Eugénio Novikoff Sales, pintor macaense conhecido pelos seus trabalhos de traço único focado na lusofonia, tem consigo aquilo que descreve como um verdadeiro tesouro nacional chinês: 12 pinturas de Wen Zhengming, um dos mais prestigiados pintores e calígrafos chineses da Dinastia Ming. As obras, de valor incalculável, vão poder ser vistas breve em exposição na Fundação Rui Cunha
Para
os conhecedores de arte chinesa, Wen Zhengming é um nome que dispensa
apresentações. Reconhecido como um dos mais prestigiados pintores, calígrafos e
até poetas chineses da Dinastia Ming, faz parte dos chamados Quatro Mestres da
Dinastia Ming, juntamente com Shen Zhou, Tang Yin e Qui Ying.
Em
Macau encontra-se um verdadeiro “tesouro nacional”: uma colecção de 12
trabalhos de Wen Zhengming que pertencem a Eugénio Novikoff Sales, pintor
macaense conhecido pelos traços lusófonos que imprime nos seus trabalhos que
lhe valeram já várias distinções a nível internacional.
“O
pintor é muito conhecido da Dinastia Ming, considerado um dos quatro maiores
pintores desta dinastia. É um tesouro nacional. As pinturas que eu tenho são
feitas em ouro, são muito raras e estão em muito bom estado”, começou por
contar ao Ponto Final. O pintor, que é também coleccionador de arte, acabou
pode fazer uma verdadeira descoberta após ter regressado da Indonésia. Depois
do período de observação médica em quarentena, aproveitou para “matar saudades”
daquilo que mais gostava de fazer, incluindo uma visita aos ‘tintins’,
expressão usada para descrever o mercado de rua junto ao Cinema Alegria onde se
compram coisas antigas e, por vezes, se podem encontrar alguns achados.
“Comprei um lote que tinha várias coisas, ao início nem sabia bem o que era, só
depois é que tirei umas fotos e mostrei a uma pessoa chinesa para saber o que
era e que me disse ‘Vais ficar milionário! São do pintor Wen Zhengming’. Fiz
umas pesquisas e vi que afinal era um pintor muito afamado, e que as pinturas
são caríssimas. Tive sorte, afinal a pandemia também trouxe alguma coisa boa!”,
contou, entre sorrisos.
Ciente
deste “tesouro” que tem nas mãos, o pintor macaense acredita que, devido à sua
importância e relevância histórica, as autoridades chinesas poderão mostrar
interesse nestes trabalhos, apesar de se sentir muito honrado por os ter na sua
colecção. “Não estou a pensar em vender, talvez se houver alguém interessado,
como o Governo da China, porque isto é um tesouro nacional. Mas por enquanto
estão muito bem comigo, estou a apreciar esta colecção de pinturas”, sublinhou.
Nos
trabalhos é possível apreciar paisagens de montes e vales chineses, com
pequenos detalhes que captam ainda mais a atenção com os seus tons dourados. “É
papel pintado a ouro, e depois ele usa um pincel muito meticulosamente, fazendo
as linhas, acompanhado com um poema e o carimbo”, explicou Eugénio Novikoff
Sales.
São,
no total, 12 trabalhos que, no entender do pintor macaense, representam uma
colecção, enaltecendo ainda mais o valor das obras. “É uma colecção de 12,
pode-se fazer uma exposição só com elas, e fora isso podem-se fazer muitas
outras coisas, como postais, livros, entre outros. Isto é um tesouro nacional,
isso é certo, são pinturas inéditas. Penso que foram muito bem preservadas,
porque o tempo que elas têm, mais a qualidade da pintura, devia ser uma
colecção de uma pessoa rica”, acrescentou o pintor.
Caça ao tesouro
Apesar
de entusiasmante, a vida de um coleccionador de arte em Macau nem sempre é
fácil, exigindo muito trabalho de pesquisa, saber onde procurar e alguma sorte.
“Quando comecei à caça de coisas antigas em Macau tinha que fazer muito
trabalho. Antigamente demoliam casas antigas, mesmo de ilustres macaenses e
chineses, tínhamos que ir atrás destas pessoas que faziam a demolição para ver
se eles tinham coisas antigas”, começa por recordar.
