Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Moçambique - Apresentação do livro “O Galo Ruivo” de Aldino Muianga


Um novo livro do Aldino Muianga é sempre um muito esperado evento literário em Moçambique!

Para quem gosta da escrita do Aldino, fica sempre a expectativa do próximo livro. O próximo deleite na sua leitura. E aqui temos um novo livro seu, “O Galo Ruivo”.

Demorou a ser lançado, mas finalmente viu a luz do dia.

Para termos uma percepção da morosidade do processo e deitar algumas achas para a fogueira começada na conversa da passada terça-feira aqui no Camões, num despique entre o Aldino e o Mbate, conto um pouco do meu envolvimento nesta história.

No dia 10 de Janeiro de 2020 recebi uma mensagem por WhatsApp do meu amigo Aldino. Nela Dizia:

“A novidade é esta: estou a preparar a publicação de uma colectânea de contos que estava a acumular poeira nas minhas gavetas há muito tempo. Tenho estado aqui a pensar quem poderia prefaciar esse volume. Depois de várias consultas achei que eras a pessoa mais indicada para esse efeito. Convido-te formalmente a juntar-te a mim neste novo projecto. Conto publicar no segundo trimestre deste ano. Aceitas o desafio? Queres juntar-te a mim à volta desta? Aguardo pelo teu parecer.”

Confesso que li várias vezes a mensagem e cheguei a pensar: “Que estranha literatura anda ele a ler pela África do Sul para pensar em mim para escrever o Prefácio?”. Mas depois de algumas trocas de mensagens extra convenci-me que o Aldino não tinha andado a ler nada de ilegal e realmente me queria a mim para escrever o Prefácio.

Claro que aceitei, apesar de grande dose de medo que me atacou.

E claro que me lembrei do que a minha Mãe me gostava tantas vezes de dizer desde jovem: um prefácio é um texto que se escreve depois de um livro ser escrito, é colocado no início do livro e ninguém o lê nem antes nem depois!

Mas, mesmo assim, não podia deixar de prestar esta homenagem ao Aldino, e humildemente, ter essa honra de escrever esse Prefácio e estar aqui a apresentar o último livro deste grande escritor. Dois anos e meio depois do convite inicial!!!

Um pouco na mesma linha da conversa de outro dia “Médicos & Remédios” começo por falar deste tema da ligação da Literatura e da Medicina, com tantos casos na literatura mundial de médicos que também são escritores e poetas.

Há os exemplos clássicos noutras línguas de Chekov, Somerset Maugham, William Carlos Williams, Louis-Ferdinand Céline e Stanislav Lem, e, em língua Portuguesa, os exemplos de Miguel Torga, Fernando Namora, António Lobo Antunes e Agostinho Neto. Moçambique, com a sua pujança literária actual, não podia deixar de ter a sua quota parte de médicos-escritores já conhecidos, como por exemplo, Mbate Pedro, poeta e editor, e Aldino Muianga, contista e romancista.

Vindo eu da Ciência em geral e da Medicina em particular e estando modestamente ligado à Literatura, não podia deixar de me interessar por estas curiosas pontes / ligações / hibridizações.

Pelo Mundo fora, e ao longo da História, a Literatura não foi feita apenas por pessoas formadas em Letras ou Literatura. Existem muitos escritores com áreas de formação muito diversas, como cientistas, engenheiros, economistas, advogados e mesmo auto-didactas. E também existem muitos médicos!

Mas se esse é o caso, porquê então essa admiração em especial por médicos escritores?

É fácil fazer generalizações. E se o meu interesse for a Medicina, poderei dizer: Muitos escritores são médicos!

Mas nem todos os médicos são escritores e nem todos os escritores são médicos.

Contudo há aqui uma ligação curiosa. Um médico já tem a sua vida tão ocupada pelo seu trabalho profissional que encontrar tempo extra para escrever requer organização, perseverança e amor à literatura. Só essa característica já seria interessante, mas penso que o mais importante aqui é o lado de contacto e observação humanas que a profissão de médico traz consigo e o que essa vertente pode trazer à escrita. Há um olhar clínico, humano, de saber olhar para o outro, de sentir o outro, que aprofunda a literatura. E outro dia o Aldino disse alguma coisa que pela primeira vez me abriu os olhos: um médico tem muitas vezes de fazer a história clínica do doente e muitas vezes, também, para chegar lá, tem de ouvir as histórias pessoais do doente. E que manancial de enredos poderá daí advir, imiscuído com a humanidade de saber ouvir e respeitar a história do doente.


