A capela mais antiga do Índico foi construída por portugueses há 500 anos e vai ser requalificada em 2023, com um projeto recheado de história e detalhes
O
projeto de reabilitação bebeu do misticismo e espanto que a edificação provoca
a quem a visita, explica o arquiteto autor do trabalho. “Durante dias em que
estive na capela, pude presenciar visitantes que se prostravam, que se
ajoelhavam, faziam orações, mesmo alguns que não eram religiosos admiravam a
imponência do local”, conta o arquiteto Muahammad Cássimo à Lusa.
“Eles
sentiam o peso” da história do local.
Foi
numa noite estrelada de luar que pensou que “com uma luz discreta, amarela”, a
capela ganharia um entorno à altura das reações dos visitantes, num ambiente
que passaria a estar acessível durante visitas noturnas.
A
iluminação está prevista e orçada e vai ser uma realidade. Além disso, a capela
de Nossa Senhora do Baluarte ostenta várias características raras, capazes de
provocar espanto.
É
a construção de alvenaria mais antiga de toda a costa africana do oceano
Índico, mais antigo edifício europeu hoje de pé, assente num banco de coral,
mesmo à beira do mar (numa das marés vivas de 2021, as ondas cobriam-na, conta
o guia) e nasceu mesmo antes de ser construída a fortaleza da ilha de
Moçambique, que mais parece um gigante ao seu lado.
O
edifício resistiu a ataques contra a armada portuguesa, venceu ciclones, mas
agora tem a base esventrada por cinco séculos de marés e o esqueleto corroído
pelo salitre, impregnado pelo vento.
Os
governos de Portugal e Moçambique e a construtora Mota Engil assinaram em
fevereiro um memorando de entendimento para a reabilitação que deverá arrancar
em maio.
“Um
dos maiores problemas são as falhas no baseamento”, cuja muralha “foi
descomposta”, deixando a sustentação ameaçada por “buracos que chegam a três
metros” de profundidade, por onde as ondas entram e tiram os aterros, ficando
as pedras sem suporte.
No
limite, se nada se fizesse, parte da capela podia colapsar nas ondas.
Mas
o restauro da base mostra como o trabalho vai ter várias peculiaridades:
naquela secção só vai ser possível trabalhar com a maré baixa e com cuidados
acrescidos.
Além
disso, na capela, “há elementos arquitetónicos que podíamos até chamar de
arqueológicos” e para a recuperação dos quais se requer a presença de
especialistas moçambicanos e portugueses, como é o caso de um túmulo emparedado
que foi vandalizado.
“Aqui
há 12 túmulos, todos de pessoas importantes”, explica Momade Raisse, guia da
fortaleza de São Sebastião e da capela de Nossa Senhora do Baluarte.
Aponta
para alguns e vai recitando as descrições com que recebe os visitantes: “um
bispo sepultado em 1588”, um “governador-geral do século XIX” e um outro túmulo
“que não conseguimos distinguir, porque a escrita desapareceu há muito tempo”.
Todos
os dias, das 08:30 às 16:30, é possível visitar a capela, mas é aos
fins-de-semana que as visitas costumam aparecer, descreve à Lusa.
Raisse
não sabe quando é que ali houve uma missa pela última vez, mas o misticismo
persiste e já houve visitantes a deixar dinheiro na pedra do altar, como num
ofertório, apesar de o interior estar igualmente despido, corroído e manchado
pela humidade.
O
guia tem cuidado onde põe os pés na zona do “nártex”, ou seja, numa espécie de
alpendre largo cuja cobertura ruiu faz tempo, à entrada da capela, no mesmo
sítio onde permanece o resto de um púlpito e de uma parede, cuja pedra parece
ter sido trazida de Portugal.
“Todas
as decisões no projeto de recuperação foram pensadas para dar maior
durabilidade” à capela, explica Muhammad Cássimo, que espera que as “gerações
vindouras” reforcem os cuidados de manutenção de um património histórico
valioso e com forte potencial de atração turística.
“Estamos
a introduzir algumas técnicas, porque não sabemos se vamos ter outra
oportunidade destas” no âmbito dos trabalhos de recuperação, destacou à Lusa.
Por
exemplo, a argamassa do reboco vai ser preparada para durar mais tempo e estão
previstos tampos móveis para evitar a entrada da água durante marés vivas.
Os
ciclones que sempre fizeram parte da costa moçambicana estão agora “mais
frequentes” e o projeto reforça essa resistência às intempéries, acrescentou.
O
arquiteto e a capela são velhos conhecidos.
Muhammad
Cássimo, 38 anos, é natural da Ilha de Moçambique e só saiu da província para
se formar em arquitetura, uma via escolhida porque desde miúdo brincava entre
ruínas de edifícios — a Ilha foi declarada Património Mundial da Humanidade
pela UNESCO em 1991 e a fortaleza e a capela são só dois dos vários edifícios
classificados.
“A
minha meta: quando mais casas reabilitar, melhor. Quando acabei o curso,
voltei”, conta à Lusa, um regresso em que acompanhou o arquiteto José Forjaz na
reabilitação da capela em 1997.
Já
ali passou muitas horas, diz que até mapeou fissuras que depois viu crescer e
tornarem-se fendas bem visíveis.
“Já
fiz viagens noturnas” e os navegadores de ‘dhow’ – embarcação à vela da região
– dizem que a capela iluminada “vai facilitar-lhes a vida”, sobretudo em dias
de mar agitado e quando na ilha não há energia.
A
requalificação vai reavivar a função de vigia no acesso ao mar alto que há 500
anos fez com que a construíssem no extremo norte da ilha (que haveria de ser a
primeira capital de Moçambique), encavalitada sobre pedras de coral, à espreita
da rota da Índia. In “Sapo 24” – Portugal com “MadreMedia / Lusa”
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