Depois
de identificar potenciais alvos onde se poderiam encontrar alguns “tesouros”,
era preciso também saber negociar… e investir. “As pessoas que destroem as
casas para construir uma coisa nova vão directamente às pessoas e pedem 30 mil
patacas para duas horas, e a pessoa entra naquela casa e, durante essas duas
horas, pode tirar tudo o que quiser. Depois há uma segunda via, passa para 10
mil, por exemplo, e se a pessoa tiver sorte ainda apanha alguma coisa. E o
resto eles atiram fora, e esse tipo de coisas ou calham nos ‘tintins’ ou nas
pessoas que apanham o lixo”, contou. “Nunca imaginei que pudessem ser de um
artista tao afamado. Se formos a ver, ele é comparado ao Leonardo Da Vinci, é
uma pessoa da Dinastia Ming. Em Macau antigo, quem é que podia ter coisas
destas? Só famílias riquíssimas”, apontou o pintor.
Obras
de grande valor no mundo artístico trazem por vezes algumas dores de cabeça
para os coleccionadores devido à existência de falsificações, sobretudo dos
pintores mais afamados. Apesar de não se considerar um perito nessas matérias,
Eugénio Novikoff Sales não tem dúvidas que são verdadeiras. “Já tive uma ou
duas pessoas a verem as obras e disseram que esta cor dourada é difícil de ser
falsificada, e o carimbo de cor vermelha dá para ver que não é falso. Trabalhos
em porcelana ou em papel de arroz de branco são muito fáceis de falsificar,
neste caso, nas 12 obras, é tudo igual no tom da cor, não há diferenças entre
uns e outros”, explicou.
Ao
Ponto Final confessou o desejo de ser feita uma exposição para que mais pessoas
possam apreciar estas obras “raríssimas”, e essa vontade deverá realizar-se já
no final deste mês através da Fundação Rui Cunha. A ideia, segundo os
organizadores, passa por colocar os 12 trabalhos em exposição durante cerca de
duas semanas, estando ainda prevista uma palestra sobre pintura e arte chinesa.
Wen Zhengming, pintor, poeta e calígrafo
Wen
Zhengming era natural de Changzhou (hoje Suzhou, província de Jiangsu), (n 28.11.1470) - (f 28.03.1559). Começou
a ler poesia e clássicos literários desde muito cedo e desenvolveu um interesse
profundo pela caligrafia e pintura. A sua caligrafia seguiu o estilo de Li
Yingzhen (1431-1439), a sua escrita inspirou-se em Wu Kuan (1435-1504), e a sua
pintura teve como modelo Shen Zhou (1427-1509).
Os
esforços de Wen numa carreira burocrática foram mal sucedidos, uma vez que
reprovou dez vezes no exame de recrutamento para a função pública. A sua última
tentativa, aos 53 anos de idade, foi 27 anos após o seu primeiro fracasso. No
ano seguinte, aos 54 anos de idade, foi finalmente recomendado e nomeado para
um lugar na Academia de Hanlin. Permaneceu durante três anos antes de se
reformar aos 57 anos de idade, e depois regressou a casa imerso em caligrafia e
pintura.
Os
temas das suas pinturas vão desde paisagens, bambu e orquídeas a figuras,
pássaros e flores, com destaque para pinturas paisagísticas. O seu trabalho com
pincéis apresenta dois estilos distintos: uma abordagem áspera e desenfreada
que reflecte a sua compreensão de Shen Zhou, Wu Zhen (1280-1354) e Zhao Mengfu
(1254-1322) ao delinear os espaços e árvores, rochas e bambus; e uma abordagem
refinada e menos extravagante na representação de detalhes e formas delicadas.
Esta última tornou-se uma característica da pintura da Escola Wu. Considerado
um mestre da Escola Wu, Wen Zhengming foi agrupado com Shen Zhou, Tang Yin, e
Qiu Ying como os Quatro Mestres da Dinastia Ming.
Wen
Zhengming escolhia frequentemente temas de pintura de grande simplicidade, como
uma única árvore ou rocha. Peritos descrevem o seu trabalho como algo que
mostra um sentimento de força através do isolamento. Muitas das suas obras
também celebram os contextos da vida social de elite para a qual foram criadas.
Colaborou na concepção do Jardim do Administrador Humilde, um dos quatro
maiores e mais importantes jardins na China, situado em Suzhou, considerado
Património Mundial da UNESCO desde 1997. Pedro Santos – Macau in “Ponto
Final”
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