Um
novo livro do Aldino Muianga é sempre um muito esperado evento literário em
Moçambique!
Para
quem gosta da escrita do Aldino, fica sempre a expectativa do próximo livro. O
próximo deleite na sua leitura. E aqui temos um novo livro seu, “O Galo Ruivo”.
Demorou
a ser lançado, mas finalmente viu a luz do dia.
Para
termos uma percepção da morosidade do processo e deitar algumas achas para a
fogueira começada na conversa da passada terça-feira aqui no Camões, num
despique entre o Aldino e o Mbate, conto um pouco do meu envolvimento nesta
história.
No
dia 10 de Janeiro de 2020 recebi uma mensagem por WhatsApp do meu amigo Aldino.
Nela Dizia:
“A
novidade é esta: estou a preparar a publicação de uma colectânea de contos que
estava a acumular poeira nas minhas gavetas há muito tempo. Tenho estado aqui a
pensar quem poderia prefaciar esse volume. Depois de várias consultas achei que
eras a pessoa mais indicada para esse efeito. Convido-te formalmente a
juntar-te a mim neste novo projecto. Conto publicar no segundo trimestre deste
ano. Aceitas o desafio? Queres juntar-te a mim à volta desta? Aguardo pelo teu
parecer.”
Confesso
que li várias vezes a mensagem e cheguei a pensar: “Que estranha literatura
anda ele a ler pela África do Sul para pensar em mim para escrever o
Prefácio?”. Mas depois de algumas trocas de mensagens extra convenci-me que o
Aldino não tinha andado a ler nada de ilegal e realmente me queria a mim para
escrever o Prefácio.
Claro
que aceitei, apesar de grande dose de medo que me atacou.
E
claro que me lembrei do que a minha Mãe me gostava tantas vezes de dizer desde
jovem: um prefácio é um texto que se escreve depois de um livro ser escrito, é
colocado no início do livro e ninguém o lê nem antes nem depois!
Mas,
mesmo assim, não podia deixar de prestar esta homenagem ao Aldino, e
humildemente, ter essa honra de escrever esse Prefácio e estar aqui a
apresentar o último livro deste grande escritor. Dois anos e meio depois do
convite inicial!!!
Um
pouco na mesma linha da conversa de outro dia “Médicos & Remédios” começo
por falar deste tema da ligação da Literatura e da Medicina, com tantos casos
na literatura mundial de médicos que também são escritores e poetas.
Há
os exemplos clássicos noutras línguas de Chekov, Somerset Maugham, William
Carlos Williams, Louis-Ferdinand Céline e Stanislav Lem, e, em língua
Portuguesa, os exemplos de Miguel Torga, Fernando Namora, António Lobo Antunes
e Agostinho Neto. Moçambique, com a sua pujança literária actual, não podia
deixar de ter a sua quota parte de médicos-escritores já conhecidos, como por
exemplo, Mbate Pedro, poeta e editor, e Aldino Muianga, contista e romancista.
Vindo
eu da Ciência em geral e da Medicina em particular e estando modestamente
ligado à Literatura, não podia deixar de me interessar por estas curiosas
pontes / ligações / hibridizações.
Pelo
Mundo fora, e ao longo da História, a Literatura não foi feita apenas por
pessoas formadas em Letras ou Literatura. Existem muitos escritores com áreas
de formação muito diversas, como cientistas, engenheiros, economistas,
advogados e mesmo auto-didactas. E também existem muitos médicos!
Mas
se esse é o caso, porquê então essa admiração em especial por médicos
escritores?
É
fácil fazer generalizações. E se o meu interesse for a Medicina, poderei dizer:
Muitos escritores são médicos!
Mas
nem todos os médicos são escritores e nem todos os escritores são médicos.
Contudo
há aqui uma ligação curiosa. Um médico já tem a sua vida tão ocupada pelo seu
trabalho profissional que encontrar tempo extra para escrever requer
organização, perseverança e amor à literatura. Só essa característica já seria
interessante, mas penso que o mais importante aqui é o lado de contacto e
observação humanas que a profissão de médico traz consigo e o que essa vertente
pode trazer à escrita. Há um olhar clínico, humano, de saber olhar para o
outro, de sentir o outro, que aprofunda a literatura. E outro dia o Aldino
disse alguma coisa que pela primeira vez me abriu os olhos: um médico tem
muitas vezes de fazer a história clínica do doente e muitas vezes, também, para
chegar lá, tem de ouvir as histórias pessoais do doente. E que manancial de
enredos poderá daí advir, imiscuído com a humanidade de saber ouvir e respeitar
a história do doente.
