O dia é de Camões, mas o início do poema “Ser Poeta” de Florbela Espanca cai que nem uma luva nas cerimónias do 10 de Junho que tiveram lugar no território na manhã de ontem. O habitual hastear da bandeira portuguesa e a romagem à gruta de Camões fizeram-se com a pompa e circunstância possível em tempos incertos de pandemia
Nem
mais segundo, nem menos segundo. Às 9h da manhã de ontem, quem passava em
frente ao Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, situado no centro
da cidade, podia ouvir alto e bom som “A Portuguesa” a ser tocada pela banda do
Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), enquanto dois elementos do Grupo
de Escuteiros Lusófonos de Macau içavam as bandeiras portuguesa e da União
Europeia. Ontem, para quem não sabe, foi Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas.
Foram,
certamente, algumas dezenas de pessoas aquelas que por ali estiveram presentes
e ainda mais uns quantos curiosos que passavam e ficaram a assistir. A
cerimónia durou um abrir e fechar de olhos, mas foi o tempo suficiente para que
todos ali presentes, em uníssono, cantassem “A Portuguesa” de pulmão aberto.
Ontem, sentiu-se patriotismo no número 45 da Rua Pedro Nolasco da Silva, que
apenas abriu portas para a ocasião, ontem local encerrado, por ser feriado em
Portugal.
Por
esta altura o calor já se fazia sentir forte no território. Facilmente, as
pessoas se queixavam da temperatura e do suor incomodativo tão cedo. “Já
terminou a cerimónia?”, questionou uma senhora que chegou atrasada. “Sim,
começou mesmo às nove horas, respondeu outra. “Nem parecem portugueses”, voltou
a falar a primeira. E por ali ficou a conversa.
Entre
beijinhos e abraços, muitas foram as conversas de circunstância. Ainda assim, o
tempo não se podia perder. Pelas 10h, outra cerimónia, desta vez no Jardim Luís
de Camões com a tradicional romagem à gruta do poeta.
Depois de um ano de interregno
“Este
Camões, esteve ou não esteve em Macau?”, perguntou um homem para outro. “Que
importa isso agora. Hoje é dia de Portugal”, respondeu o outro. Num dos
principais e mais antigos jardins do território, agora mais restrito devido ao
surto de Covid-19 que surgiu na vizinha província de Guangdong, começaram a
chegar algumas das caras que haviam estado no edifício do antigo Hospital de
São Rafael, hoje o único imóvel propriedade do Estado português em Macau,
depois da transferência de administração no final de 1999.
Todas
(ou quase todas) as instituições de matriz portuguesa do território se fizeram
representar no momento simbólico de homenagear o expoente máximo da literatura
portuguesa. Depois de no ano passado a cerimónia ter sido suspensa, ontem os
tradicionais arranjos florais estavam montados à boca da gruta, cada um de sua
forma, cada um de sua cor. Portugueses, africanos, macaenses, chineses e até
anglo-saxónicos. Foram muitos os que, de uma forma ou de outra, não quiseram
perder pitada do momento.
Depois
de declamado um poema de Camões a diversas vozes dos alunos da Escola
Portuguesa de Macau – a escolha recaiu no soneto “Quem diz que Amor é falso ou
enganoso” –, o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Paulo Cunha
Alves, foi cicerone na breve deslocação à gruta de Camões, onde foi erguido um
busto de homenagem ao poeta d’ Os Lusíadas. Uma breve reverência foi o que se
viu por parte do diplomata, secundado por dois elementos dos escuteiros.
Em
surdina, alguém comentava as escolhas de Fernando Santos para o Europeu de
futebol que de avizinha. Portugal defende o título conquistado em França, em
2016, num grupo considerado de “morte”. Morte, leram bem. “Não temos quaisquer
hipóteses”, dizia um indivíduo macaense para um outro português. “Não sejas
maluco. Tens de ser mais patriota”, respondeu o interlocutor. E a conversa
ficou por ali, pois o dia era solene demais para se estar a falar de coisas
mundanas.
A
fila de espera na romagem, apesar do bom dia de sol, era curta se comparada com
outros anos. A pandemia de Covid-19, aliada ao possível e generalizado
desinteresse da comunidade portuguesa do território, explicam a rapidez com que
aconteceu a homenagem. Chegou-se, viu-se e, depois de dois ou três dedos de
conversa, venceu-se.
Tempo
ainda para Rita Santos, conselheira das Comunidades Portuguesas e presidente do
Conselho Regional dos Conselheiros das Comunidades Portuguesas da Ásia e
Oceânia, cantar, de cor, um canto d’Os Lusíadas, depois do desafio de Paulo
Cunha Alves. Não falou, não declamou. Cantou literalmente uma das partes da
obra máxima da literatura portuguesa, quiçá lusófona.
Como
acabou, assim terminou. Cerca de trinta minutos foram suficientes para pontuar
uma cerimónia que, em tempos considerados normais, duraria mais de uma hora.
Houve quem ficasse pelo jardim a trocar mais um ou dois dedos de conversa,
enquanto, ali ao lado, algumas mulheres praticavam, com leques vermelhos,
harmoniosas manobras estilosas de tai chi chuan. O calor, esse, começava
a atingir laivos de obscenidade.
Amizade secular
Para
o início da noite, estava reservada a recepção à comunidade portuguesa na residência
oficial do cônsul-geral de Portugal instalada no antigo Hotel Bela Vista. Sem
os habituais comes e bebes, petiscos e iguarias do “nosso” Portugal, o evento
acabou por ser mais sisudo e desprovido daquele calor humano, mas ainda com
muito calor atmosférico.
Na
troca de discursos, o cônsul-geral de Portugal, Paulo Cunha Alves, lembrou o
importante papel da comunidade portuguesa em Macau e agradeceu ao Governo de
Macau e ao Governo da República Popular da China pela amizade secular.
Ladeado
por alguns dos altos cargos da RAEM, incluindo os representantes do Gabinete de
Ligação do Governo Popular Central na Região Administrativa Especial, o Chefe
do Executivo da RAEM lembrou, que com a ajuda da China, Macau tem vindo a lutar
com galhardia contra a pandemia de Covid-19 e “os portugueses e macaenses têm
tido um papel muito importante”. Ho Iat Seng destacou ainda as “fortes relações
de Macau e da China com Portugal e com os portugueses”, dando os parabéns a
todos aqueles que, com o seu trabalho, têm ajudado no progresso do território. Gonçalo
Pinheiro – Macau in “Ponto Final”
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