Lisboa é uma cidade com várias dinâmicas sociais e culturais, uma cidade em constante movimento, uma cidade que acontece e faz acontecer. Tal como consegue ser "menina e moça", também consegue ser uma cidade suave e, ao mesmo tempo, frenética. Estar por cá e de férias é sempre uma oportunidade para ir redescobrir momentos de uma Angola que por cá acontece, uma Angola que acontece fora da terra, mas que consegue mobilizar e reunir pessoas da terra
Estou
cá há quase um mês e tenho vivido não só aquela Angola que acontece diariamente
no kandandu (abraço) da minha mãe, irmãs e sobrinhas, nas conversas e debates
entre kambas sobre as makas da terra. Que acontece também nos cheiros e pitéus
da terra, nos saberes, valores, olhares e falares das nossas gentes que por cá
residem. É desta Angola que vejo acontecer, que tenho o direito de a ela
pertencer e que, como jornalista, tenho o dever de dar a conhecer. Angola que
acontece fora de nós, mas que revela muito sobre nós. Sobre a nossa História,
sobre a nossa cultura, sobre as lutas, desafios, dificuldades e ambiguidades,
alegrias e tristezas, empenho, paixão e dedicação de pessoas que são de Angola
ou que escolheram amar Angola e os angolanos. Tenho privado com algumas
pessoas, tenho participado em eventos e momentos por cá que são bastante
reveladores do que descrevo, e de como a arte, a ciência, a literatura, o
cinema e até a gastronomia podem reunir pessoas em torno de coisas positivas e
de valor acrescentado.
Pedro
Hossi, actor angolano, protagonizou o monólogo Uma Noite na Lua, de João
Falção, que esteve em cartaz durante todo o mês de Agosto no Estúdio Time Out,
no Mercado da Ribeira, em Lisboa. Foram noites de teatro de qualidade e com uma
performance ímpar do actor. Houve grande afluência de um público bastante
multicultural, havendo sempre muitos compatriotas de Pedro Hossi e que, por
causa da sua arte, se juntavam aí e faziam Angola acontecer. É arte, é talento,
é profissionalismo, é classe que por cá dá cartas, mas que a informação tarda a
chegar, a ser divulgada em Angola porque ultimamente andamos focados num
discurso muito politizado, radical e de extremos. Um discurso de assassínio de
carácter, futilidades e promoção/divulgação do negativo, do que não agrega
valor. E por cá e em Agosto, o Pedro Hossi deu gosto.
Augusta
Conchiglia é uma jornalista italiana nascida em 1948 e que em Abril de 1968
entrou clandestinamente em Angola para, com o realizador Stefano de Stefani, reportar
a luta de libertação em curso no País. Até Setembro daquele mesmo ano, guiados
por guerrilheiros do MPLA, percorreram por centenas de quilómetros das zonas
libertadas do Moxico. "Augusta Conchiglia nos Trilhos da Frente
Leste-Imagens (e Sons) da Luta de Libertação em Angola" é a exposição
temporária que, desde 22 de Julho e até 31 de Dezembro, estará patente no Museu
do Aljube, em Lisboa. Imagens de dinamismo, de espírito de luta, esperança no
futuro e crença na libertação, também de angústia e de motivação retratadas
documentalmente há mais de cinco décadas e que hoje expostas ao público servem
de elemento para a compreensão da luta de libertação nacional, para a
clarificação da nossa história, dos factos e dos seus protagonistas.
Sarah
Ducados (1929-2020) é filha de pai guadalupense e de mãe francesa, nasceu no
Sul de França, adoptou o pseudónimo Maldoror, em homenagem a Lautréamant, o
autor de "Os Cantos de Maldoror". Adaptou para o cinema as obras do
escritor angolano José Luandino Vieira "Monangambée" (1969) e
"Sambizanga" (1973). Durante o mês de Setembro, a sala M. Félix
Ribeiro da Cinemateca Portuguesa faz uma retrospectiva integral das suas obras,
do seu trabalho associado à luta contra o colonialismo e afirmação da cultura
negra, bem como do seu importante papel no desenvolvimento do cinema de Angola.
São sessões antecedidas de debates que contaram com a presença no passado dia
01, de Annoucka de Andrade (uma das duas filhas de Sarah Maldoror e Mário Pinto
de Andrade) e com Augusta Conchiglia na sessão do passado dia 08. Tem sido um importante
espaço para a compreensão da nossa história e culturas, sobretudo também um
merecido tributo ao conjunto da obra da cineasta.
João
Ricardo é autor e editor da Perfil Criativo e fundador da Authores Club, que conseguiu
colocar no seu Stand 77, da Feira do Livro do Porto, obras de 80 autores e
escritores angolanos. É obra, é coragem, é trabalho digno de reconhecimento num
dos espaços mais visitados do certame que encerra já neste domingo, 12 de
Setembro. O seu stand e os debates promovidos pelos autores e as suas obras são
importantes momentos para se abordar a terra nas suas diferentes dimensões. Tem
havido muitos encontros e reencontros. É interessante como o livro é capaz de
reunir gentes e amigos de Angola, como é capaz de fazer matar saudades e
partilha de sentimentos. São momentos únicos e que a ousadia e coragem deste
amigo João Ricardo têm proporcionado para esta feira do livro. É a primeira vez
que Angola consegue juntar tanta qualidade e ter tanta disponibilidade de
autores. É uma Angola que acontece.
Termino com a candidata independente ao cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa, é angolana, tem 43 anos. Lidera o movimento Somos Todos Lisboa e quer fazer história. Seja qual for o resultado das eleições de 26 de Setembro, o certo é que a sua coragem, tenacidade, espírito de luta e de iniciativa já venceram. Tem garra e determinação e tem também um jeito bué mwangolé. Essa é apenas uma pequena parte de uma Angola que vai acontecendo em terras lusas. Uma Angola que acontece fora de nós, mas não muito distante. Uma Angola que precisa de ser institucionalmente apoiada e jornalisticamente mais divulgada. Armindo Laureano – Angola in “Novo Jornal”
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