O
médico escritor Miguel Torga tem uma série de livros de contos sobre as pessoas
do campo e da montanha. E eu não consigo deixar de ler os contos de Aldino
Muianga sem pensar em Miguel Torga, porque o Aldino nos faz uma coisa
semelhante, que é trazer o seu olhar humano para essas histórias que se passam
fora da cultura citadina mais culta, fora dos ambientes em que a maioria dos leitores
dos seus livros vive. Dá voz a pessoas que normalmente não têm voz literária e
assim nos abre o mundo e o torna mais rico e profundo.
E
a lembrança de Miguel Torga vem também pela partilha do estilo literário do
conto. Esse estilo onde o escritor num número curto de páginas conta uma
pequena história em pinceladas rápidas que nos abre uma pequena janela da vida
das personagens e nos traz momentos e pensamentos das gentes que tantas vezes
nos cruzam o caminho e não as sabemos ver e ouvir.
O
Aldino tem 14 livros publicados, quatro romances, uma novela e nove livros de
contos. Obviamente o conto é o principal estilo dele, o seu forte. E eu
confesso que é esse o meu estilo de prosa preferido. Questões de gosto…
Em
Moçambique, seguindo o movimento global em que as novas gerações literárias se
vão modernizando cada vez mais e urbanizando cada vez mais, é muito bom haver
escritores que contem histórias do mundo rural e suburbano, porque é essencial
para manter viva essa história humana que faz um país, principalmente quando
essas histórias são contadas por alguém com a visão humana de um médico.
Não
vou fazer aqui uma análise do livro e dos contos, porque o pouco que disse de
interesse já está no Prefácio do livro, mas posso dizer que este livro “O Galo
Ruivo” é composto por setes contos que, de certa forma, vêm na sequência do
anterior livro do Aldino “Os Funerais de Mubengane”, mas enquanto o livro
anterior é mais focado no ambiente rural, este novo livro aborda mais o
ambiente suburbano, aqui em Moçambique ainda muito marcado pela transição
recente do campo para a cidade, acarretando consigo ainda muita da maneira de
pensar e viver rural mas já moldado à vida na grande cidade. Um fantástico
registo desta faceta da história de Moçambique!
Estava
ontem a conversar com duas amigas sobre a força da Literatura para mudar o
Mundo e se atentarmos a estes contos do Aldino, com toda a sua humanidade e
calor humano, podemos compreender que, se muito mais gente lesse estes contos,
poderia haver muito mais pessoas a olharem o mundo com mais compaixão!
Há
pessoas que nos cruzam a vida e, de repente, sem sabermos porquê, nos inspiram
admiração, respeito, confiança, proximidade e amizade. E o Aldino é uma dessas
pessoas. Um amigo que me entrou na vida pela porta da frente e com muita
naturalidade. E entrou para ficar!
Só
espero que o Aldino continue na sua força literária a escrever por muito mais
tempo e nos continue a brindar com estes livros que tanto enriquecem a
literatura moçambicana.
Um
grande abraço, meu querido amigo! Mário Secca – Moçambique in “O País”
Aldino Muianga -
Nasceu em Maputo em 1950. Escritor, médico cirurgião e docente, vive e trabalha
em Pretória, na África do Sul. Vencedor do Prémio Craveirinha, em 2009, com a
obra “Contravenção” (2008). Autor dos livros “Xitala Mati” (contos, 1987),
“Magustana” (novela, 1992), “A noiva de Kebera” (contos, 1999), “Rosa
Xintimana” (romance, 2001), “O Domador de Burros” (contos, 2003), “Meledina ou
histórias de uma prostituta” (romance, 2004), “A metamorfose” (contos, 2005),
“Contos Rústicos” (contos, 2007), “Contravenção - Uma História de Amor em
Tempos de Guerra” (romance, 2008) e “Asas Quebradas” (romance, 2017). Autor
homenageado na 4ª edição do RESILIÊNCIA - Festival Literário (2021).
Sem comentários:
Enviar um comentário