Poeta essencial brasileiro, avesso à escrita subjetiva, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) teve o rigor como condutor de sua escrita e foi responsável pelo surgimento de uma poesia original, fortemente imagética. Helô Ribeiro, no novo trabalho “A Paisagem Zero”, lançado agora pelo Selo Sesc, se debruçou sobre a obra do poeta e se viu ligada a essas imagens potentes para propor a comunhão entre música e poesia neste álbum autoral.
O
projeto já era um desafio: transformar poemas em canções. “Mais difícil ainda:
transformar poemas consagrados de João Cabral de Melo Neto em letras de canções
contemporâneas, criadas pela própria artista, boa parte delas embebida na
dicção da balada, do rock e do pop”, escreveu o músico, linguista e professor
Luiz Tatit sobre o álbum.
Ao
propor esse olhar, Helô trouxe para o disco uma atmosfera predominantemente
urbana e pop, criando uma fusão entre o Nordeste de João Cabral e o cenário
paulistano do qual ela faz parte. A sonoridade remete a referências como
Mutantes e Secos e Molhados, que dialogam com o onirismo e a psicodelia dos
poemas escolhidos.
Como
resultado dessa mistura de influências e referências, os poemas de João Cabral
reverberam ao som de guitarras elétricas, teclados e efeitos eletrônicos que se
fundem com instrumentos tradicionais de orquestra, como cordas e metais, em uma
estética múltipla e fragmentada, rompendo a fronteira entre o culto e o popular.
Uma forma de “trazê-los aos ouvidos jovens”, como também lembrou Tatit.
O
trabalho abarca poemas da primeira fase do poeta, das edições de “Pedra do
Sono” (1942) e “O Engenheiro” (1945), considerada a mais onírica e visual de
sua obra, em que é apontada forte influência surrealista e cubista. “Quando li
esses poemas, as soluções melódicas e harmônicas vieram facilmente. Os versos
foram conduzindo a composição e foi orgânico”, conta Helô, que além da carreira
solo é integrante do grupo Barbatuques desde sua criação, em 1995, e do projeto
Sons e Furyas – com o qual também desenvolve um trabalho aproximando música e
literatura com o escritor André Sant’Anna e a compositora Vanessa Bumagny.
Os
dez poemas selecionados e musicados por Helô tiveram processos distintos de
composição. “A Paisagem Zero”, por exemplo, música que dá título ao álbum, foi
feita de uma só vez, com acordes que ficam se repetindo de forma circular e
mântrica, como coloca a cantora. Em outra faixa, “A Moça e o Trem”, a forma da
música se adequa ao conteúdo: ora ralentando ora acelerando, brincando com o
tempo. Completam ainda o repertório “O Rio”, single lançado em 12 de maio, que
tem a participação especial dos Barbatuques e Bruno Buarque; “A Viagem”, ao
lado de Maurício Pereira, e “Os Primos”, com Alzira E.; e as faixas
“Telescópios”, “O Fim do Mundo”, “A Paul Valéry”, “Poema Deserto” e “A Mulher
Sentada”.
Helô
Ribeiro canta em todas as faixas, além de tocar flauta transversal, na
companhia dos músicos Dustan Gallas (guitarras e teclados), Thomas Harres e
Samuel Fraga (baterias), Cuca Ferreira, Amilcar Rodrigues e Douglas Antunes
(metais) e Zé Nigro (baixo), que também assina a produção de “A Paisagem Zero”.
Participações especiais de Maurício Pereira, Alzira E, Barbatuques e Bruno Buarque.
Se
os poemas já ganham significados diversos em declamações diferentes, sua
musicalização vai um passo à frente: Helô se apropria da obra para vertê-la em
canções que transformam o cenário cabralino, apresentando-o (ou
reapresentando-o) a novos (e antigos) ouvintes. In “Vá de
Cultura” - Brasil
Repertório
Poemas de João Cabral musicados por Helô Ribeiro
- Telescópios
- O Fim do Mundo
- A Viagem
- O Rio
- Os Primos
- A Moça e o Trem
- A Paul Valéry
- A Paisagem Zero
- Poema Deserto
- A Mulher Sentada
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