I
Depois
de juntar vários ensaios em Espantalhos (Florianópolis, Editora Nave,
2017), o poeta, ensaísta, crítico literário e editor de publicações culturais
Ademir Demarchi acaba de lançar Contrapoéticas (Florianópolis, Editora
Nave, 2020), que reúne um conjunto de ensaios, resenhas, prefácios, posfácios, depoimentos
e entrevistas. A obra não traz só textos que se referem a poetas
contemporâneos, como Flávio Viegas Amoreira, Marcelo Ariel e Madô Martins, que
residem no Litoral paulista, e outros de várias regiões do País, como também
uma parte, a terceira, dedicada a poetas consagrados como T. S. Eliot
(1888-1965), Dylan Thomas (1924-1953), Langston Hughes (1902-1967), Jorge Luís
Borges (1899-1986) e Maurice Blanchot (1907-2003), sem deixar de incluir um que
ainda está em plena atividade, o norte-americano Kenneth Goldsmith, professor
na Universidade de Pensilvânia.
Leitor
compulsivo não só de escritores consagrados, mas também de autores pouco
divulgados, especialmente de poetas brasileiros, em função dos anos em que
esteve exercendo a prática editorial com as 15 edições da revista Babel,
Demarchi, no preâmbulo do livro, deixa claro que sua formação está baseada em
estudiosos da questão literária de peso como Theodor W. Adorno (1903-1969),
Roland Barthes (1915-1980), Gilles Deleuze (1925-1995), Félix Guattari
(1930-1992) e Mikhail Bakhtin (1895-1975), sem deixar de citar o legado deixado
por um brasileiro, Oswald de Andrade (1890-1954), e o fenômeno da antropofagia,
que tanto influenciaram seu modo de pensar.
II
Um
dos melhores textos, entre outros, é “A alegria de escrever de Antonio Thadeu
Wojciechowski” que trata de um livro recente desse poeta, professor de
Literatura e Língua Portuguesa e publicitário catarinense, Poemas de amor
ainda (Florianópolis, Bernúncia, 2019), que reúne textos publicados no Facebook,
inclusive o poema “Eu”, do qual se transcreve aqui um excerto:
“(...) me desfiz do que me mascara
/ fui deixando de lado / a solidão vazia das conversas de salão / entrei de
sola com o dedo no cão / e me absolvi de todo o pecado / abandonei os jornais /
doei os meus gibis a um orfanato / para um asilo a TV e o rádio / e o de menos
virou mais / agora tenho a mim / e comigo conto / se a morte é assim / eu estou
pronto”.
Demarchi
lembra que, de Thadeu (por motivos óbvios, prefere-se este sobrenome ao outro
de origem polonesa), publicou dois livros pelo selo Sereia Ca(n)tadora, editora
de livros feitos com papelão reaproveitado: Que bom que é ser eu (2018)
e O dia em que matei Wilson Martins, uma sátira sobre a vida e a
morte do crítico Wilson Martins (1921/2010), em que o poeta condena a
institucionalização exagerada que dele fizeram especialmente em Curitiba, onde
ele publicava coluna na Gazeta do Povo, depois de exercer a crítica em
outros grandes jornais, como O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil
e O Globo.
Autor
de uma obra seminal, os sete volumes de História da Inteligência Brasileira,
e professor emérito da Universidade de Nova York, Wilson Martins, apesar de
toda a louvação até certo ponto merecida, foi também uma espécie de capitão-do-mato
da Literatura Brasileira, procurando sempre, com inusual empenho, pequenos erros
e equívocos nas obras alheias. Aparentemente, mais ligado ao ideário
direitista, destacava-se por condenar a priori aquela literatura à qual
chamava de “engajada”, que a esquerda defendia e praticava, mas que ele
considerava sem valor artístico.
III
Os
leitores, provavelmente, vão se deparar com outros poetas dos quais,
provavelmente, nunca ouviram falar, mas que lutam contra a maré, insistindo em
fazer poesia e enfrentando dificuldades para publicar, já que as editoras,
quando muito, preferem publicar poetas falecidos ou que já estão no fim da
vida, desde que devidamente incensados pela crítica, como observa Demarchi em
entrevista publicada no Diário do Norte do Paraná, em outubro de 2007.
