I
O
leitor compra um livro e leva quatro boas obras de poesia. É esta a proposta de
Quadrigrafias, fruto de um projeto criado e incentivado pelo escritor e
diplomata Márcio Catunda, desde 2003, que consiste na edição de livros de
livros. Quadrigrafias reúne quatro obras independentes entre si: Elaine
Pauvolid comparece com Silêncio-Espaço, Márcio Catunda com Dias
Insólitos, Tanussi Cardoso traz Dos Significados e Ricardo Alfaya, Álbum
sem Família.
O
título é alusivo aos quatro autores, suas escritas, suas visões e suas
visualidades, já que a palavra grafias tanto sugere a escrita quanto as artes
visuais, modalidades que cada vez andam mais próximas. Essa é a terceira
coletânea de livros individuais em que os quatro autores estão juntos. As
anteriores foram Rios (Rio de Janeiro, Ibis Libris, 2003), e Vertentes
(Rio de Janeiro, Editora Five Star, 2009).
Em
Quadrigrafias, a carioca Elaine Pauvolid (1970), poeta e artista
plástica, autora também do prefácio, participa com poemas de O silêncio como
contorno da mão (Selo Orpheu, 2011), revisitado, e Poemas para projetor.
No primeiro poema, mostra seu interesse pelo tema do vazio, observando que “a
impossibilidade da palavra em dizer completamente” constitui “o motor do fazer
poético”. É o que procura dizer nestes versos em que faz um excepcional jogo de
palavras: deus o silêncio abrasa / deu-se o silêncio à brasa / deus o
silêncio abraça. Já em Poemas para projetor, procura explorar a
espacialidade dos versos no branco da página, em poemas minimalistas.
O
cearense Márcio Catunda (1957), em Dias Insólitos, faz da meditação uma
força transformadora, como assinalou Ricardo Alfaya no prefácio que escreveu
para esta obra. E o faz sem se prender a
modismos, deixando-se levar pela meditação e, principalmente, evocando
reminiscências, como aqui nestes versos de “Poema de fevereiro” em que diz: “(...)
Quisera ser aquele menino / que atravessava a Avenida Atlântica, / na década de
70. / Ir à praia, com o mesmo entusiasmo de outrora. / Mas, ao menos, caminho
descalço pela areia / e ainda cobiço os belos corpos femininos. / Recuso-me a
ser este homem idoso que recorda / os passeios marítimos de sua juventude (...).
Ou
quando evoca a imagem da mãe perdida no tempo passado, como diz no poema “Dona
Zenilda”: (...) Lá fora, vejo o esplendor abissal do dia. / Fito a luz do
Sol, / na expectativa de ver o rosto de minha mãe. / Quando as estrelas
brilharem, / sei que ela estará naquelas imediações.
II
Por
sua vez, o carioca Ricardo Alfaya (1953), advogado e jornalista, em Álbum
sem Família, livro temático, composto por 100 poemas, expõe textos que seriam
legendas para fotografias reunidas num álbum, que, metaforicamente, representaria
o próprio autor em sua solidão, ironia e perplexidade de divorciado sem filhos.
Tanussi Cardoso no prefácio que escreveu para este livro observa que, “atrás de
uma aparente simplicidade, (Alfaya) trabalha um jogo de espelhos quebrados,
onde os fragmentos dispersos são unos e únicos”.
E
acrescenta: “Os poemas são pequenas joias: fotos de um realismo, filtradas em
poesia valorosa e elegante, mesmo quando aborda temas sociais ou sutilmente
libidinosos e amorosos”. Veja-se aqui em “Foto 031: a tarde desnuda”, poema em
que recupera o seu cotidiano no Rio de Janeiro e evoca uma viagem a Madri: “Encontro,
encantado, a tarde. / Descubro-a de repente, / recostada no espaldar de uma
cama, no El Prado. / A tarde é clara e tem o peito perfumado. / Os alados bicos
de seus seios tremulam / junto à linha do horizonte. / A tarde é morena, / mora
em Ipanema / e tem a fragilidade de um dia. / Mistura de paisagem que flutua, /
mulher nua e tela de Goya”.
III
Por
fim, em Dos Significados, o poeta, crítico, contista e letrista de
música popular Tanussi Cardoso (1946), carioca, jornalista e advogado por
formação, faz uma profunda reflexão sobre o sentido e o significado da poesia,
como se vê no poema “Das possibilidades” em que parece dialogar com o poeta Manuel
Bandeira (1886-1968): “Não lamentes o que és / ou o tempo que poderia ter
sido. / O passado não existe / e o que és é futuro. / O amor é sempre a falta
de. / O intervalo entre. / A ausência de. / A hora do que seria. / Nunca a
completude, / mas o verbo do que poderia. / O amor é sempre / a impossibilidade
do possível. / Não chores nem lamentes. / Tua cidade te espera. / Tua cadela te
late. / Teu silêncio é tua música. / Tua cama é tua calma. / Pacifica teu
coração / que, apesar de tudo, / bate. / O amor pode não ser, / mas a vida é
sempre / a possibilidade do impossível”.
No
prefácio, Ricardo Alfaya avisa que quem abrir o livro Dos Significados
encontrará mais perguntas implícitas do que esclarecimentos semiológicos, mas
desde logo garante: o leitor sairá gratificado. E cita o poema “Memorabilia”,
considerando-o um poema cheio de movimento cinematográfico, “que faz a mente
brincar de ir a vir e que retira qualquer um da imobilidade mental, o que seria
uma das mais belas e profícuas funções da arte”.
Até
por isso vale a pena reproduzir o poema aqui: “esqueço o trem. / e ao
esquecer o trem, esqueço / o gesto de adeus / do homem na janela do trem. /
esquecendo o gesto do adeus, esqueço o rosto do homem triste / olhando pela
janela do trem. / e esquecendo o adeus e o olhar / do homem triste na janela do
trem, / esqueço sua / história. e ao esquecer sua história, / deixo para trás
sua vida, / como se deixa partir um trem”.
Embora
distintos, os quatro livros que compõem esta antologia procuram resgatar, de
maneira lírica, o que de efêmero há na vida. E constituem uma prova da
vitalidade que ainda há na poesia contemporânea brasileira. Enfim, o leitor que
descobrir Quadrigrafias, com certeza, terá em mãos uma bela amostra da
produção de quatro dos mais importantes poetas do Brasil neste começo de século
XXI. Adelto Gonçalves - Brasil
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Quadrigrafias,
de
Elaine Pauvolid, Márcio Catunda, Ricardo Alfaya e Tanussi Cardoso. Rio de
Janeiro: Editora Uapê. 212 páginas, R$ 33,00 (frete incluído), 2015. Pedidos
para: Alfaya Livreiro e Revisor. Link: https://alfayalivreiroerevisor.blogspot.com/
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Agradeço a divulgação de 'Quadrigrafias" neste blog. Abcs.
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