Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 3 de abril de 2024

África - O regresso das caravelas

Recentemente, em trânsito no Aeroporto de Lisboa, um grupo de 4 jovens angolanos, postos na saída, do lado das chegadas, gritou em uníssono "conseguimos", o que me fez pensar que era mais um grupo de jovens que deixaram a sua terra de nascença à procura de uma vida melhor, e chamei a isso o regresso das caravelas. Os jovens africanos, ontem levados forçosamente para as Américas como escravos, em barcos movidos por vento (caravelas), para trabalhar nas extensas plantações de cana-de-açúcar, café e outras culturas, hoje, fazem-no de forma voluntária, como manifestação de desespero, usando todos os meios possíveis e imaginários. São pessoas frustradas, desesperadas, que atravessam o deserto do Sahara até ao outro lado da costa do Mar Mediterrâneo, em busca de uma vida melhor, que não alcançam nas suas terras natais. Ainda hoje fico agoniado ao imaginar as condições em que eram transportados os escravos nos navios negreiros, quando lemos ou ouvimos falar, fica-se com a ideia do horror


Hoje assistimos, agravando a nossa agonia, à desgraça que se abate com muitos dos nossos concidadãos que arriscam tudo (utilizando boias, barcaças, pequenos barcos de pesca, etc.) para se entregar às vicissitudes de vária ordem, em direcção aos destinos, na Europa, não fazendo a mínima ideia do que lhes espera. O que ocorre no Mar Mediterrâneo também se repete no Golfo do México e na linha fronteiriça entre os Estados Unidos da América (EUA) e o México, a razão da ideia do muro, tanto defendida pelo Presidente Trump.

O processo expansionista dos séculos XIV e XV, realizado pelas potências imperialistas, que se traduziu inicialmente no comércio, que se alargou para o comércio de escravos, posteriormente na ocupação dos territórios, ou seja, na colonização, que é a dominação de uma nação, sobre outra por meios territoriais, culturais e económicos, fez-se de duas formas: através da ocupação consubstanciada na extracção de recursos e matérias-primas dos territórios colonizados para o império colonizador; e pelo modelo de povoamento, que consistiu no deslocamento de uma massa de colonos para o território colonizado, este foi o modelo português, embora se tenha observado com atraso, principalmente na segunda metade do século XX, pois, inicialmente, foram trazidos para a colónia de Angola pessoas com cadastro criminal.

Então, qual é a razão do desespero dos cidadãos desses territórios outrora colonizados e muito apetecidos pelas potências imperialistas, pois são terras com abundância em recursos naturais, aráveis para a prática da agricultura, territórios que foram e são, fonte de fortunas que enriquecem as economias dos países imperialistas. Hoje incapazes de prover a felicidade, aqui na óptica de Alves da Rocha, que refere que é a principal finalidade do homem na sua passagem pela terra (na sua mais recente publicação, Compreender a Angola de Amanhã ... Hoje), que tanto se apregoou com as independências políticas desses territórios. A busca pela felicidade drena pessoas do meio rural para as cidades, dos espaços nacionais para outras localidades mais longínquas. Foi sempre assim, é a natureza humana.

Esta foi a motivação que impulsionou as potências coloniais a se lançaram para os descobrimentos, em direcção às Américas, Ásia e África. Assistimos depois das I e II grandes Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) ao fluxo de pessoas da Europa para as Américas do Sul e do Norte. Hoje, a América Latina e do Norte são habitadas predominantemente por pessoas de origem europeia, asiática e africana (esses últimos, maioritariamente levados forçosamente como escravos). Foi tudo em busca da felicidade, pois é a finalidade do ser humano enquanto viver.

Os grandes movimentos de pessoas de um continente para o outro, sempre estiveram associados aos momentos difíceis em termos sociais que se viveram, ou resultantes de acção de guerras, ou de natureza económica. Os movimentos que assistimos por parte de africanos para os continentes europeu e americano, têm necessariamente a mesma motivação, ou explicação do que se verificou no passado não muito distante. Será que o momento particularmente difícil que vivem as economias africanas e algumas asiáticas é de exclusiva responsabilidade dos líderes que sucederam às administrações coloniais, ou as antigas potências coloniais também têm uma quota-parte de culpa nesse cenário desafiador? Sou de opinião que o actual estado de dependência das economias das ex-colónias e a sua consequente degradação, são partilhadas entre ambos.                   

As potências coloniais, mais dotadas e mais ousadas na cultura de desenvolvimento, nunca verdadeiramente, desistiram do seu interesse em continuar a espoliar as suas ex-colónias, transfigurando-se em neocolonialismo, para além de que, sob a sua administração orientaram as suas acções para a drenagem das riquezas para as metrópoles, pouco fizeram para a transformação das estruturas daquelas economias, essencialmente, não instruíram os nativos, consequentemente, não se implantou a cultura do desenvolvimento (Alves da Rocha, 2024). Por seu turno, as elites políticas que sucederam à administração colonial, optaram na prática do extrativismo, na acepção da palavra de Daron Acemoglu & James Robinson, em "por que as nações fracassam", subvertendo totalmente a distribuição do rendimento, apropriando-se as elites políticas do rendimento proveniente da exportação das matérias-primas, negligenciando o investimento nas infra-estruturas, na educação, na saúde, tendo como consequência, o afluxo de gente do meio rural para as vilas e cidades, estando o movimento em linha contínua, por substituição, sendo que, os que tinham algumas possibilidades, migraram para a capital e alguns da capital, maioritariamente, imigraram para outros países. Como resultado, as grandes metrópoles africanas (Lagos, Abidjan, Luanda, Kinshasa e outras), estão abarrotadas de gente do meio rural, desprovidas de hábitos, tão pouco a capacidade de viver em cidades. Estima-se, por exemplo, que Luanda já tenha mais de 10 milhões de habitantes.                              

Sendo que a responsabilidade actual do estado de degradação das condições sócio-económicas nos países africanos é partilhada, entre as antigas potências coloniais e as elites políticas que sucederam, faz sentido que se encetem acções conjuntas visando a reversão do quadro prevalecente, que faz com que as pessoas procurem felicidade nos países dos seus subjugadores do passado. A hostilidade e xenofobia abertamente manifestada pelos partidos da estrema direita e cidadãos comuns das sociedades hospedeiras desse afluxo de imigrantes, de nada valerá, as pessoas continuarão à procura de felicidade onde ela estiver, nada os travará, tal como não foram travadas as caravelas. Por conseguinte, a solução está na criação de condições de vida nos seus países de origem, apoiando programas que capacitem uma melhor governação.                         

A África, em particular Angola, vive, mais uma vez, momentos tristes ao perderem, o que de melhor têm, os seus jovens. No passado, foram vendidos e empurrados para a escravatura, hoje desesperadamente vão atrás das migalhas, preferencialmente, nos países outrora colonizadores, tendo em conta os laços culturais e linguísticos, sujeitando-se a várias sevícias e humilhações. Tendo vivido, por alguns anos, em outros países, aprendi um adágio, que diz que a pessoa é de onde se sente melhor. Mas nunca melhor que na sua terra! Viver com os seus e no seio da sua cultura é sempre melhor. Devemos lutar, para consolidar as instituições, em vez de homens fortes. Fazer com que perante a lei sejamos todos iguais, e que todos tenham obediência, unicamente, às leis do país. Tenhamos instituições de soberania fortes independentes e que permitam os equilíbrios, para prevenir as naturais arbitrariedades dos homens. As caravelas devem, sim, regressar com os produtos e não com as pessoas de África. Samuel Candundo – Angola in “Novo Jornal”

 


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