O Telejornal do canal público angolano TPA abriu a edição de sexta-feira com a leitura de um editorial em que os media portugueses foram acusados de ser um veículo de transmissão de uma campanha de desestabilização e "ingerência abusiva" em assuntos de outros Estados
Ao
longo de cinco minutos, logo após abordar o tema da cimeira da CPLP que se
realiza em meados de julho em Luanda, a apresentadora Sílvia Samara, refere que
neste momento em que governos e povos que integram a organização
"aproveitarão para reafirmar laços de amizade, irmandade e
cooperação", assistem-se a "acções contrárias" e "a partir
de Lisboa, há quem ainda pense ser possível fazer ingerência abusiva e
grosseira nos assuntos de outros estados da mesma comunidade".
"Os
meios de comunicação nestes casos são apenas veículos de transmissão nesta
campanha de desestabilização dos nossos países, daí não acusarmos nenhum deles
em concreto", prossegue a apresentadora, apontando "reiteradas
tentativas de, com reportagens televisivas, artigos em jornais ou noutros
meios" se tentar mostrar que Angola não está realmente empenhada na luta
contra a corrupção.
"Em
matéria de combate à corrupção e à impunidade, em apenas três anos, fez mais do
que aqueles que nos pretendem dar lições", diz a apresentadora da TPA,
sublinhando que "Angola não é menor de idade" e que a justiça
angolana já condenou dois ministros e o gestor do Fundo Soberano de Angola,
mesmo sendo filho do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos.
Faz
também alusão ao processo contra o empresário Carlos São Vicente, que está
detido em Luanda, gestor da seguradora AAA, empresa pertencente à petrolífera
Sonangol que "por obra e graça de São Vicente se transformou em suposta
propriedade do empregado a quem o legitimo proprietário confiou a sua
gestão".
E
acrescenta: "por sinal, o protagonista desta façanha é genro do presidente
e fundador da nação, pessoa de uma verticalidade moral acima de qualquer
suspeita".
O
editorial prossegue lembrando que o chefe do Estado angolano afastou das suas
funções oito generais afectos à sua Casa de Segurança por suspeitas de ligação
a um caso de corrupção e realça que "os maiores interessados na luta
contra a corrupção em Angola são os angolanos e as suas autoridades" tal
como "os maiores interessados no combate a corrupção em Portugal são os
portugueses".
O
editorial lido por Sílvia Samara passa nessa altura a focar-se em Portugal que
"tem, entre outros, o processo Marquês que se arrasta há anos a fio".
"Mas
nunca a comunicação social angolana interpelou o chefe de estado português ou o
primeiro ministro português para se pronunciarem sobre o caso por que não nos
diz respeito mas também porque sabemos que, tal como em Angola, não é deles a
responsabilidade pelo bom andamento, ou não, dos processos judiciais",
disse a apresentadora da televisão pública.
Sílvia
Samara recomenda a "essas forças, que hoje se julgam no direito de
pressionar o chefe de estado angolano a demitir ministros" que pressionem
a
justiça portuguesa a abrir processos crime "contra os cidadãos portugueses
que geriram as fortunas angolanas exibidas em Portugal nos últimos 20
anos
e que, na altura, eram consideradas bem vindas com a conivência de muito boa
gente travestida de moralista sem moral".
O
editorial termina em tom conciliador e deixa recados: "No meio de toda
esta pouca vergonha, atrevimento e insensatez resta nos a consolação de, a nível
institucional, o chefe do Estado português, o governo português e a justiça
portuguesa trabalharem sempre pela manutenção das boas relações de amizade e
cooperação entre os nossos países, mantendo-se longe dos círculos que nos
querem tratar como meras marionetas de circo, embora devessem saber que com
Angola isso não e possível".
Na
quinta-feira, a TVI noticiou que o Ministério Público abriu um inquérito ao
ministro angolano da Energia, João Baptista Borges, por suspeitas de branqueamento
de capitais dando conta de uma investigação que envolve o governante e membros
da sua família em alegados negócios ilícitos ligados ao sector da energia.
Um
caso ainda mais mediático foi o processo judicial relativo a Manuel Vicente,
ex-vice-presidente angolano e "patrão" da Sonangol que se transformou
num "irritante" na relação entre Portugal e Angola.
O
Tribunal da Relação de Lisboa acabou por enviar para Angola o processo, em
2018, com base num recurso interposto pela defesa de Manuel Vicente.
O
Ministério Público português imputou a Manuel Vicente os crimes de corrupção
activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
O
ex-vice-Presidente do país e antigo dirigente da petrolífera estatal cujo nome
tem surgido envolvido em vários escândalos de corrupção tem estado a salvo dos
processos criminais, com base na Constituição angolana que concede uma
imunidade aos antigos titulares deste cargo, que só terminaria cinco anos após
o fim do mandato, em setembro de 2022.
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