O médico escritor Miguel Torga tem uma série de livros de contos sobre as pessoas do campo e da montanha. E eu não consigo deixar de ler os contos de Aldino Muianga sem pensar em Miguel Torga, porque o Aldino nos faz uma coisa semelhante, que é trazer o seu olhar humano para essas histórias que se passam fora da cultura citadina mais culta, fora dos ambientes em que a maioria dos leitores dos seus livros vive. Dá voz a pessoas que normalmente não têm voz literária e assim nos abre o mundo e o torna mais rico e profundo.

E a lembrança de Miguel Torga vem também pela partilha do estilo literário do conto. Esse estilo onde o escritor num número curto de páginas conta uma pequena história em pinceladas rápidas que nos abre uma pequena janela da vida das personagens e nos traz momentos e pensamentos das gentes que tantas vezes nos cruzam o caminho e não as sabemos ver e ouvir.

O Aldino tem 14 livros publicados, quatro romances, uma novela e nove livros de contos. Obviamente o conto é o principal estilo dele, o seu forte. E eu confesso que é esse o meu estilo de prosa preferido. Questões de gosto…

Em Moçambique, seguindo o movimento global em que as novas gerações literárias se vão modernizando cada vez mais e urbanizando cada vez mais, é muito bom haver escritores que contem histórias do mundo rural e suburbano, porque é essencial para manter viva essa história humana que faz um país, principalmente quando essas histórias são contadas por alguém com a visão humana de um médico.

Não vou fazer aqui uma análise do livro e dos contos, porque o pouco que disse de interesse já está no Prefácio do livro, mas posso dizer que este livro “O Galo Ruivo” é composto por setes contos que, de certa forma, vêm na sequência do anterior livro do Aldino “Os Funerais de Mubengane”, mas enquanto o livro anterior é mais focado no ambiente rural, este novo livro aborda mais o ambiente suburbano, aqui em Moçambique ainda muito marcado pela transição recente do campo para a cidade, acarretando consigo ainda muita da maneira de pensar e viver rural mas já moldado à vida na grande cidade. Um fantástico registo desta faceta da história de Moçambique!

Estava ontem a conversar com duas amigas sobre a força da Literatura para mudar o Mundo e se atentarmos a estes contos do Aldino, com toda a sua humanidade e calor humano, podemos compreender que, se muito mais gente lesse estes contos, poderia haver muito mais pessoas a olharem o mundo com mais compaixão!

Há pessoas que nos cruzam a vida e, de repente, sem sabermos porquê, nos inspiram admiração, respeito, confiança, proximidade e amizade. E o Aldino é uma dessas pessoas. Um amigo que me entrou na vida pela porta da frente e com muita naturalidade. E entrou para ficar!

Só espero que o Aldino continue na sua força literária a escrever por muito mais tempo e nos continue a brindar com estes livros que tanto enriquecem a literatura moçambicana.

Um grande abraço, meu querido amigo! Mário Secca – Moçambique in “O País”

Aldino Muianga - Nasceu em Maputo em 1950. Escritor, médico cirurgião e docente, vive e trabalha em Pretória, na África do Sul. Vencedor do Prémio Craveirinha, em 2009, com a obra “Contravenção” (2008). Autor dos livros “Xitala Mati” (contos, 1987), “Magustana” (novela, 1992), “A noiva de Kebera” (contos, 1999), “Rosa Xintimana” (romance, 2001), “O Domador de Burros” (contos, 2003), “Meledina ou histórias de uma prostituta” (romance, 2004), “A metamorfose” (contos, 2005), “Contos Rústicos” (contos, 2007), “Contravenção - Uma História de Amor em Tempos de Guerra” (romance, 2008) e “Asas Quebradas” (romance, 2017). Autor homenageado na 4ª edição do RESILIÊNCIA - Festival Literário (2021).




 

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