantagem e ingerência na soberania brasileira feitas pelo presidente Trump com o objetivo de forçar o Supremo Tribunal Federal a anular o processo por golpismo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e lhe conceder uma ampla anistia para poder disputar as eleições presidenciais no próximo ano.

Ignorando o aspecto político do tarifaço aplicado ao Brasil, os governadores, representados junto à imprensa pelo governador Tarcísio de Freitas, se limitaram a criticar o presidente Lula por não ter ido a Washington negociar com Trump, como se não soubessem das tratativas feitas pelo vice-presidente Alkmin. Essa argumentação também utilizada numa entrevista pelo governador mineiro Romeu Zema, foi considerada como discurso de palanque com objetivo eleitoral pelo comentarista da Jovem Pan, Cristiano Vilela, pois a presidenta suíça voou para Washington, depois da Suíça ter sido taxada em 39%, mas nada conseguiu e sequer foi recebida pelo presidente Trump.

No caso do Brasil, a situação se complica, pois as ameaças de Trump repercutidas pela própria embaixada dos EUA em Brasília, e a ingerência ditando o que deve fazer o Judiciário brasileiro, consideradas pelo presidente Lula como atentatórias à soberania nacional, impedem uma negociação direta. Muitos comentários na imprensa, como as falas de Reinaldo Azevedo no Uol são pela defesa da soberania brasileira e contra uma interferência norte-americana no Judiciário brsileiro.

Diante dessa diferença de comportamento de cerca de uma dezena de governadores, entre eles três declaradamente pré-candidatos à presidência, Tarcísio, Zema e Caiado, não vendo nenhuma ameaça à soberania brasileira nas exigências de Trump, é normal nos lembrarmos do ocorrido no passado, na Europa. Mesmo depois da invasão da França pelas tropas nazistas alemãs, havia políticos complacentes com Hitler, a ponto de constituírem um governo colaboracionista, comandado pelo marechal Philippe Pétain e Pierre Laval, o chamado regime de Vichy, de 1940 a 1944.

Esse regime de sujeição aos invasores alemães transformou em leis francesas as exigências de Hitler, foi o caso da perseguição e caça aos judeus enviados aos campos de concentração e extermínio nazistas, num plano antissemita de genocídio. O lema Deutsche Uber Alles nazista não é muito diferente do Brasil Acima de Tudo, da extrema-direita evangélicobolsonarista, e do Make America Greater Again. 

Trump não é Hitler, mas é evidente estar assumindo atitudes despóticas, mesmo dentro dos EUA, interferindo no funcionamento da Justiça e Universidades, passando por cima dos direitos humanos no tratamento e na expulsão dos imigrantes, convocando um reforço da Guarda Nacional em Washington como quem se prepara para aumentar seu poder discricionário e impedir resistências.

Não se falava, na época, em Hitler ungido por Deus, mas uma grande parte da igreja luterana alemã apoiava Hitler e - ao contrário da teologia do domínio criada nos EUA pelos pentecostais, baseada no Deus guerreiro do Velho Testamento - a extrema-direita religiosa hitlerista queria se desfazer da herança judaica do cristianismo por um Jesus ariano. A igreja luterana anti-Hitler teve dois mártires, executados pelo governo nazista: Martin Niemoller e Dietrich Bonhoeffer

Por que essa lembrança do regime colaboracionista de Vichy com os invasores nazistas dirigido de 1940 a 1944 pelo marechal Pétain? Porque numa entrevista ao Uol, e apesar da insistência de três entrevistadores, o governador Ronaldo Caiado minimizou, ignorou, descartou com uma certa hipocrisia a evidência de que o tarifaço de Trump contra o Brasil é político.

O governdor Caiado não mostrou nenhuma repulsa ou reação aos ataques do presidente Trump à soberania brasileira e à intromissão do presidente norte-americano no funcionamento do Judiciário brasileiro, mas criticou a reação nacionalista do presidente Lula, como se ao Brasil caberia se sujeitar e cumprir as exigências norte-americanas de Trump. Lula deveria ter ido a Washington negociar com Trump até onde vai a soberania brasileira e até onde podem legislar os ministros do Supremo Tribunal Federal?

Caiado, assim como Zema e Tarcísio aceitam como normal para o Brasil um tratamento de colônia ou de país sujeito às leis e pressões autocráticas de um autoritário presidente estrangeiro, desvinculadas dos organismos internacionais de regulação do comércio exterior e taxas aduaneiras? Caso afirmativo, esses três líderes presidenciáveis estariam abrindo mão da soberania e independência brasileiras, em favor de uma relação de sujeição e colaboração com os EUA, inspirada no regime petainista da França ocupada de Vichy.

Alguma coisa estranha nas últimas críticas do governo Trump ao Brasil, focadas no desrespeito aos direitos humanos e violências policiais. Não passaram despercebidas as denúncias às violências cometidas pela polícia de Guilherme Derrite, secretário de confiança do governador Tarcísio de Freitas, já citadas aqui no Observatório da Imprensa.

Como os articuladores e fornecedores de informações ao ministro Marco Rúbio e presidente Trump nos EUA contra o governo e Judiciário brasileiros são o neto do ditador João Figueiredo, Paulo Figueiredo, e o filho do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro, auto-candidato à sucessão de Lula e preferido pelo pai, fica a suspeita de que tais denúncias são destinadas a inviabilizar junto a Trump uma candidatura, nas próximas eleições, do nome de Tarcísio de Freitas. Uma espécie de golpe entre amigos. Rui Martins – Suíça

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

 

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