Um
grupo de nove governadores se reuniu na casa do governador do Distrito federal,
Ibaneis Rocha, para discutir o tarifaço, sem se referirem às ações
desenvolvidas junto ao governo Trump pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro e
sem se reportarem às ameaças, chantagem e ingerência na soberania brasileira
feitas pelo presidente Trump com o objetivo de forçar o Supremo Tribunal
Federal a anular o processo por golpismo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro
e lhe conceder uma ampla anistia para poder disputar as eleições presidenciais
no próximo ano.
Ignorando
o aspecto político do tarifaço aplicado ao Brasil, os governadores, representados
junto à imprensa pelo governador Tarcísio de Freitas, se limitaram a criticar o
presidente Lula por não ter ido a Washington negociar com Trump, como se não
soubessem das tratativas feitas pelo vice-presidente Alkmin. Essa argumentação
também utilizada numa entrevista pelo governador mineiro Romeu Zema, foi
considerada como discurso de palanque com objetivo eleitoral pelo comentarista
da Jovem
Pan, Cristiano Vilela, pois a presidenta suíça voou para
Washington, depois da Suíça ter sido taxada em 39%, mas nada conseguiu e sequer
foi recebida pelo presidente Trump.
No
caso do Brasil, a situação se complica, pois as ameaças de Trump repercutidas
pela própria embaixada dos EUA em Brasília, e a ingerência ditando o que deve
fazer o Judiciário brasileiro, consideradas pelo presidente Lula como
atentatórias à soberania nacional, impedem uma negociação direta. Muitos
comentários na imprensa, como as falas de Reinaldo
Azevedo no Uol são pela defesa da soberania brasileira e
contra uma interferência norte-americana no Judiciário brsileiro.
Diante
dessa diferença de comportamento de cerca de uma dezena de governadores, entre
eles três declaradamente pré-candidatos à presidência, Tarcísio, Zema e Caiado,
não vendo nenhuma ameaça à soberania brasileira nas exigências de Trump, é
normal nos lembrarmos do ocorrido no passado, na Europa. Mesmo depois da
invasão da França pelas tropas nazistas alemãs, havia políticos complacentes
com Hitler, a ponto de constituírem um governo colaboracionista, comandado pelo
marechal Philippe Pétain e Pierre Laval, o chamado regime de Vichy, de 1940 a
1944.
Esse
regime de sujeição aos invasores alemães transformou em leis francesas as
exigências de Hitler, foi o caso da perseguição e caça aos judeus enviados aos
campos de concentração e extermínio nazistas, num plano antissemita de
genocídio. O lema Deutsche Uber Alles nazista não é muito diferente do Brasil
Acima de Tudo, da extrema-direita evangélicobolsonarista, e do Make America
Greater Again.
Trump
não é Hitler, mas é evidente estar assumindo atitudes despóticas, mesmo dentro
dos EUA, interferindo no funcionamento da Justiça e Universidades, passando por
cima dos direitos humanos no tratamento e na expulsão
dos imigrantes, convocando um reforço da Guarda Nacional
em Washington como quem se prepara para aumentar seu poder discricionário e
impedir resistências.
Não
se falava, na época, em Hitler ungido por Deus, mas uma grande parte da igreja
luterana alemã apoiava Hitler e - ao contrário da teologia do domínio criada
nos EUA pelos pentecostais, baseada no Deus guerreiro do Velho Testamento - a extrema-direita
religiosa hitlerista queria se desfazer da herança judaica do cristianismo por
um Jesus ariano. A igreja luterana anti-Hitler teve dois mártires, executados
pelo governo nazista: Martin Niemoller e Dietrich Bonhoeffer
Por
que essa lembrança do regime colaboracionista de Vichy com os invasores
nazistas dirigido de 1940 a 1944 pelo marechal Pétain? Porque numa entrevista
ao Uol, e apesar da insistência de três entrevistadores, o governador Ronaldo
Caiado minimizou, ignorou, descartou com uma certa hipocrisia a evidência de
que o tarifaço de Trump contra o Brasil é político.
O
governdor Caiado não mostrou nenhuma repulsa ou reação aos ataques do
presidente Trump à soberania brasileira e à intromissão do presidente
norte-americano no funcionamento do Judiciário brasileiro, mas criticou a
reação nacionalista do presidente Lula, como se ao Brasil caberia se sujeitar e
cumprir as exigências norte-americanas de Trump. Lula deveria ter ido a
Washington negociar com Trump até onde vai a soberania brasileira e até onde
podem legislar os ministros do Supremo Tribunal Federal?
Caiado,
assim como Zema e Tarcísio aceitam como normal para o Brasil um tratamento de
colônia ou de país sujeito às leis e pressões autocráticas de um autoritário
presidente estrangeiro, desvinculadas dos organismos internacionais de
regulação do comércio exterior e taxas aduaneiras? Caso afirmativo, esses três
líderes presidenciáveis estariam abrindo mão da soberania e independência
brasileiras, em favor de uma relação de sujeição e colaboração com os EUA,
inspirada no regime petainista da França ocupada de Vichy.
Alguma
coisa estranha nas últimas críticas do governo Trump ao Brasil, focadas no
desrespeito aos direitos humanos e violências policiais. Não passaram
despercebidas as denúncias às violências cometidas pela polícia de Guilherme
Derrite, secretário de confiança do governador Tarcísio de Freitas, já citadas
aqui no Observatório da Imprensa.
Como
os articuladores e fornecedores de informações ao ministro Marco Rúbio e
presidente Trump nos EUA contra o governo e Judiciário brasileiros são o neto
do ditador João Figueiredo, Paulo Figueiredo, e o filho do ex-presidente,
Eduardo Bolsonaro, auto-candidato à sucessão de Lula e preferido pelo pai, fica
a suspeita de que tais denúncias são destinadas a inviabilizar junto a Trump
uma candidatura, nas próximas eleições, do nome de Tarcísio de Freitas. Uma
espécie de golpe entre amigos. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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