A questão do investimento no Porto de Sines, entre outras, veio demonstrar que “o momento da China em Portugal pode não ser tão forte como aparenta”. A conclusão é do académico Paulo Duarte, que acaba de publicar um artigo sobre o assunto na revista JANUS, da Universidade Autónoma de Lisboa. O investigador acredita que, devido à pandemia, a relação bilateral sofre mesmo de alguma estagnação
“The
covid-19 factor in Portugal-China relations: time to rest” [O factor
covid-19 nas relações Portugal-China: tempo para descansar” é o nome do mais
recente artigo assinado pelo académico português Paulo Duarte sobre uma relação
bilateral que não se tem revelado tão forte como apontam os discursos oficiais.
Uma
das conclusões do artigo, publicado na última edição da revista JANUS, da
Universidade Autónoma de Lisboa, conclui que “apesar de iniciativas sem
precedentes, os desenvolvimentos da covid-19 vieram demonstrar que o momento
chinês em Portugal pode não ser tão forte como aparenta ser”. E isso nota-se em
alguns investimentos estratégicos que acabaram por estagnar, como é o caso do
Porto de Sines. Em Abril deste ano, foi notícia o facto de o concurso
internacional para a construção e concessão do novo terminal ter terminado sem
qualquer proposta, quer chinesa, quer americana. No entanto, as duas grandes potências
mantêm este activo debaixo de olho.
Escreve
Paulo Duarte que “os EUA escolheram o momento certo [o foco de Pequim nos
protestos de Hong Kong e a covid-19 ainda numa fase inicial” para realizar uma
visita de alto nível ao Porto de Sines a 12 de Fevereiro de 2020. Considerando
que a China já tinha demonstrado interesse no Porto de Sines”, esta “não foi
uma viagem de lazer, mas sim geopolítica”.
Segundo
explicou Paulo Duarte ao HM, “os projectos da China em Portugal, e em vários
pontos do mundo, estagnaram por causa da covid-19 na expectativa de que a China
se restabeleça em primeiro lugar, algo que tem conseguido comparando com outros
países”.
Mas
mais do que isso, nota-se “muita assertividade no tom entre a China e EUA, mais
do que propriamente uma mudança de posicionamento de Portugal face à China”.
Com
a reconquista democrata da Casa Branca como pano de fundo, Paulo Duarte
acredita que ainda é cedo para uma análise sobre o que irá mudar no tabuleiro
da política internacional.
“A
questão do Porto de Sines e da rede 5G poderão ser factores primordiais para
testar a fidelidade portuguesa face aos EUA. Mas o certo é que não vemos mais o
tom de ultimato como vimos com a Administração Trump através do seu
ex-embaixador em Portugal. Mas teremos de ver o que vai acontecer.”
O poder da NATO
Portugal,
um velho aliado da NATO, mas também um forte parceiro comercial da China,
“deverá certamente privilegiar o aliado de longa data”, tendo em conta os
interesses de ambos os países. Ao HM, Paulo Duarte confirma isso mesmo. “Não
tenhamos dúvidas [de que Portugal vai sempre manter uma ligação com a NATO”. A
relação Portugal-China é comparada pelo académico à ligação que o país tem com
a Grécia, mas “não vem retirar fidelidade [de Portugal] em relação à NATO, EUA
ou União Europeia (UE)”.
Ainda
assim, a China continuará como um importante player. “Portugal vai
aproveitar algumas propostas feitas pela China, nomeadamente em relação à rede
5G e outras, para desenvolver o nosso mercado. Isso é algo que António Costa
[primeiro-ministro] e o nosso Governo tem conseguido aproveitar, com uma
diplomacia talentosa face à China e EUA.”
Mas,
mais uma vez, a imprevisibilidade da pandemia faz com que seja cedo para traçar
conclusões definitivas. “Quando tudo estiver mais ultrapassado em termos de
vacinação contra a covid-19 vamos voltar a ver a competição por outros activos
estratégicos portugueses”, frisou o académico.