Em
outra entrevista, publicada no Jornal da Orla, de Santos-SP, em
17/11/2008, Demarchi condena o “sistema de consumo que comercializa somente o
facilitário e lucrativo, logo vazio e descartável”. E justifica a opção pela
edição de livros com capa de papelão reciclado, à margem do sistema comercial,
dentro do Projeto Dulcineia Catadora: “Como escritor, como poeta, estou numa
situação de identidade de marginalidade social com os catadores de papel na
medida em que praticamente não existo, escrevo a duras penas e não publico porque
o sistema não dá valor ao que faço. Sou, assim, um catador de palavras como os
catadores de papéis e unindo esses dois sentidos alcançamos uma ação crítica e
de intervenção que faz pensar e mobiliza pessoas”.
Como
sempre evitou procurar aquelas editoras que publicam livros às expensas dos
autores, Demarchi precisou ganhar em 2017 o prêmio do 7º Facult – Concurso de
Apoio a Projetos Culturais Independentes, promovido pela Secretaria de Cultura
da Prefeitura de Santos, que lhe garantiu a publicação não só deste Contrapoéticas
como de Siri na Lata (2015) e Espantalhos (2017). Com isso,
conseguiu desovar textos escritos nas duas últimas décadas focados em poesia.
Pena que essa iniciativa do poder público santista não seja imitada por outras
municipalidades.
IV
Ademir
Demarchi, nascido em Maringá, em 1960, mas estabelecido em Santos e São Vicente
desde 1993, foi editor das revistas de poesia Babel – Revista de Poesia,
Tradução e Crítica, de 2000 a 2017, e Babel Poética, de 2011 a 2013,
que foi premiada em primeiro lugar entre 170 projetos no Programa Cultura e
Pensamento de 2009/2010 do Ministério da Cultura. Edita o selo editorial de
livros artesanais Sereia Ca(n)tadora, com 31 títulos publicados entre 2010 e
2018.
É
graduado em Letras na área de Francês pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e mestre em Literatura Brasileira na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), sob a orientação de Raul Antelo, um dos maiores especialistas
acadêmicos na área da Antropofagia. É doutor em Letras pela Universidade de São
Paulo (USP) na mesma área.
Publicou
Os mortos na sala de jantar (Santos, Realejo Edições, 2007); Passeios
na floresta (Porto Alegre, Éblis, 2007; Lima, Amotape Libros, 2013); Do
sereno que enche o Ganges (São Paulo, Dulcineia Catadora, 2007: Lima,
Centro Peruano de Estudios Culturales, 2012);
Ossos de sereia (Assunção, Paraguai, YiYi Jambo, 2010; Santos,
Sereia (Ca(n)tadora, 2012; Lima, Viringo Cartonero, 2014); Pirão de sereia,
que reúne sua obra poética de 30 anos (Santos, Realejo Edições, 2012); O
amor é lindo (São Paulo, Editora Patuá, 2016); Siri na lata (Santos
(Livraria Realejo, 2015); Gambiarra: uma pinguela para o futuro do pretérito
(Bragança Paulista, Urutau, 2018); e Espantalhos, ensaios
(Florianópolis, Editora Nave, 2017), entre outros.
Com numerosos poemas, artigos e ensaios publicados em livros e revistas e em sites da Internet, foi colaborador por oito anos do jornal impresso Diário do Norte do Paraná, de Maringá. Organizou as antologias Passagens – antologia de poetas contemporâneos do Paraná (Curitiba, Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 2002) e 101 poetas – antologia de experiências de escritas poéticas no Paraná do século XIX ao XX, 2 vols. (Curitiba, Biblioteca Pública do Paraná, 2014). Adelto Gonçalves - Brasil
________________________________
Contrapoéticas, de Ademir Demarchi. Florianópolis, Nave Editora, 336 páginas, R$ 50,00, 2020. Site: www.editoranave.com E-mail: editoranave@gmail.com E-mail do autor: ademirdemarchi@uol.com.br
___________________________________________
Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o
poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário