I
Mulheres
fantásticas (Mossoró: Sarau das Letras Editora;
Fortaleza: Edições Poetaria, 2019), reunião de dezoito pequenos contos, do
cronista, romancista, crítico literário e contista Clauder Arcanjo (1963), que
constitui um tributo ao realismo fantástico tão presente nas histórias do
Nordeste brasileiro, na definição do próprio autor, tem como figura central a
mulher e suas habilidades únicas, que tanto intrigam os homens, que, muitas
vezes, buscam em vão explicações para o seu comportamento. Não foi para tentar
encontrar essas respostas que o Clauder Arcanjo escreveu estes contos, mas, principalmente,
para realçar estes mistérios.
Para
tanto, tratou de imaginá-las como elementos da natureza, objetos e até animais,
como galinha, sapo, abelha, mas sem cair no tratamento chulo das palavras, ou
ainda forças naturais, como ventania, maré e nuvem, ou sentimentos, como
saudade, mostrando com leveza e bom humor os dramas que ocorrem no
relacionamento entre homens e mulheres. Na visão do autor, os homens se mostram
frágeis e incapazes de compreender a sensibilidade delas.
As
histórias – ou causos, no linguajar popular nordestino – se dão num
vilarejo, Licânia, que seria encravado no sertão do Ceará e que aqui funciona
como a Yoknapatawpha, de William Faulkner (1897-1962), a Macondo, de Gabriel
García Márquez (1927-2014) e a Santa Maria, de Juan Carlos Onetti (1909-1994),
cidades fictícias que atuam como núcleo vital de assuntos literários ou ainda
entidades míticas. Licânia, aliás, é o título do primeiro livro de
Clauder Arcanjo, publicado em 2007, que reúne contos que já trazem essa ideia
de reunir num local mítico histórias e personagens que se movimentam num mundo
picaresco, habilidade que o autor haveria de sedimentar em Cambono
(2016), romance em que presta homenagem a esse gênero tão ibérico.
No
prefácio, Dimas Macedo, professor, jurista e membro da Academia Cearense de
Letras, observa que Mulheres fantásticas “pode ser lido como uma reunião
de crônicas e memórias, quanto fragmentos daquilo que se pode fazer com a magia
das mulheres e com a áurea de suas fantasias”. E acrescenta que, para a Literatura,
“as mulheres e seus arquétipos são fontes de inspiração que nunca se esgotam,
especialmente quando concertadas por um escritor de talento, como é o caso do
autor deste livro”.
II
No
texto de apresentação, a poeta Kalliane Amorim ressalta a adesão de Clauder
Arcanjo ao realismo fantástico, gênero que despontou na América Latina na
década de 1940, mas encontrou o seu auge nas décadas de 1960 e 1970, e que, no
Brasil, não alcançou o mesmo impacto, embora tenha influenciado escritores
importantes como José J. Veiga (1915-1999), Moacyr Scliar (1937-2011) e,
especialmente, Murilo Rubião
(1916-1991), cujos contos combinam uma visão realista do mundo com elementos
mágicos que são inseridos em cenários cotidianos.
Diz
Kalliane: “A incredulidade e o espanto do homem diante da mulher que se
transforma em sapo, que acende uma cidade inteira, que é portal para as
travessias da vida, ou diante do mais fantástico que é, nesses dias em que
vivemos, estar diante de uma mulher que acolhe, escuta e alimenta, na certeza
de que essa mulher pode ser qualquer uma de nós – eis a beleza do fantástico
que emerge no trivial da vida, sob a pena de Clauder Arcanjo”.
O
livro foi escrito em homenagem à professora potiguar Aíla Sampaio (1965-2017).
Arcanjo pretendia fazer um livro em coautoria com ela, cada um escrevendo seus
contos. Ele já havia escrito o primeiro e mostrado a ela, que já estava
escrevendo o segundo conto, quando veio a falecer em novembro de 2017, de
câncer. Por isso, o livro é dedicado a ela in memoriam.
III
Antonio
Clauder Alves Arcanjo, ou apenas Clauder Arcanjo, nascido em Santana do
Acaraú-CE, é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará,
Ao lado do romancista e jurista David Medeiros Leite, é um dos fundadores da
editora Sarau das Letras, de Mossoró-RN, que já lançou mais de 300 livros.
Produz e apresenta na TV a cabo Telecom (Mossoró) o programa cultural Pedagogia
da Gestão. É membro da Academia Mossoroense de Letras, da Academia
Norte-rio-grandense de Letras e da Academia de Letras do Brasil. Mora em
Mossoró desde 1986. Em 2017, recebeu o título de cidadão norte-rio-grandense,
que lhe foi concedido pela Assembleia Legislativa.
Por
alguns anos, foi cronista semanal do jornal Gazeta do Oeste, de Mossoró,
e usou durante muito tempo o heterônimo Carlos Meireles (homenagem aos poetas
Carlos Drummond e Cecília Meireles) para resenhar textos literários,
colaborando em sites, revistas e jornais de várias partes do País. Atualmente
coordena, no Jornal de Fato, o Espaço Martins de Vasconcelos e escreve
para a versão online do jornal O Mossoroense e para revista cultural Kukukaya,
entre outros veículos literários.
A
reunião de contos, intitulada Licânia, contos, marca a sua estreia em
livro em 2007. É autor também de Lápis nas veias (2009), minicontos, Novenário
de espinhos (2011), poemas, Uma garça no asfalto (2014), crônicas Pílulas
para o silêncio/Pildoras para el silencio (2014), aforismos, edição em
português-espanhol, com tradução do poeta peruano Alfredo Pérez Alencart,
professor da Universidade de Salamanca, Espanha, Cambono (2016),
romance, Separação (2017), contos, O Fantasma de Licânia (2018),
novela, A província em exílio (2019), discursos, e Sinos/Campanas
(2 019), poemas, com tradução também de Alfredo Pérez Alencart. Entre seus
trabalhos inéditos, o autor tem obras nos gêneros poesia, crônica, minicontos,
romance e resenhas literárias.
Em
2003, recebeu menção honrosa no Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães,
promovido pela Fundação José Augusto, de Natal. No ano seguinte, foi
distinguido com nova menção honrosa, desta feita na categoria contos dos
Prêmios Literários Cidade do Recife. Com Pílulas para o silêncio, ganhou
o Prêmio Geir Campos, da União Brasileira dos Escritores, seção do Rio de
Janeiro. Adelto Gonçalves - Brasil
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Mulheres fantásticas, de Clauder Arcanjo, com prefácio de Dimas Macedo e ilustrações de Raisa Christina. Mossoró-RN: Sarau das Letras Editora/Fortaleza: Edições Poetaria, 167 págs., R$ 40,00, 2019. E-mail: clauderarcanjo@gmail.com
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Adelto
Gonçalves é
doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002),
Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de
Letras, 2012), Direito e Justiça em
Terras d’El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. (E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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