Apesar
deste jogo marcado por dois poderes, Paulo Duarte defende um maior pluralismo
de parceiros estratégicos de Portugal. “Não deveríamos dar monopólio nenhum,
mesmo como membros da NATO e da UE, a empresas apenas dos EUA. Temos de ter a
porta aberta a várias propostas. Portugal não é um grande mercado e tanto os
EUA como a China sabem disso. Mas, do ponto de vista geoestratégico, é uma
ponte entre a Europa, África e as Américas.”
Covid-19 é mais um passo
No
artigo assinado por Paulo Duarte, é defendido que a pandemia não representa
mais do que “uma fase do multilateralismo chinês”. “Antes da pandemia o
multilateralismo chinês já tinha demonstrado uma incrível sofisticação
(implícita no acesso de vários estados da UE ao Banco de Investimento de
Infra-estruturas Asiático contra a vontade dos EUA), e na era pós-covid-19
ainda se mantém”, lê-se ainda.
Com
uma nova ordem mundial “a ganhar forma”, e sem que haja um consenso sobre como
vai ser a diplomacia mundial nos próximos tempos, só um ponto ganha “relativa
convergência” face a como será o mundo no pós-pandemia.
“Há
uma consciência de que a pandemia mostrou as vulnerabilidades do mercado
global, mas também [a ideia] de que nenhum Estado soberano deveria continuar a
depender de Estados terceiros em domínios estratégicos e, claro, [na área] da
medicina e equipamento médico, cuja produção é dominada pela China.”
No
texto, o académico fala da “diplomacia da máscara” levada a cabo pela China no
apoio a outros países, nomeadamente à própria UE, que recebeu uma resposta mais
rápida por parte das autoridades chinesas e russas no combate à pandemia.
O
académico considera que, apesar da sociedade portuguesa não ser “colectivista”,
ao contrário da chinesa, “onde há a propensão para obedecer a uma figura
forte”, a capacidade de Portugal para responder à pandemia “não foi menos
notável do que na China, que construiu hospitais em poucos dias”.
“A
população portuguesa seguiu de forma escrupulosa as medidas de confinamento,
algo que não aconteceu, por exemplo, em Itália. Portugal procurou evitar os
erros cometidos por outros em vez de os repetir. O mesmo pode ser dito a
propósito da China, que foi incomparavelmente mais rápida a aprender com os
seus próprios erros, tal como a gestão de episódios passados, como a SARS”,
lê-se no artigo.
Em
termos gerais, o autor denota que “a política externa portuguesa tem sido
particularmente habilidosa em lidar com a China, enquanto mantém os antigos
compromissos lado a lado com a UE e os EUA”.
Relativamente
a uma das principais conclusões da última cimeira do G7, sobre a possível
criação de uma política ocidental semelhante à iniciativa “Uma Faixa, Uma
Rota”, Paulo Duarte defende que não é mais do que uma resposta tardia do
ocidente. “A UE acordou tarde para o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, não tinha
uma resposta ao início e hoje tem, mas é pautada por diferentes visões de
países da UE, também a nível mais macro.”
Além
da UE, “o mundo começou a acordar de forma tardia para esta questão e percebeu
que a China tem conseguido canalizar muitos países para a sua iniciativa, de
modo que os países ditos do mundo ocidental perceberam que têm de ter uma
resposta. Mas isto acontece por reactividade e não por pró-actividade”, aponta
Paulo Duarte.
Quem
reagiu a esta iniciativa do G7 foi a China, que mostrou forte oposição. Na
última terça-feira, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Zhao
Lijian, disse que a proposta não passa de uma difamação da China e “transgride
os propósitos e princípios da ONU e a tendência dos tempos de paz,
desenvolvimento e cooperação de ganho mútuo”.
A
mesma proposta do G7 “põe em evidência as más intenções dos EUA e de uns outros
países para criar deliberadamente antagonismo e ampliar as diferenças. A China
está fortemente insatisfeita e opõe-se firmemente a isso”, disse Zhao Lijian. Andreia
Silva – Macau in “Hoje Macau”
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